Quer trocar de vida?

por Camila Alam
Trip #224

Consumo colaborativo: uma ideia que pode mudar o mundo

Na contramão da cultura do “compro, logo existo”, as práticas de compartilhar, trocar, alugar e doar bens e serviços se multiplicam, impulsionadas pela sociedade em rede e pela valorização da experiência sobre a propriedade. É o consumo colaborativo, uma ideia que pode mudar o mundo

Quando resolveu mudar para Nova York, em 2007, o designer brasileiro Diego Zambrano queria levar com ele só o essencial. Pensou então em oferecer móveis, livros e eletrodomésticos no Flickr, a rede social que usava na época, e mandar o link para os amigos. Em pouco tempo, se desfez de quase tudo, vendendo baratinho ou doando aos interessados. Assim nasceu a ideia para o Bondsy, aplicativo que criou e que ajuda a encontrar gente interessada em trocar tudo por tudo: roupas, objetos, eletrônicos, comida, ingressos, serviços. No ar desde o ano passado, a “rede social de coisas” foi encampada pela Tech Stars, uma das maiores incubadoras de novos negócios on-line dos Estados Unidos. Mais do que fenômeno isolado, é uma entre as muitas iniciativas de consumo colaborativo que estão transformando nossa relação com o que possuímos.


Saímos da era do hiper-consumo e entramos na era do bem-estar


“Possuir”, aliás, talvez já não seja a melhor definição. O objetivo essencial do consumo colaborativo, que a revista Time elegeu como uma das dez ideias que vão mudar o mundo, é promover formas menos comerciais e mais sustentáveis de troca, como o escambo, o empréstimo, a locação e a doação. Uma das entusiastas da bandeira, a pesquisadora australiana Rachel Botsman, coautora do livro O que é meu é seu (ed. Bookman), acredita que, nos próximos anos, deixaremos cada vez mais de ser os donos exclusivos das coisas, e passaremos a compartilhá-las. O acesso a produtos e serviços, acredita, se tornará mais importante do que a propriedade. Estaríamos nos distanciando da era do hiperconsumo, na qual o sucesso é medido pela quantidade de posses, para entrar na era do bem-estar, que dá mais valor à experiência.

Talvez você já faça parte dessa onda. Quando, por exemplo, ao planejar as férias, acessa sites como Couchsurfing, que conecta gente a fim de hospedar e de ser hospedada no mundo inteiro, operando na base da troca. Ou entra no aplicativo Karona para ver se alguém da sua cidade está indo de carro para a mesma balada que você. Facilitadores do compartilhamento, esses mecanismos dão a mais gente, por pouco ou nenhum dinheiro, acesso a algo que elas nem sabiam que estava disponível. A tecnologia tem papel essencial nesse cenário: a rede é a ponte entre quem oferece e quem precisa. Mas, para além dela, a valorização do sustentável é cada vez mais presente. “A ideia é que, em vez de termos coisas que só usamos eventualmente, possamos usufruir delas quando precisamos”, explica a australiana Lauren Anderson, sócia do Collaborative Lab, escritório de consultoria voltado para consumo colaborativo. “Estamos percebendo que o verdadeiro valor vem das experiências que temos ao usar algo. Uma prancha de surf só é útil quando estamos sobre as ondas. Então é melhor alugá-la por um dia do que mantê-la numa garagem acumulando poeira”, diz.


Cada vez mais, deixaremos de consumir para compartilhar


A jornalista e empresária paulistana de internet Diana Botello, 30 anos, descobriu a colaboração nos dois anos em que viveu fora do país. De volta ao Brasil, começou a usar o Bondsy para se desfazer de alguns objetos depois de um divórcio e não parou mais. Entre muitas outras coisas, aceitou uma garrafa de vinho em troca de uma tábua de passar roupa que não usava mais, e acabou ganhando um amigo. “O cara veio buscar a tábua e depois me mandou uma mensagem de agradecimento, dizendo que graças à visita pôde voltar ao bairro em que morou e reviver outra fase da vida dele. Pode parecer cafona o que vou dizer, mas compartilhar faz bem. Você passa a dar menos importância a coisas e mais a processos”, ela diz.

A tábua e o vinho

O movimento de compartilhar, doar ou trocar se opõe ao “compro, logo existo”, que imperou nas últimas décadas. E se alinha aos esforços de preservar recursos naturais e reduzir lixo. “Os efeitos negativos do consumo excessivo vão além do estresse financeiro e impactam o ambiente”, diz Lauren Anderson. A pesquisa Rumo à Sociedade do Bem-estar (2012), do Instituto Akatu para o Consumo Consciente, mostra que o brasileiro já se preocupa com sustentabilidade ao comprar, observando, por exemplo, se o fornecedor de um serviço ou produto tem selo de proteção ambiental. “As pessoas estão preocupadas com o impacto que seu consumo causa no outro, no ambiente, na comunidade”, diz Helio Mattar, diretor do Akatu.


Enaltecendo experiências, o novo consumidor troca o ter pelo viver


Se a consciência ambiental predispõe a formas mais colaborativas de consumo, a pressão cultural pelo consumo, porém, permanece. Consumir é uma necessidade social; posses refletem status, tornam-se extensão da identidade. O psiquiatra Hermano Tavares vai mais fundo na alma humana para achar as raízes do consumismo. Para ele, consumir é “uma elaboração mais sofisticada de impulsos primitivos de coleta de recursos”. O que diferencia a atitude do consumista da do novo consumidor é a maneira de lidar com esses impulsos. “Na visão do filósofo francês Gilles Lipovetsky, a felicidade trazida por uma compra é efêmera, diferente daquilo que é experimentado, vivido”, lembra a analista de tendências Carol Althaller. 
“O consumidor mais consciente troca o ‘ter’ pelo ‘viver’. Ele enaltece a experiência e, por isso, não perde tempo acumulando objetos que demandam cuidado”, diz.

Ligação direta

Morando em Los Angeles há cinco anos, o empresário Marcelo Loureiro investiu em um negócio de compartilhamento de bicicletas, o site e aplicativo Spinlister. Os usuários cadastram suas magrelas para alugá-las pelo preço que acharem justo. Quem precisa de uma bike faz a busca por cidade. O serviço começou voltado para o público americano mas se espalhou pelo mundo, conforme usuários de outros países foram se cadastrando. Sem nenhum esforço de marketing ou divulgação, aluga cerca de 40 bicicletas por mês. “Meu negócio é conectar pessoas”, diz Marcelo. “A transação monetária é um benefício secundário. O que as pessoas querem é fazer parte de uma comunidade. Às vezes, usando o serviço, compartilham dicas da cidade ou arranjam alguém pra andar de bike com elas.”

Para Marcelo, os negócios gerados a partir da ideia de consumo colaborativo fomentam uma economia mais orgânica. “O modelo econômico das últimas décadas foi baseado em compra e venda de produtos e serviços, por meio de um distribuidor. Com a tecnologia, as pessoas têm mais possibilidade de escolher de quem querem comprar e quanto querem pagar”, diz. E se querem pagar, já que muitas transações dispensam o dinheiro.

O estudante de desenho industrial Plínio Calil, 27 anos, que já trocou seus serviços de marceneiro por uma jaqueta, aposta em uma experiência colaborativa mais abrangente: a casa Madalena 80. O imóvel na Vila Madalena, em São Paulo, começou como espaço de coworking e hoje é alugado e administrado por cerca de 30 pessoas. A (única) regra é clara: quem ajuda no aluguel tem a chave e pode usar a casa como preferir, desde que não haja conflito de interesses. “É um espaço de livre interação”, diz Plínio. Os “donos”, gente de 25 a 50 anos, das mais diversas profissões – publicitários, economistas, arquitetos –, usam o lugar para trabalho, festas, encontros, bazares, oficinas. Por meio de um grupo no Facebook, resolvem problemas, programam a agenda e discutem reformas. “É autogestão, não existe hierarquia”, explica Plínio.

Grande e bem cuidada, a casa custa caro; entre aluguel, contas, internet e manutenção, cerca de R$ 7.500 por mês. Além de espaço de convivência, está se tornando o embrião de um fórum para discutir novas relações de consumo, parceria e trabalho. “O consumo colaborativo nada mais é que uma faceta da sociedade organizada em rede. A partir da internet, mudamos a forma de interagir, de um padrão mais centralizado para outro mais distribuído, que não depende de ninguém”, diz o empresário Oswaldo Oliveira, especialista em construir negócios em rede e um dos idealizadores da casa. “Não é que a sociedade vai mudar. A mudança é a própria organização em rede. O resto é expressão disso.”

 

A colaboração pode redefinir conceitos de comunidade

 

As expressões dessa possibilidade são muitas: além de novas formas de consumo, a rede pode ajudar a unir pessoas em torno de objetivos políticos e educacionais. A administradora Camila Haddad, 26 anos, criou ano passado o Cinese, plataforma de crowdlearning ou educação colaborativa. Qualquer um pode se cadastrar no site e oferecer uma atividade ligada a sua área de expertise ou interesse: um workshop de culinária, uma ida comentada ao teatro, ideias sobre como planejar um mochilão. Quem tiver interesse paga a quantia sugerida (a partir de R$ 10) e o encontro é armado. Desde o ano passado, já foram quase 200 encontros e 3.200 pessoas cadastradas. “Brinco que sou a usuária mais fiel do Cinese. Tenho aprendido e ensinado muita coisa bacana, de forma livre e horizontal”, diz Camila.

Desde antes do Cinese, ela já era usuária assídua de plataformas de consumo colaborativo. “Uso o Freecycle para doar e receber usados, o Skoob para trocar livros e o Couchsurfing quando viajo e para receber viajantes no sofá da minha casa”, conta. Frequentadora de feiras de troca de objetos, acha que o modelo baseado na colaboração, além de uma forma eficiente de utilizar recursos, gera gratificação. “Comprar é sempre minha última opção. Não porque é o mais correto, mas porque é menos gratificante. Comprar algo novo é divertido por muito pouco tempo, mas, quando você troca algo com alguém, por trás daquele objeto já existe uma história, e naquele ato se forma uma relação, ainda que passageira.”

Aprendizado horizontal

Por que a maior parte dessas iniciativas nasce nos grandes centros? Porque o modelo consumista impacta sobretudo quem vive neles, acredita. “Há nas cidades uma forte sensação de isolamento e desconexão, e as pessoas estão cada vez mais incomodadas com isso”, diz Camila. “Essas novas plataformas têm o potencial de redefinir o conceito de vizinhança e comunidade. Permitem criar conexões on-line que têm resultados significativos no mundo real, encorajando as pessoas a se conhecer e criar redes de apoio mútuo.” São os grandes centros que sofrem primeiro com os grandes problemas modernos, como a estafa consumista.

 

Há nas cidades uma forte sensação de isolamento e desconexão

 

“As cidades são lugares do consumo. É natural que seus moradores se conscientizem de que a coisa está chegando ao limite antes dos outros”, diz o jornalista e escritor Leão Serva, autor do guia Como viver em São Paulo sem carro (ed. Neotropica). Se o sonho de viver no campo é hoje uma ideia quase abstrata, nos resta transformar o cotidiano. “Há algo ecoando nesse momento em que as pessoas abdicam de seu próprio poder de consumo para exercer o poder de não consumir. Cidadania tem muito a ver com isso”, acredita ele. Rachel Botsman concorda: “O consumo colaborativo permite que as pessoas, além de perceber os benefícios do acesso sobre a propriedade, economizem dinheiro, espaço e tempo, façam novos amigos e se tornem cidadãs ativas novamente”.

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