por Milly Lacombe
Trip #219

Com 180 kg, Jimbo Pellegrine desafia a física e trata as ondas como poucos surfistas podem

Radicado há dez anos em Bali, o californiano Jimbo Pellegrine desafia os preconceitos (e a física) tratando as ondas como poucos surfistas conseguem fazer — mesmo carregando 180 quilos no corpo

James Scott Pellegrine tinha menos de 2 anos quando viu Waimea quebrar pela primeira vez. A história é engraçada, mas poderia ter sido trágica – um ritmo, aliás, que a vida de Jimbo (como o californiano é chamado) conhece bem.

Os pais de Jimbo estavam no North Shore havaiano, em Oahu, para onde se mudaram quando o filho tinha uma semana. De repente, perderam Jimbo na praia. Era uma manhã do inverno de 1971, na qual ondas de 25 pés quebravam forte na baía. Jimbo foi andando até a beira do mar, entrou e sentou. Ali, ficou brincando, sem saber que estava no famoso e temido “shore break” de Waimea e que uma parede de água vinha firme em sua direção. O salva-vidas, sem acreditar no que via, teve tempo de descer de sua torre e irromper para tirar Jimbo dali segundos antes de a onda estourar. Alheio ao frenesi, o pequeno Jimbo gargalhava.

O episódio foi contado por ele para a reportagem da Trip, que o alcançou por telefone em sua atual residência: uma casa com deque, piscina e vista para as colinas de Bali. “Meu pai adora contar sobre esse dia”, disse. Para a comunidade de surf em Bali, Jimbo é um mito – ainda que ele garanta ter muitos desafetos. As histórias a seu respeito são fartas: foi um adolescente rebelde, passou dois aniversários internado em centros de reabilitação na Califórnia antes dos 18, era aposta certa para morrer antes dos 20… Mas se recusou a cumprir o destino que traçaram para ele.

La vida loca

Aos 3 anos, ganhou do pai, também surfista, a primeira boogie board. Aos 6, a primeira prancha de surf. Aos 7 realizou as primeiras manobras e, aos 11, venceu o primeiro campeonato em pé na prancha. “Eu surfava todos os dias sem parar”, diz. “Meu pai era amigo de Mike Doyle, que fazia pranchas para mim. Essa era a minha turma.”

Hoje morando na Indonésia, a vida de Jimbo adquiriu contornos épicos para a comunidade do surf. Em Bali, Jimbo é mais que um nome: é um estado de espírito. Não apenas porque, mesmo com quase 200 quilos, faz sobre uma prancha manobras que pesos-leves não conseguem realizar, mas especialmente por viver cercado de mulheres, surfistas alucinados e baladas. Quando falamos com ele pelo telefone, o barulho de vozes ao redor lembrava o de uma festa – eram dez da manhã de uma quinta-feira em Bali. Por lá, todos sabem que a rotina dos que ficam hospedados em sua casa é surfar em Desert Point até o dia terminar, voltar para a casa dele e festejar até o sol e as ondas retornarem na manhã seguinte.

Apesar de viver la vida loca, Jimbo é um empresário bem-sucedido. Morando em Bali desde 2003, para onde foi a fim de passar apenas um mês surfando, encontrou espaço vendendo pranchas e alugando casas de veraneio. Surfistas que chegam ali a fim de teto, ondas e diversão sempre perguntam por Jimbo. “Vi que não queria mais sair quando surfei, em menos de um mês, as melhores ondas da minha vida”, diz.

 

Apesar da performance matadora, Jimbo atrai muito olhar torto: "o mundo está cheio de babacas"

 

Em pranchas feitas sob encomenda e cujos tamanhos variam entre 7’0 e 7’6, com 24 de largura e 3-3/4 de borda, ele realiza manobras de deixar de boca aberta quem vê. Mesmo assim, conta que é bastante comum ser alvo de olhares tortos quando pega sua prancha para cair no mar. “O mundo tá cheio de babacas. O que vou fazer se tem gente que prefere odiar? E, de qualquer jeito, eu surfo melhor do que a maioria deles”, diz, rindo, mas deixando escapar uma ponta de frustração quando fala do assunto. “Não entendo por que algumas pessoas se esforçam tanto para falar de como as outras deveriam ser e viver. Esse tipo de gente me deixa maluco. Tento me acalmar e apenas me esforçar para ser um cara melhor para mim e para as pessoas que realmente importam.”

Em Bali, Jimbo também está lançando uma marca de bebidas energéticas e um álbum no qual toca músicas de sua autoria (chamado Get fucked it rocks). Só que a fama de bad boy não o abandona. Ele contou ao site balibelly.tv que, quando foi contratado para representar uma empresa americana de pranchas em Bali, a marca criou uma cartilha de código de conduta: o documento proibia Jimbo de suar incontrolavelmente durante reuniões (Jimbo sua muito), de ameaçar de morte outros funcionários (ele diz que foi pra cima de um colega de trabalho apenas uma vez) e de se entregar a baladas até de manhã com surfistas do time em temporada de eventos.

Mas há histórias que talvez contribuam ainda mais para criar o mito. A do raio é uma delas. Jimbo estava com amigos tocando guitarra em seu deque quando um raio o atingiu em cheio, jogando seus 180 quilos em direção à janela, e a guitarra, toda arrebentada, mais longe ainda. Ao abrir os olhos, estava, em suas palavras, “fritando”, cercado de gente e dos gritos da namorada: “Dude, you got hit by a lightning!” (“Cara, você foi atingido por um raio!”). Outro episódio pitoresco é o da balada em que ele estourou um dos joelhos dançando. Foram necessários quatro caras para arrastá-lo até seu automóvel, e, enquanto atravessavam a rua, um carro desgovernado veio na direção deles. Os amigos tiveram tempo de vazar, mas deixaram Jimbo no meio do asfalto. Sem conseguir andar, foi atropelado e jogado contra a parede. Quando o motorista, bêbado, viu que ele estava bem, saiu gritando: “Ei, seu maluco, você amassou meu carro”.

Ainda que haja muitas outras, vamos contar só mais uma: Jimbo estava com amigos surfando em Middles Beach, em Porto Rico, quando um tubarão apareceu. Todos, menos Jimbo, conseguiram pegar uma onda e sair dali. Da areia, gritavam para que ele também viesse. Apavorado, Jimbo pegou uma onda de uns 8 pés, caiu formidavelmente, a prancha quebrou em três pedaços, seu calção foi arrancado e ele saiu da água completamente nu.

Não é difícil perceber que Jimbo é um cara intenso, apaixonado e que não tem medo de excessos. Quando pergunto o que seria da vida dele sem o surf, diz que seria um fracasso. “Obviamente, gosto muito de comer”, emenda, “mas também de pranchas novas, boas ondas, amigos sinceros e uma mulher que me ame. Adoraria, aliás, se ela fosse brasileira”, completa, maroto.

 

A insustentável leveza dos surfistas encorpados

Por Tulio Brandão

O surf é farto de magrelos, que se equilibram sobre cambitos em pranchas tão finas que mais parecem folhas. Na água, quando surge um garoto mais pesado, um tiquinho mais encorpado que os outros, ganha logo o apelido de Gordo.

Felipe Cesarano, um dos melhores surfistas de ondas pesadas do mundo, recebeu de presente a alcunha logo depois da primeira prancha. “Eu estava fora de forma, a galera não perdoou.”

Gordo treinou, emagreceu e transformou a gordura em massa muscular. Hoje, aos 26 anos, usa o talento, o espírito “go for it” e a estrutura física avantajada para se jogar em montanhas d’água capazes de fazer qualquer baleia afinar, como o maior teahupoo da história, que os iniciados chamaram de Code Red.

“Por eu ter um peso e a estatura baixa, meu centro de equilíbrio é bom. Eu aguento o tranco legal. Mesmo com todas as vacas que eu tomo, nunca tive uma lesão grave surfando.”

Da banha, só restou o apelido. O cara é, hoje, 
o sexto do mundo no circuito mundial de ondas grandes. “Gordo” virou marca registrada. Ou mais que isso: certo dia, num swell pesado em Puerto Escondido, no México, o americano Greg Long, ao perceber o brasileiro bem posicionado para uma bomba de 20 pés, gritou: “Go!”.

Nascia o slogan “Go, Gordo!”, que virou campanha de marketing e estampou camisas e outros produtos de sua patrocinadora, a Rusty. Deu tão certo que, em abril, a empresa espera lançar o filme Go Gordo 2, com novas aventuras do hoje quase magro Felipe Cesarano.

O australiano Michael Lowe, que esteve entre os melhores do mundo por 12 anos, é outro surfista que um dia foi confundido com um gordo. Apesar da força e do fôlego invejáveis, foi estereotipado por ter um porte físico mais atarracado, pesado.

Isso jamais significou mais que um número um pouco maior na balança. De 1996 a 2008, teve uma carreira respeitável, com três vitórias em campeonatos de elite (França, Fiji, Austrália). Destacava-se em mares de todos os tamanhos, especialmente os tubulares.

Na final de Snapper Rocks, na Austrália, em 2004, o surfista virou ninja. Num mar com pouco mais de 1 metro, usou seus 83 quilos distribuídos em 1,75 metro para vencer o tricampeão mundial Andy Irons, no auge da forma. Seu adversário ostentava, antes do vício em drogas que o levou à morte, as medidas do surfista perfeito: 77 quilos num esqueleto de 1,83 metro.

A conquista é definitiva, sobretudo por Mick ser goofy: desde então, nenhum outro surfista que manobra de costas para aquela onda venceu em Snapper Rocks.

Os companheiros mais magros diziam que Mick tinha “kegs on legs” (numa tradução livre, pernas de barril). O que Mick tinha, na verdade, era uma feliz combinação de força e talento.

Trip o encontrou trabalhando no DRB Group, empresa de Sydney, Autrália, que gerencia carreiras de atletas. Velho amante de cervejas e esportes australianos, ele virou um gerente de sucesso. Por e-mail, gentilmente, declinou da entrevista, porque jamais considerou suas medidas uma questão importante.

O havaiano Shawn Briley, de longe o mais volumoso da lista de grandes surfistas competitivos da história, também não parecia se importar com seu peso. Nos anos 90, ele ditava os limites nos mares mais assombrosos de Pipeline, Sunset e até mesmo no temido quebra-coco de Waimea. Em 95, apesar de jamais ter seguido o circuito profissional, venceu, com o conhecido apetite, um evento apenas para convidados especialistas em tubo, o Tavarua Tube Classic, em Fiji.

O peso-pesado evocava, com suas performances extremas, os polinésios mais corajosos, para quem o espírito forte era mais importante que o corpo sarado.

“Não há leis no surf. Posso ser tão rápido, radical e criativo quanto quiser. Não há limite de velocidade, sinais de trânsito e ninguém te diz o que fazer”, disse Briley, certa vez, numa entrevista.

Mantinha o princípio fora da água, para desespero de seus pares. Gostava de correr e arrebentou-se várias vezes em acidentes de moto ou carro.

O havaiano sossegou com a família e passou uma década longe dos holofotes até ser encontrado pela mídia dentro d’água, em 2011. Estava mais gordo, mas ainda se encaixava nos canudos de Pipeline, Uluwatu e outros picos. Briley finalmente subverteu a lógica do magro. Provou que, no surf, documento é o talento, e não a barriga.

fechar