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A gangue da mobilete

por Caio Ferretti

A crise derreteu o sonho da Harley? Seja bem-vindo ao motoclube mais cascudo do Brasil

Acompanhada de um estridente barulho de motor, uma nuvem de fumaça branca cheirando a óleo queimado se espalha pelo ar. Enquanto alguns ensaiam caretas e balançam as mãos em frente ao rosto para dissipar a neblina, outros simplesmente fixam os olhos no grupo que passa sobre duas rodas. Cabeludos, sujos de graxa, cheios de piercings e tattoos, vestindo puídas roupas pretas e fazendo cara de mau, os integrantes do bando chamam a atenção de quem está por perto. Não por conta de sua casca, e sim porque as motos customizadas que estão dirigindo não são exatamente motos. São mobiletes.

Tudo isso acontece nos lugares por onde passam os integrantes do Tongnhas Mob Club, um motoclube de São Paulo com pinta de Hell’s Angels, mas que acelera motores de 50 cilindradas. Dificilmente, sua velocidade máxima ultrapassa os 80 km/h. Uma maneira simples e barata de incluir quem não tem cacife para comprar uma supermoto nesse universo tão particular. Sem verba, a solução é fazer das mobiletes motos customizadas. Na brincadeira entram guidões com até 1 m de comprimento, pneus largos, escapamentos abertos e os chamados garfos estilingues, que afastam a roda dianteira do resto da moto. Investimento alto? Não, a maioria das peças foi construída por eles mesmos, a custo mínimo. E todos são mobileteiros assumidos. “Uma vez, um cara do Abutre’s [tradicional motoclube de São Paulo] disse uma frase que eu sempre vou guardar: ‘Não é a moto que faz o motoqueiro’”, lembra Paulo Henrique dos Santos, 23, mais conhecido como Senninha. “Esses guidões servem para desafiar uns tiozões das motos custom e dizer: ‘Você acha que é foda com esse guidão? Minha mobi tem um guidão maior que o teu’. Quem nos conhece sabe que o negócio é sério. Só não temos dinheiro pra ter umas puta motonas e por isso andamos de mobi. Mas o espírito é o mesmo.”

“Quem nos conhece sabe que o negócio é sério. Só não temos dinheiro pra ter umas puta motonas e por isso andamos de mobi”

Enganando dia após dia a falta de verba, os integrantes do Tongnhas se viram como podem para manter o clube. Sempre que alguém está sem dinheiro para encher o tanque – bastam 2 l de gasolina para isso –, uma vaquinha é organizada para levantar a grana. A cumplicidade também acontece para que não faltem peças. Trocas e empréstimos resolvem esse problema. Até o nome do clube tem a ver com o aperto financeiro. Tongnhas é uma grafia alternativa para Tonka, aquele triciclo de plástico que quase todo mundo já teve um dia – também chamado de velotrol. No caso do Mob Club, as letras “U” e “I” foram excluídas na hora de batizar o grupo. “Fica mais barato na hora de fazer o bordado nos coletes. Dá pra economizar quase R$ 20 em cada um”, justifica Taboca, presidente e fundador do clube. “O problema é que muita gente tem dificuldade para ler. Enxergam de tudo, menos o nome certo.”

Prestes a completar três anos de existência, agora em junho, o Mob Club planejou um evento para comemorar a data. E a forma de bancá-lo também será alternativa. “Este ano vamos usar a festa de outro motoclube pra comemorar o nosso aniversário. É só embicar lá e já era, tudo de graça”, contabiliza Taboca, orgulhoso do bom relacionamento que mantém com os parceiros.

Mobi = Fusca

A verdade é que o Tongnhas perdeu muito dinheiro nos últimos meses. Até mesmo a mensalidade de R$ 10 foi cancelada temporariamente. Tempos de crise. A má fase começou no fim do ano passado, com uma blitz da Polícia Rodoviária Federal. Sempre presente nos eventos motociclísticos do interior do Estado de São Paulo, o grupo não chegou ao seu destino na última tentativa de percorrer os 100 km entre a capital e Indaiatuba. As seis mobiletes que estavam na estrada foram apreendidas. Saldo final: nove dias de pátio e R$ 600 para liberar cada uma, uma dívida que incomoda até hoje. “Depois das apreensões, a gente ficou meio derrubado de grana. Se eu compro a gasolina, não compro o óleo. Se eu compro o óleo, não compro a gasolina”, diz Senninha, que batizou sua moto com o nome do personagem-título do filme Christine – O carro assassino.

Ao menos a praticidade está a favor de todos. “Mobi é igual a Fusca, com qualquer arame você conserta”, simplifica Taboca. Tanto que quase todos os 15 integrantes do clube sabem se virar muito bem ao sinal de qualquer defeito na magrela. Mesmo assim, uma mochila de 40 kg, cheia de ferramentas e peças essenciais, vai sempre com o presidente.

“Mobi é igual a Fusca, com qualquer arame você conserta”

Nem sempre foi assim. Nos primórdios do clube, nem todos levavam os Tongnhas a sério. “Uma vez um imbecil de outro motoclube chegou lá no Ibira e disse: ‘Tira essa sua motinho daí pra eu parar a minha’. Eu falei: ‘Motinho? A minha eu montei inteira na mão. Você comprou pronta, só põe gasolina e nem o óleo sabe trocar. A tua é que é motinho’”, lembra Senninha. O respeito veio com o tempo, principalmente pela ousadia do grupo em jogar as mobiletes na estrada para encarar horas de viagem. “A primeira foi para um encontro de motos em Indaiatuba. Demoramos sete horas pra chegar lá. Meu pneu furou três vezes. Ninguém acreditava que tínhamos saído de São Paulo. Só falavam de nós e algumas pessoas vinham nos cumprimentar. Até nos homenagearam no palco”, conta Thallis Henrique da Silva, o Perninha, também fundador do clube.

“Motinho é a sua”

As terças-feiras são religiosas no Tongnhas Mob Club. Nesse dia, seus membros baixam em peso no Ibira Moto Point, um encontro de motoclubes que acontece semanalmente em São Paulo. Sobre suas mobiletes, cruzam vias famosas da cidade como a rua Augusta e a avenida Paulista durante o horário de pico para chegar ao local. Por lá, os papéis se invertem. Donos de Harleys reluzentes param direto para cumprimentar e conversar com os (ainda) moleques. Convites para festas de motoclubes no interior chegam aos montes. Na noite em que a reportagem da Trip esteve ali, por pelo menos três vezes a conversa foi interrompida para que os mobileteiros atendessem aos pedidos de fotos.

O sucesso é tanto que agora eles têm até fã-clube, as Tonguetes. “O pessoal fica muito puto porque somos feios, cabeludos, barbudos, baixinhos, mancos, pobres, principalmente pobres, e estamos sempre bem acompanhados. Sempre tem mulher do nosso lado”, tira onda Perninha. Verdade ou não, uma aposta feita quando o clube foi criado ainda não conhece vencedor. Leva o prêmio o primeiro que conseguir fazer sexo em cima da mobilete. O único detalhe é que as namoradas não entram na parada. Perninha desafia o repórter: “Compra uma mobilete e dá uma volta com a gente pra você ver como vai ficar cheio de mulher”. Com um investimento que varia de R$ 300 a R$ 1.800, até que parece um bom negócio.

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