Sem medo do caldo

por Romeu Bruno
Trip #169

Convidamos o surfista Romeu Bruno, um dos maiores nomes do tow-in mundial, para fazer um curso de apnéia em Florianópolis. Descubra como as

POR ROMEU BRUNO* FOTOS FLÁVIO VIDIGAL

Todo surfista toma um caldo de vez em quando. Não tem como fugir disso. Sendo assim, o melhor é estar preparado para suportar o maior tempo possível debaixo d´água se você for engolido por uma onda. É exatamente essa preparação que um curso de apnéia nos dá. Com outros surfistas de ondas grandes, amadores, mergulhadores etc., participei das aulas dadas por Christian Dequeker, professor de educação física e especialista na técnica, nos dias 7 e 8 de junho, em Florianópolis, e considerei as lições extremamente eficientes.

Além de treinarmos a parte física, na qual conhecemos e praticamos as técnicas para aumentar nossa capacidade de apnéia, trabalhamos também o psicológico. A pessoa fica mais tranqüila nas situações de risco, sabendo que sua capacidade pulmonar está maior. O fato de saber que está preparado para tomar um caldo faz com que você não se desespere e consuma menos oxigênio ainda.

Em 2006 tomei um caldo em Jaws, no Havaí, e precisei das técnicas do curso de apnéia – que eu havia feito pela primeira vez em 2003, também ministrado por Christian. Rodei dentro de um tubo que devia ter uns 40 pés de altura. O caldo foi muito longo. Depois de um tempo debaixo d´água, eu já estava nas últimas, entrando em contração, mas consciente de que ia agüentar ainda umas 20, 30 contrações até entrar no formigamento e depois em um processo que a gente chama de “sambar”, que é quando você vai apagar. Nesse tipo de curso, você começa a entender as fases pelas quais seu corpo está passando. E isso tranqüiliza.

Quando consegui tirar a cabeça da água para respirar, já veio uma outra onda, praticamente do mesmo tamanho que a primeira. Deu tempo de dar uma hiperventilada muito rápida antes de tomar o segundo caldo. Comecei a entrar num primeiro momento de pânico – já não estava sentindo minhas pernas por causa da pancada. Mas logo me conscientizei de que teria ar suficiente e me acalmei para sair da água. Foi 1 min submerso em cada onda, mas com aquela pancada, rodando para todos os lados, cada minuto equivale a uns três. O caldo geralmente leva de 20 a 40 s – às vezes chega a 1 min, se a onda for muito grande. No Brasil, raramente chega a 30 s. No fim do curso de Florianópolis, o aluno consegue ficar entre 1min30 e 2 min sem respirar.

Quase 3 min
No primeiro dia de curso, cheguei ao hotel Eco Village, na praia Mole, às 8h30. O céu estava nublado e fazia muito frio. Era um daqueles dias em que a última coisa que qualquer um deseja é cair na água, ainda mais se não for para surfar. Quando encontrei “big riders” como Alexandre Haigaz, Dê da Barra e Rafael Roxo entre os 20 alunos inscritos, percebi que o curso ia ser puxado. Às 9h pontualmente começou a parte teórica do curso. De cara, Christian perguntou: “Por quanto tempo vocês conseguem prender a respiração?”. Ele tomou o tempo de todos na sala. O meu foi de 48 s, bem abaixo do meu normal.

Em seguida, aprendemos sobre a história da apnéia, os recordes, as modalidades e os segredos do corpo humano ligados à respiração. Treinamentos como corrida, musculação, bike e natação foram indicados para quem quer melhorar o desempenho na água. De tarde, fomos à piscina do hotel para colocar tudo em prática. A água estava quase congelada, o que diminuiu o tempo de apnéia do pessoal. Mas, mesmo nessas condições, todos melhoraram os resultados em relação ao começo da aula.

Christian comandou várias séries de exercícios de respiração, dentro e fora da água. Em um deles, respiramos rapidamente durante 10 s e depois ficamos submersos por 1 min. Repetimos diversas vezes essa prática. Em seguida fizemos o mesmo exercício de respiração, mas nadando a maior distância possível debaixo d´água com o ar preso. Depois, fomos à lagoa da Conceição, onde a temperatura estava mais agradável. Lá, após a bateria de exercícios práticos, consegui marcar 2min45 de apnéia, muito melhor que os 48 s do começo do dia. Nosso prêmio foi dar uma relaxada com uma boa remada nos pranchões.

No segundo dia de curso fomos para o mar. De barco chegamos a aproximadamente 80 m do costão da praia da Galheta, com 10 m de profundidade. Uma corda foi fixada a um cilindro levado ao fundo do mar. Começamos os exercícios descendo pela corda com os pés para baixo, o que foi ótimo para despressurizar as cavidades respiratórias já de início. Depois fizemos o mesmo exercício descendo de cabeça para baixo, sem nadadeiras e com nadadeiras. Oitenta por cento dos alunos chegaram ao fundo. Às três da tarde voltamos ao hotel realizados com as novas conquistas e recebemos nossos certificados.

Algumas dicas importantes foram passadas para resistir a um caldo. Christian nos orientou a sempre respirar pela boca, conseguindo assim inalar um volume maior de ar. Nos ensinou a melhor forma de manter o ar inspirado preso no pulmão, usando a língua para travar a respiração – isso ajuda a relaxar o peito para gastar menos energia. Disse o quanto é importante manter o corpo estático quando for engolido por uma onda – o ideal é se mexer somente quando a onda já tiver passado. E nos alertou para nunca soltar o ar enquanto durar o caldo, para que o sangue continue sendo oxigenado.

Com certeza foi um treinamento bem mais profissional do que os feitos por mim no início dos anos 90 em Waimea, no Havaí. Naquela época, nosso treino era correr debaixo d´água carregando pedras gigantes. Jogávamos a pedra no fundo do mar, a uns 10 m de profundidade, e descíamos para pegá-la nos braços e sair correndo até onde fosse possível. Talvez nós sejamos pioneiros não só do tow-in, mas também da hidroginástica. Ao nosso estilo, claro.

*Colaborou Caio Ferretti

Caçador de ondas//
A trajetória de Romeu Bruno vai de pioneiro do tow-in a salva-vidas no North Shore havaiano, de responsável por quadro no Fantástico a presidente de associação de surf



Quando, aos 20 anos de idade, Romeu Bruno fez as malas e foi para o Havaí, não imaginava que presenciaria acontecimentos tão importantes para a história do surf. Foi em Sunset Beach que, no inverno de 1993 para 1994, ele viu as primeiras ondas sendo dropadas por surfistas puxados por jet skis – até então usados apenas para salvamentos na água. Ele não hesitou. Meses depois comprou o próprio jet e se tornou um dos pioneiros mundiais dessa modalidade de surf. Uma prática que mais tarde recebeu o nome de towin. Não foi só. Durante 12 anos Romeu trabalhou como salva-vidas no North Shore havaiano. Saiu-se tão bem que recebeu proposta para ser capitão geral dos bombeiros por lá. Recusou e, quando retornou ao Brasil em 2001, 16 anos depois de ter ido para o Havaí, conseguiu colocar o surf na rede de televisão mais conhecida do país, com o quadro “Caçadores de ondas”, do Fantástico. Esse histórico lhe deu os créditos para hoje, aos 42 anos, ser presidente da APT (Association of Professional Towsurfers) e vice-presidente da recém-criada Confederação Brasileira de Tow-in. Romeu, que nunca participou de grandes competições por escolha própria, agora quer dedicar seu tempo à organização de bons campeonatos de tow-in. “Não gosto muito de competir. Tanto que agora optei por me envolver apenas na organização do próximo Campeonato Mundial de Tow-in, o primeiro na Europa”, conta. O surf agradece. (CF)

Agradecimentos:
Apnea Sports [www.apneasurf.blogspot.com]
Salva Surf Resgate
[www.salvasurf.com.br]
Podium Esportes [www.podiumesportes.com.br]
Praia Mole
Eco Village Hotel
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