Na estrada com o povo

por Luiz Filipe Tavares

Mesmo operada, Elza Soares domina terceiro dia de festival gratuito em Salvador

A praia de Pituba recebeu ontem (13) o terceiro dia do festival itinerante Conexão Vivo, etapa de Salvador, que reuniu mais um excelente público de frente para o mar na Praça Wilson Lins. Na programação mais variada entre os quatro dias de evento, os soteropolitanos que foram ao festival puderam assistir a uma grande rinha de MCs, dançar o reisado em roda, ver uma verdadeira entidade da música baiana em ação e ainda ter o imenso prazer de ver Elza Soares definitivamente de volta ao palcos e nos braços do povo na noite do último sábado.

Livres da chuva que caiu persistentemente durante toda a noite de sexta, os presentes tiveram um clima muito agradável ao seu dispor desde o início da noite, que trouxe ao palco o grupo Sertanília (BA) com Nego Henrique (PE) e Emerson Calado (PE). Depois foi a vez do super time de MCs mineiros do Família de Rua na Estrada, que protagonizou um excelente duelo de MCs para a alegria do público presente. Dois shows incríveis que abriram os trabalhos do sábado na Bahia.

Quem fechou os shows da noite foi o mais do que clássico A Cor do Som, comandado pelo rei da guitarra baiana, Armandinho, que passou pelo palco do festival ainda na quinta feira participando do show do virtuoso Gilvan de Oliveira. Apesar de ter todo o público ao seu lado cantando a plenos pulmões cada música desta formação clássica da música baiana, os mais impressionantes setlists estiveram mesmo no meio da noite. Duas apresentações especialíssimas, plurais e altamente ligadas a diferentes frentes de nossa cultura popular.

A começar pelo maravilhoso show de varieadades do poeta baiano Alisson Menezes, que chegou a Salvador acompanhado pela banda Catrupia e pelos compositores Paulo Monarco (MT) e Maviael Melo (BA). Com direito a versos de cordel, um belo "boizinho" da tradicão do reisado, bonecos gigantes e cantigas de roda, num espetáculo absolutamente incontestável e que levou muita alegria ao público do Conexão Vivo, que dançou o bumba-meu-boi entre velhos e crianças, cantado por Alisson Menezes e sua banda.

E a magnânima Elza Soares e sua voz de um milhão de dólares, que chegou ao festival de cadeira de rodas com uma aparência fragilizada, tudo por conta da cirurgia na coluna à qual se submeteu no mês passado. Buscando na música e no público à cura para seu problema de saúde, como ela mesma comentou no palco, a sensação frágil desapereceu voando assim que a cantora abriu a boca para cantar "Malandro" (de Jorge Aragão), "Espumas ao Vento (de Accioly Neto) e o clássico eterno "O Neguinho e a Senhorita", de Noel Rosa. Tudo isso acompanhada pela ótima banda mineira Senta a Pua e seu naipe de metais preciso como um relógio, fundindo samba-rock, bossa-nova, samba-canção e choro sob o comando do maestro Eduardo Neves.

Lugar de artista é na estrada
Antes do show, a Trip conversou com Elza Soares no camarim do festival. A primeira impressão de sua chegada no backstage já havia passado e a cantora veterana nos recebeu com um enorme sorriso no rosto. Feliz de estar de volta na estrada depois de um tempo de molho, ela contou que ainda morre de amores pelo palco e faz questão de continuar viajando para se apresentar pelo Brasil, sempre mudando de palcos para continuar vivendo.

"Para mim não existe um palco favorito. Existem pessoas. E onde eu chego eu encontro pessoas lindas, que logo se tornam as minhas favoritas. Hoje, meu lugar favorito é aqui: Salvador da Bahia. Se bem que a Bahia é mesmo para ser sempre favorita, fala a verdade…", ri a cantora em meio a uma gostosa gargalhada. "Agora que eu ganhei o título de baiana honorária, meu amor, eu vou é explorar a minha terra. Eu sempre sou bem tratada e amada em todo o lugar que eu vou e isso é a melhor coisa do mundo."

O poeta Alisson Menezes tem uma visão mais ampla sobre a necessidade de viajar do artista popular. Com a feição totalmente serena e uma voz macia e convidativa, ele se alegra em ver o público soteropolitano recebendo de braços abertos o seu "boizinho" e o boneco gigante. Alisson faz questão de levar consigo esses pequenos pedaços do nosso folclóre e fica satisfeito em poder tocar individualmente o coração das pessoas com a inocência pura desta bela festa popular brasileira que é o reisado.

"O Brasil tem 5 mil municípios, mais de 400 só na Bahia. Por conta da centralização da grande mídia, as pessoas pensam que a Bahia é só o axé. É evidente que nossa proposta não vem com juízo de valor. O que a gente quer mostrar é que, quando você chega em uma loja e pergunta por um relógio, o vendedor diz que tem, mas que também tem pulseiras, brincos, piercings… A Bahia é assim também. É isso que a Bahia é", refletiu Alisson numa conversa com a Trip nos bastidores do evento. "Nossa relação com o reisado, que fique claro, é uma tentativa de ressignificar essa tradição. É nossa homenagem singela aos grandes mestres do reisado."

"E isso que nós fazemos não é um arremedo, porque os mestres são mestres. E por eu não ser um mestre como eles, eu não ousaria. Mas eu entendo que o que fizemos aqui foi uma homenagem. Então a gente junta o boi, que é uma coisa muito ligada ao interior da Bahia, com outros tantos ritmos como o maracatu, o coco de embolada, o samba de roda… Essa é nossa junção: uma brincadeira séria. É a forma que encontramos de celebrar essa nossa música tão esquecida e que a gente ama tanto", completou o poeta.  

E a etapa de Salvador do festival Conexão Vivo 2011 ainda não acabou. Neste domingo tem o último dia de evento na praia de Pituba com duas lendas do reggae nacional, Romulo Fróes, Manuela Rodrigues e Flávio Renegado com o pernambucano Lenine, mais uma vez com transmissão ao vivo pela internet.

Veja a programação abaixo.

14/08 - domingo - às 17h


Grupo Percussivo Mundo Novo (BA) convida Wilson das Neves (RJ)
Peu Meurray (BA) convida Magary (BA)
Manuela Rodrigues (BA ) convida Romulo Fróes (SP)
Gustavo Maguá (MG) convida Marco Mattoli (SP)
Celso Moretti (MG) convida Edson Gomes (BA)
Flávio Renegado (MG) convida Lenine (PE)

A reportagem da Trip viajou a convite do festival

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