Tea Party versus Occupy Wall Street
Lemos: "os dois movimentos representam estratégias distintas de formação de discurso"
Os dois movimentos operam tanto com a internet quanto com a mídia tradicional, mas representam estratégias distintas de formação de discurso
O Tea Party e o Occupy Wall Street têm muitas diferenças e ao menos uma semelhança: ambos querem influenciar a agenda política dos EUA. Cada um aponta para um lado, mas ambos pregam mudanças profundas. Analisando a estratégia de cada um dá para entender muito sobre como se faz política hoje.
O Tea Party apareceu no “mundo real”, reunindo a ala mais conservadora do Partido Republicano e os agregados no seu entorno. Foi impulsionado principalmente pela mídia tradicional. Para se ter uma ideia, um dos seus momentos fundadores foi o histérico discurso feito pelo jornalista Rick Santelli na rede CNBC em fevereiro de 2009. Ao vivo ele conclamava um “Tea Party” em Chicago e se propunha pessoalmente a “ajudar a organizar”. Pela TV, deu forma ao movimento. só um mês depois o Tea Party foi ganhar sua página no Facebook.
Já o Occupy Wall Street precipitou-se através da rede. Inspirados pela primavera árabe, ativistas canadenses propuseram a ocupação inicial através de uma lista de e-mails. A proposta logo tornou-se viral e ganhou apoio do Anonymous, grupo de ativistas hackers que conclamou seus membros a “inundar Nova York com tendas e barricadas”. O movimento foi ignorado por semanas pela mídia. Na internet já existia até transmissão ao vivo da ocupação, mas em jornais e TVs pouquíssima coisa. Até que a maré virou e não deu para ignorar mais.
Outra diferença é que o Tea Party desde o começo produziu “líderes”. Gente como Sarah Palin, Ron Paul ou Michele Bachman deram um rosto ao movimento e falam em nome dele. Já o Occupy Wall Street mantém estrutura aberta, com lideranças difusas. Seu principal rosto até hoje continua a ser a máscara do personagem V de Vingança. Não existe grupo consolidado de representantes falando na mídia sobre ele.
“Nós somos os 99%”
O Tea Party também largou com uma agenda clara e fácil de explicar: menos governo e menos impostos. O Occupy é criticado até hoje por não ter uma agenda definida (ou por ter muitas agendas ao mesmo tempo). Apesar disso, conseguiu algumas mensagens notáveis. Fez com que a palavra “desigualdade”, praticamente inexistente no debate político dos EUA, começasse a aparecer cada vez mais na mídia, saltando de 91 menções em abril para mais de 500 no fim de outubro. Além disso, conseguiu produzir “memes” poderosos, como o slogan “nós somos os 99%”. E o mais importante: criou um modelo de organização que pode ser reproduzido, o que facilita a disseminação das ações em várias localidades.
Com sua estratégia centralizada, o Tea Party alcançou resultados concretos rapidamente. Tornou-se, por exemplo, uma força inegável na disputa pela definição do candidato republicano nos EUA. Se o Occupy mantiver o fôlego, pode ter ambições maiores. Uma boa indicação disso é o vazamento de um relatório assinado por um grupo de lobistas propondo a articulação de um plano contra o movimento. No texto, afirmam que o Occupy “significa mais do que um desconforto político temporário para Wall Street... ele tem o potencial de gerar impacto político, governamental e financeiro de longo prazo, afetando as empresas criticadas pelo movimento”.
Mais do que diferenças de ideologia, Occupy e Tea Party representam também estratégias distintas de formação de discurso. Ambos operam tanto com a internet quanto com a mídia tradicional, mas de formas distintas. É difícil prever seus desdobramentos, mas é certamente fascinante acompanhar quem vai ocupar a maior fatia do mercado das ideias.
*Ronaldo Lemos, 34, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br