A crise da festa

Com cada pessoa vivendo na sua própria bolha cultural, vai ficando difícil encontrar terreno comum

por Ronaldo Lemos em

Um dos artigos mais interessantes que li recentemente é da escritora e jornalista Jennifer Bernstein. O texto, chamado "A vida da festa" ("The life of the party"), faz uma radiografia do que significa fazer uma festa no mundo de hoje. Jennifer afirma que o ato de organizar uma festa passa por uma profunda crise e que cabe a cada um de nós tentar mudar isso.

Primeiro é preciso esclarecer. A "festa" a que Jennifer se refere diz respeito a festas íntimas, isto é, encontros sociais de menor escala, artesanais, tal como reunir pessoas em casa. Ela não trata de eventos como o Carnaval (que vai muito bem, obrigado, e nunca esteve mais pulsante no Brasil) nem de festas em que é preciso pagar para entrar (baladas) ou organizadas institucionalmente (por marcas ou agências de publicidade, por exemplo). Essas não estão em crise (ou, quando estão, é por razões diferentes).

O que está em crise é a festinha espontânea, feita artesanalmente. Aquela onde é possível praticar "a arte de bem receber". Há muitas razões para essa crise. A vida está mais cara, falta dinheiro, casas e apartamentos são cada vez menores e assim por diante. No entanto, há razões culturais que são ainda mais importantes. Uma delas é que muita gente prefere se sociabilizar on-line, com a proteção da tela do computador.

O awkward é o novo cool?

Ou ainda, o fato de os laços sociais ficarem cada vez mais pulverizados. Com cada pessoa vivendo na sua própria bolha cultural, vai ficando difícil encontrar terreno comum. Com isso, surgiu com força a cultura do awkward (estranheza). Dá até para dizer que o awkward se tornou o novo cool. São muitos os sintomas disso: dificuldade de comunicação direta com o outro, facilidade para mergulhar na tela no celular a qualquer momento, o jeito de se vestir que mistura desleixo com elementos ultraindividualizados e assim por diante.

A cultura do awkward é tão forte que passou a ocupar uma parcela do entretenimento de larga escala. Séries como The office, Big bang theory e boa parte dos animes japoneses giram em torno da estranheza que permeia as relações sociais frustradas.

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Jennifer lamenta que nesse contexto muitas habilidades vão sendo esquecidas. Por exemplo, a arte de gerar boas conversas, a arte de ser uma boa anfitriã (ou anfitrião), de fazer "curadoria" do encontro de pessoas que ainda não se conhecem, mas deveriam se conhecer, e assim por diante. São virtudes que vão ficando no passado, substituídas pelo desejo incontornável de tirar o celular do bolso. Ou ainda, pela apatia ou completo desinteresse no outro. Por que vou me interessar em falar com alguém se posso me conectar com tanta gente pelo celular, sem estabelecer nenhum laço? Em outras palavras, poder se "desconectar" do outro quando quiser passou a ser mais valioso do que se conectar com alguém pela primeira vez.

Talvez a saudade dessa festa idealizada seja algo que acometa somente aos millennials que nasceram em um mundo sem internet e progressivamente foram capturados por ela. Quem nasceu depois de 1997 está possivelmente 100% contente em se comunicar apenas por streaks no Snapchat.

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Mas talvez um certo esforço de conexão, de genuinamente se interessar quando alguém tenta contar para você o que fez durante o fim de semana, possa abrir possibilidades que vão além do rush de dopamina das redes sociais. Por isso acho que Jennifer levantou uma questão importante. Um mundo que prescinde da arte das pequenas festas é o que de fato pode ser chamado de awkward.

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