Sem migalhas
Se o breadcrumbing – dar sinais de interesse sem intenção de seguir em frente – já é um problema na paquera, no trabalho é uma praga com efeitos ainda mais devastadores
Tem uma palavra que está ficando cada vez mais na moda: o breadcrumbing. Seu significado literal é atirar migalhas de pão (bread-crumbs), no melhor estilo João e Maria, para fazer alguém ir atrás de você. No sentido figurado, a palavra surgiu para descrever a detestável prática de nos relacionamentos amorosos ficar dando sinais de interesse na outra pessoa, sem ter intenções de seguir em frente com a relação.
O breadcrumbing tornou-se uma praga dos tempos modernos. Seus praticantes ficam mandando mensagens privadas em redes sociais, dando “likes” e mandando coraçõezinhos em tudo que você posta, mantendo acesa a possibilidade de um encontro ou talvez de algo maior. Essas migalhas são atiradas para indicar algo como “oi, estou aqui, estou pensando em você, você é importante para mim”.
O que parece em princípio ser algo elogioso, acaba produzindo um efeito contrário. Faz com que a vítima do breadcrumbing acabe desenvolvendo uma frustração crescente, ou pior, perca outras oportunidades reais por conta de uma expectativa que nunca será realizada.
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Há várias razões que motivam o breadcrumbing. Tem quem use a prática para manter um(a) ex com a impressão de que ainda tem chances, exercendo assim controle sobre a pessoa. Há também quem use o breadcrumbing de forma totalmente egoísta, só para massagear o próprio ego. Em todos os casos é um comportamento baseado em falsas aparências ou, em outras palavras, na facilidade com que a tecnologia permite manipular o outro por meio de sinais ambíguos. Já vimos isso acontecer na política, por que não aconteceria também nos relacionamentos pessoais?
Trabalhadores do mundo
Só que há um aspecto ainda pouco discutido sobre esse assunto que é essencial: o bread-crumbing profissional. Esse mesmo tipo de prática é usado não somente na paquera, mas também no campo do trabalho. O bread-crumbing profissional afeta especialmente quem trabalha com sua criatividade ou conhecimento. Nesse contexto, é uma praga com efeitos ainda mais devastadores. Isso porque, além da perda de tempo e frustração, gera também prejuízos econômicos.
O breadcrumbing profissional ocorre quando potenciais “clientes” demonstram interesse pelo seu trabalho, chamam você para reuniões, perguntam como resolver uma determinada questão, pedem para saber em detalhes como você trabalha e com quem. Tudo isso sem ter a menor intenção de estabelecer um relacionamento profissional efetivo.
O que em princípio pode parecer um elogio (“que legal, tem alguém interessado no que eu faço”) é na verdade um jeito sorrateiro de convencer alguém a trabalhar de graça ou a compartilhar seu conhecimento especializado sem qualquer remuneração. Valendo-se para isso da boa e velha manipulação fundada na expectativa de um trabalho futuro.
Esse tipo de prática é uma ofensa para qualquer trabalhador intelectual. É um tipo de relação abusiva inaceitável, pouco combatida justamente porque ninguém fala sobre ela. Isso faz lembrar o poderoso ensaio da escritora Yasmin Nair que conclama criativos e trabalhadores intelectuais de todo planeta a se unirem e pararem de aceitar trabalho de graça. Um dos elementos essenciais dessa convocação é justamente perder o pudor e expor, sem dó, quem pratica bread-crumbing. Seja nos relacionamentos pessoais ou nos profissionais.
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