A moda e o novo velho

"O mundo está envelhecendo e vivendo mais. Os 50 passaram a ser os novos 30, os 60, 40 e por aí vai..."

por Ronaldo Fraga em

Certo dia, no ano de 2005, Magnolia, uma senhora no alto dos seus 80 anos, entrou na minha loja, em Belo Horizonte, procurando roupas para a sua neta. Horas depois de já estabelecida certa intimidade com a atendente, ela confessou que, na verdade, procurava roupas para ela mesma. O desfile, inspirado na obra de Carlos Drummond de Andrade, apresentado semanas antes em São Paulo, tinha despertado sua atenção e seu interesse nas peças do estilista.

Segundo ela, suas cartas de amor, na juventude, sempre trouxeram citações da obra do nosso poeta maior e ela nunca tinha imaginado aquilo decodificado em roupas e sapatos. Explicou que o motivo da pequena mentira era evitar o constrangimento costumeiro que ela sempre passava nas lojas de moda ao ouvir dos vendedores: “Desculpe, senhora, mas não temos roupas para a sua idade”.

A partir daquele dia até a sua morte, no ano passado, Magnolia se tornou uma das minhas clientes mais fiéis, vestindo e desfilando pelo mundo as várias histórias das minhas coleções. A partir dali passei a pensar no manto da invisibilidade que era imposto às pessoas no Brasil depois de cruzarem a linha dos 60 anos. O pink e o verde-limão da juventude davam lugar ao salmão apastelado e ao verde-água-vovó, da mesma forma que os velhos se tornavam invisíveis aos olhos da sociedade. Dessa indagação nasceu a coleção Tudo é risco de giz, apresentada em 2009. Ali, modelos de 65 a 92 anos desfilavam entre crianças de 5 a 8 anos. Na passarela, o peso dos anos de um ancião às vezes se via no andar de uma das crianças e a vitalidade infantil, no caminhar de uma das modelos de 80. Numa cartela em preto, branco e cinza, falávamos da velhice como a sensação de uma casa vazia, fechada, com os móveis cobertos por lençóis brancos.

Em 2015, o tema novamente veio à baila em mais um dos meus desfiles, A fúria das sereias. Desta vez, 35 mulheres, entre 18 e 86 anos, vestidas de sereias e com os seios expostos, compunham a cenografia viva para a apresentação de uma coleção que falava da força do feminino em diferentes fases da vida.

A fúria das Sereias

LEIA TAMBÉM: Um ensaio de moda com pessoas com mais de 60 anos produzido por Ronaldo Fraga

SINAL DOS TEMPOS

Da coleção do Drummond de 2005 à das sereias de 2015, muita coisa mudou no Brasil e no mundo. Pessoas com mais de 65 anos compõem hoje quase 11% da população mundial, demandam produtos e serviços adaptados às suas necessidades e ao seu estilo de vida e essa tendência deverá crescer ainda mais nos próximos 30 anos, conforme revela o estudo Top 10 Global Consumer Trends for 2016, realizado pelo Euromonitor. No Brasil, segundo projeções do IBGE, o número de idosos atingirá 20% do total da população do país até 2030. O mundo está envelhecendo e vivendo mais. Os 50 passaram a ser os novos 30, os 60, os novos 40 e por aí vai... Esqueça a velha imagem das vovós nas cadeiras de balanço, tricotando as memórias do tempo. Hoje elas e eles estão tomando conta das academias de ginástica, clínicas de estética e buscando esporte e lazer como nunca. O novo velho se apaixona, faz sexo e consome o que lhe fala ao coração, diferente do jovem, escravo de marcas da moda. Falando em marcas, o que dizer de uma das campanhas da gigante Nike protagonizada por Madonna Buder, uma freira norte-americana de 86 anos, considerada a atleta mais idosa do triatlo? Sinal dos tempos. Ou de um tempo em que senhoras como a dona Magnolia não serão constrangidas pelas suas escolhas do vestir, com quem andar e aonde ir.

*Ronaldo Fraga, 50, é estilista. Em dezembro de 2016, ele inaugurou o Grande Hotel Ronaldo Fraga, em Belo Horizonte, um espaço para hospedar pessoas, coisas e pensares. É loja, café, barbearia, livraria e foi o cenário deste ensaio de moda, com modelos escolhidos por Ronaldo.

Créditos

Imagem principal: Divulgação

Arquivado em: Trip / Moda / Envelhecimento / Diversidade