Rebelião Pessoal
Devia
Devia parar e brigar sério toda vez que encontro crianças dormindo nas calçadas de minha cidade.
Já dormi nessas calçadas e sei do frio, da fome, do abandono e da miséria íntima que fica.
Devia subir em qualquer caixote e reclamar em altos brados por toda essa gente apagada (velhos, drogados, mendigos, crianças, gente aos pedaços), esquecida e abandonada pelas praças e cantos de minha cidade.
Com certeza devia invadir a Câmara ou a Prefeitura bravo e falando alto para que tomassem providência a fim de que essa gente das ruas de minha cidade fossem recolhida, cuidada e tratada com decência e dignidade.
Sei que devia falar sem parar do lixo nas ruas, do SUS, do INSS, do IPTU, do PSDB, do DEM e do PSD, mas prefiro falar daquela gente que perde suas vidas no crack me olhando abestalhados quando passo nas ruas centrais da minha cidade.
Provavelmente devesse dizer do trânsito impossível, da pressão do tempo a comprimir o espaço, da correria, mas é preciso falar da indiferença que somos obrigados. De olhar e não ver, apenas escanear, como se o outro fosse transparente.
Do ônibus apertado, do cheiro de cachorro molhado, das tempestades e enchentes que se abatem sobre minha cidade.
Da insegurança das ruas à noite, do medo das pessoas a paralisá-las em suas humanidades,
Das drogas, do preço abusivo das coisas, da inflação que não existe, do cuidado que não temos com as pessoas...
Mas para quem vou dizer, falar? Com quem vou brigar ou reclamar? Onde invadir e falar alto?
Quem vai me ouvir, quem vai me ouvir, quem vai me ouvir?
Para aplacar a angústia que fere, a consciência que pesa e a alma que magoada, chora...
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Luiz Mendes
04/06/2011.