As fronteiras não existem
Rapper porto-riquenho Residente, vocalista da banda Calle 13, fala sobre seu primeiro trabalho solo, inspirado em suas origens genéticas
Aos 39 anos, o rapper porto-riquenho René Pérez Joglar é um dos músicos mais importantes da América Latina. Conhecido como Residente, ele é um dos fundadores e vocalistas da Calle 13, junto com o meio irmão Eduardo Cabra, o “Visitante”, e a irmã mais nova dos dois, Illeana Cabra. Com um som que mistura rap e ritmos latinos, a banda apoia o movimento pela independência de Porto Rico, chegou a ser censurado no país em 2009, é o maior vencedor do Grammy Latino, com 25 prêmios, além de três Grammys. Ainda assim, muita gente no Brasil não conhece sua música — e há quem sequer saiba que ele existe. Falha nossa, não dele.
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O trio soma diversos hits com provocadoras letras de protesto, como “Vamo’a portarnos mal”, “Muerte en Hawaii” e “Adentro”. O clipe de “Latinoamérica”, que conta com a participação das cantoras Totó la Momposina (Colômbia), Susana Baca (Peru) e a brasileira Maria Rita, soma quase 90 milhões de visualizações no Youtube desde que foi lançado, em 2011. Ao assisti-lo, é impossível não se emocionar e se perguntar por que nós, brasileiros, no geral conhecemos tão pouco da cultura do continente. Além da barreira entre os idiomas português e espanhol, esse aparente desinteresse talvez seja o motivo pelo qual você nunca tenha ouvido falar de Residente, ao mesmo tempo em que ele e a Calle 13 lotam shows gigantescos da Argentina ao México, todos os anos.
O primeiro álbum do trio, que leva o nome da banda, foi lançado em 2005; o mais recente, Multi_Viral, em 2014. Residente assume que passou a se sentir acomodado com o trabalho com a Calle 13 e o grupo está em um momento de hiato. “As pessoas me reconhecem em todo o mundo, mas não me conhecem de verdade. Os artistas hoje constroem uma carreira para estar em todos os lugares, no rádio, na televisão, na internet, é uma competição constante e criam para isso e não para o público. Quero fazer mais do que a música que normalmente tocaria no rádio”, conta.
“Os artistas hoje constroem a carreira para estar em todos os lugares; criam para isso e não para o público. Quero fazer mais”
No começo do ano, Residente anunciou seu primeiro trabalho solo, que resultou em um disco, lançado em agosto, um documentário, apresentado no festival SXSW (South by Southwest), e um livro, que deve ser lançado em breve — todos levam apenas seu nome artístico. O trabalho é resultado de uma viagem que o porto-riquenho fez por 11 países pelo mundo em busca de suas origens genéticas, descobertas a partir de um exame de DNA específico para isso.
O método vem se popularizando e já existe até agência de turismo especializada em viagens para quem se submeteu ao teste. Mas Residente resolveu transformar tudo em arte. “Cada música e letra está conectada com o meu DNA. Eu já imaginava ter origens europeias ou africanas, mas nunca pensei que teria origens na China, na Sibéria e no Cáucaso. Corri o mundo para conhecer as pessoas locais, coletar sons, fazer música com elas, conhecer suas culturas e histórias. Eu queria extrair o que há de mais original e autêntico na música desses países que estão no meu sangue, e isso é sentido no disco”, explica.
Em seu site oficial, onde é possível ver fotos, vídeos e ouvir músicas da viagem, o artista abre com um áudio que diz: “Somos todos residentes do espaço que ocupamos. E, em nosso espaço, as fronteiras não existem”.
“Há muitos guerreiros anônimos nos movimentos sociais, nas periferias, em todos os países. Existe uma carência de registro social”
O reconhecimento é instantâneo: dirigidos pelo o músico, os três primeiros videoclipes, “Somos anormales”, “Desencuentro” e “Guerra”, lançados ao longo do ano, somam muitos milhões de visualizações. Este último, publicado no YouTube há pouco mais de um mês, foi gravado entre Líbano e Espanha e traz versos carregados de poesia e política, como “A guerra perde todas suas lutas quando os inimigos se escutam. A guerra é mais frágil que forte, não aguenta a vida e por isso se esconde na morte”. Para ele, mais que uma atitude política, os músicos deveriam retratar a realidade vivida pelas pessoas. “Há muitos guerreiros anônimos que trabalham nos movimentos sociais, nas periferias, em todos os países. Existe uma carência de registro social”, diz.
Residente diz que a onda de conservadorismo mundial vem tanto da esquerda quanto da direita. “Tem gente muito boa que trabalha e quer mover as coisas para frente. Precisamos acreditar mais nos movimentos sociais e não só nos partidos políticos.” Depois do furacão que atingiu muitos países do norte do Caribe, o músico diz que a situação em Porto Rico está complicada e responsabiliza diretamente o governo norte-americano. “Há muitas pessoas que perderam tudo e o atendimento é muito lento. Se por um lado buscamos ajuda de outros países, por outro não podemos receber, já que os Estados Unidos não permitem. Está tudo muito restrito. A realidade política mostra que o governo dos EUA nunca se preocupou com a gente.”
Essa semana, Residente liderou, mais uma vez, o anúncio das indicações ao Grammy Latino, nove no total, à frente de Maluma e Shakira e competindo com um dos maiores hits pop dos últimos anos, “Despacito”. Mas, desse pop, sua música urbana não têm nada. “Não estou dentro do estilo comum como se define o pop, o que faço é super punk e roqueiro. Mas é massivo e as pessoas se identificam.”
O músico está em turnê mundial e pretende se apresentar no Brasil em 2018, apesar de ainda não ter nenhum show confirmado.
Vai lá: residente.com
Créditos
Imagem principal: Rafael Piñeros/Divulgação