Rally dos Sertões escancara Brasil desconhecido
O primeiro dia de competição
Pronto. Lá fomos nós para o meio da nuvem de poeira que tanto caracteriza as trilhas do cerrado. Um talco espesso que reduz a visibilidade a menos de 10 metros. E o pior (ou melhor?) é que não temos mais o shopping para aquele banho de ar-condicionado e aquela festa na praça de alimentação. No primeiro dia de rali, não foi preciso se afastar centenas de quilômetros de Goiânia para começar a trombar com personagens e situações curiosas. A reportagem do site da TRIP está dividindo um Mitsubishi Pajero TR4 com outros três jornalistas: Rodrigo Carneiro (motorista), Cassio "Jiraia" Utiyama e Arthur Caldeira. A convivência, por enquanto, está tranqüila. É quase certo, porém, que as coisas piorem com o passar dos dias. Graças ao estilo ninja de Cássio ? calmo, silencioso e atento -, batizamos o carro de Equipe Jiraia. A seguir, alguns figuras que cruzamos no caminho:
Em São Paulo, ele é Tricolor; no Rio de Janeiro, Flamengo; em Minas Gerais, Cruzeiro; e em Goiás, Anápolis. Na parede do bar Geó, Terlízio Pires da Costa, de 43 anos, orgulha-se da coleção de 200 cartazes de diversos times de futebol. "Tenho outros 100 cartazes guardados", diz Terlízio de jeito manso. O forte do comércio que sustenta a mulher Francisca e as filhas Gleidiane e Gleitiara é a venda de cachaça. São, em média, 12 doses diárias a R$ 0,50. Cigarro, só Calvert, que Tercílio chama de paraguaio, mas a embalagem diz que foi fabricado no Uruguai. Localizado bem no final da especial (trecho cronometrado), na estrada de terra que dá acesso a Padre Bernardo, o comerciante lamentou não saber com antecedência da realização do rali. "Estou sem estoque. É uma pena, se tivessem me avisado, poderia ganhar um bom dinheiro".
Elas sempre tentam, mas dificilmente conseguem pescar um mísero peixinho. Mas, na real, não estão nem aí. O que vale é o passeio para colocar as fofocas em dia. Maria Gomes dos Santos, de 45 anos, e Florita Simões de Sá, 52, caminham sob a nuvem de pó carregando crianças, varas de pesca de bambu e minhocas vivas. Diferente do que acontece com a maioria dos pescadores, as amigas ainda não aprenderam a mentir. "O problema é que passamos horas sem o peixe fisgar", lamenta Maria. Seria ótimo ouvir mais algumas histórias, ainda mais recheadas com tanta sinceridade. Acontece que o tempo é curto. Temos que seguir logo para Padre Bernardo.
O circo do Rally dos Sertões foi montado no hotel fazenda Mestre D'Armas, mas não podemos perder a chance de, antes de montar as barracas, conhecer Padre Bernardo. Segundo reportagem de um jornal de Brasília e alguns moradores da cidade, Bernardo Stockler seria um religioso que, além de percorrer a cavalo mais de 150 quilômetros para rezar missa na cidade, adorava cerveja para liquidar com a sede. A informação foi confirmada por um funcionário do alto escalão da Prefeitura. Resolvemos seguir os hábitos de Bernardo e, antes de partir ao camping, matamos umas loirinhas no simpático Gabilloma, dirigido com maestria por Ivanilza.
O negócio agora é arranjar um lugar longe do barulho das duplas que vão passar a noite arrumando os carros. Por ser uma etapa "maratona", eles não podem contar com o apoio de mecânicos. Amanhã, o dia será longo, ou melhor, o mais longo: só a especial terá 200 quilômetros.
Na foto, Arnaldo Frasson, 38, relações públicas com experiência de chefe da equipe Vedacit Rally Team, e o mecânico do time lapidam um "desatolador". A peça, feita de fibra de vidro e com pedras na lateral, serve para tirar carros atolados das dunas. Desenvolvida pela própria equipe, em Itu, já foi testada com alumínio, mas o resultado ficou abaixo do esperado.
Resultados 1o. dia
Classificação geral:
- Klever Kolberg/Lourival Roldan (Mitsubishi L200 Evo), 1h40m55
- Edio Fuchter/Milton Pereira (Chevrolet S10), 1h42m31
- Beto Macedo/Sólon Mendes (Troller), 1h44m28
- Riamburgo Ximenes/Rogério Almeida (Chevrolet S10), 1h44m44
- Reinaldo Varela/Edgar Fabre (Mitsubishi L200 Evo), 1h46m41
- Paulo Nobre/Dico Teixeira (Mitsubishi L200 Evo), 1h46m49
- Ulisses Marinzeck/Miceno Neto (Mitsubishi L200 Evo), 1h47m15
- Guilherme Spinelli/Marcelo Vívolo (Mitsubishi L200 Evo), 1h47m26
- René Melo/Marcus Melo (L200 R), 1h50m31
- Christian Baugart/Alberto Andreotti (Troller), 1h51m52
- Edu Piano/Nilo de Paula (Mitsubishi L200 Evo), 1h52m05
- Ingo Hoffmann/Alberto Zoffmann (Mitsubishi L200 Evo), 1h54m43
- Arilo Alencar/Alexandre Thomaz (Mitsubishi L200 Evo), 1h59m01
- Maurício Neves/Emerson Cavassin (Pajero TR4R), 2h00m40
A grande notícia do dia foi o acidente do atual campeão das motos, Jean Azevedo, da KTM. Ele bateu a 140 quilômetros por hora em uma cerca de arame e voou por 40 metros. Sofreu uma grave contusão no ombro e foi encaminhado para Brasília e depois a São Paulo para exames mais detalhados. O campeão da etapa foi o outro piloto da KTM, José Hélio.