A fila anda
Trip procurou quatro figuras consagradas em suas áreas para ouvir de suas bocas who’s next na fotografia de arquitetura, nas artes visuais, no esporte e na tecnologia no Brasil
Adriana Varejão, artista plástica.
A carioca é uma das mais reconhecidas artistas brasileiras e tem seu trabalho no acerveo de vários dos principais museus do mundo – Tate Modern, em Londres; Guggenheim Museum, em Nova York; Hara Museum, em Tóquio, entre outros –, além da Galeria Adriana Varejão, em Inhotim (MG). A maior parte de sua produção é composta de pinturas, mas também incorpora linguagens como a escultura. Ela aposta em Maxwell Alexandre: “Ele é um excelente pintor e tem um trabalho revigorante. Adoro ver artistas jovens acreditando na pintura”.
Maxwell Alexandre, 27, artista plástico
Ele já era atleta profissional quando descobriu a pintura. Desde os 14 anos, Maxwell subia e descia de patins as vielas da favela da Rocinha, onde nasceu e vive até hoje. Aos 20, já tinha conquistado campeonatos brasileiros na categoria street, patrocínio internacional e destaque na mídia. “Achei que deveria fazer uma faculdade, algo que pudesse me ajudar a promover o esporte, que ainda é subjugado”, lembra. Ganhou uma bolsa no curso de design da PUC-RJ e percebeu que seu mundo não se resumia à patinação.
“Um universo muito amplo se abriu para mim: o da arte contemporânea. E me senti em casa.” Ele manteve a carreira no esporte e misturou intuitivamente os dois interesses. Jogava tinta no chão, tingia as rodinhas dos patins e marcava paredes, tecidos e telas. Durante quase dois anos, ocupou o abandonado Gávea Tourist Hotel, um edifício de 16 andares que nunca foi inaugurado, e fez dele seu ateliê.
“Quando me formei, rolou um choque. Quis voltar a jogar futebol com meus amigos na favela, mas existia uma sensação de que eu não era mais de lá. Caí em um vácuo perturbador, mas entendi que isso tinha uma riqueza criativa.” No ano passado, ocupou a laje da casa da mãe com materiais de pintura e se permitiu rabiscar folhas e telas, sem ganhar grana nenhuma. “Levar isso a sério foi um ato de resistência. A classe alta tem a pintura como sagrada, mas de onde venho, acham que é coisa de maluco.”
Reino da arte
Maxwell era evangélico e tinha o hábito de conversar com Deus. “Eu era muito de orar, mesmo, de ajoelhar, fazer o sinal com a mão e falar com o Senhor.” Com o tempo, mudou a maneira como entende sua fé. “É muita petulância achar que a melhor linguagem para falar com Deus é a oral. Pintar é minha comunhão mais rica para acessar o divino.” Essa sensação somada à vontade de cavar seu espaço no mercado elitista da arte fez com que ele fundasse com outros artistas a Igreja do Reino da Arte. Desde maio do ano passado, o grupo organiza exposições e chama ateliês de templos e pinturas, de orações. “Não queríamos depender de galerias. Não conhecia ninguém do circuito; é muito fechado, uma afirmação de privilégio. Achava que nunca ia entrar nessa porra”, diz.
Mas em agosto passado, a Carpintaria – uma das principais galerias cariocas – promoveu um evento público para que artistas apresentassem seus trabalhos. Daquelas observações de Maxwell da laje da mãe nasceu a série Reprovados, inspirada nos uniformes escolares das crianças da favela que secavam nas casas vizinhas. “Passei a pintar autorretratos. Meus personagens são sempre negros, loiros e com uniforme.” Para a apresentação, pintou a rotina da Rocinha em uma tela de mais de três metros. “Não tinham como me ignorar.” A obra foi escolhida para ser exibida na galeria por um mês e lhe rendeu novos contatos, outras mostras, entrevistas e reconhecimento. “Venho do evangelho, do esporte, servi ao exército. Fé, foco, força. É uma chave, muita entrega. Tem uma coisa aí que é de outra ordem mesmo.”
Irineu Loturco, cofundador e diretor técnico do Núcleo de Alto Rendimento Esportivo (NAR), em São Paulo.
Doutor em alto rendimento esportivo pela universidade espanhola Pablo de Olavide, Irineu faz um trabalho que fica evidente a cada quatro anos, nas olimpíadas: ele prepara no NAR, fundado em 2011 com o empresário Abílio Diniz, atletas que buscam um melhor desempenho. Cinco dos medalhistas da Rio 2016 passaram por lá. Ele aposta em Douglas Brose: “Ele é promessa de medalha para Tóquio, em 2020”.
Douglas Brose, 32, carateca
Fã desde criança de filmes de luta, Douglas começou a praticar caratê aos 7 anos. Aos 13, conquistou o campeonato brasileiro juvenil e, dois anos depois, a primeira medalha internacional. O gaúcho é bicampeão mundial na categoria de até 60 quilos e tem sérias chances de conquistar a medalha olímpica em Tóquio, quando o caratê fará sua estreia na competição. Até lá, encara dois treinos diários, um de velocidade e outro de potência muscular, supervisionados por Loturco. “O atleta precisa de resistência para aguentar uma luta que dura três minutos, em uma competição com até sete rodadas em um mesmo dia”, explica Douglas. O carateca concilia o treinamento com a carreira de 3º Sargento do Exército. Pelas conquistas e sua influência no esporte, representa os atletas brasileiros na Federação Mundial de Karatê (WKF).
Silvio Meira, pesquisador do Instituto Senai para Inovação
em Tecnologias de Informação e Comunicação de Recife.
Um dos grandes pensadores do ambiente digital no Brasil, Silvio é ph.D. em computação pela University of Kent, na Inglaterra, e fundou o Porto Digital, projeto que transformou o centro histórico de Recife em um parque tecnológico. Ele aposta no app Mete a Colher: “A iniciativa trata de um dos mais graves problemas de violência contra a mulher, aquele que acontece em casa”.
Mete a Colher, aplicativo criado por seis recifenses
O app reúne uma rede para mulheres conversarem sobre relacionamento abusivo e violência doméstica, explica a designer Aline Silveira, 29 anos, que criou com Carolina Cani, Lhais Rodrigues, Mariana Albuquerque, Renata Albertim e Thaisa Queiroz, em Recife, o Mete a Colher. As vítimas de abusos desse tipo geralmente não têm com quem conversar, se sentem isoladas da família e dos amigos. Por isso, o app – viabilizado por meio de um financiamento coletivo que contou com quase 500 apoiadores – conecta voluntárias que oferecem apoio emocional. As conversas ocorrem por um chat, de forma anônima, condição que facilita a sempre difícil comunicação inicial. O Mete a Colher foi disponibilizado em julho de 2017 e já reúne cerca de 7 mil usuárias ativas. “Conseguimos atingir exatamente quem precisa de ajuda”, diz Aline.
Vinícius Andrade, arquiteto e sócio-fundador do escritório
Andrade Morettin Arquitetos Associados.
Vinícius, que leciona na Escola da Cidade, em São Paulo, é responsável, junto com Marcelo Morettin, por projetos como o do Instituto Moreira Salles de São Paulo (foto). A arquitetura da dupla está hoje entre as mais desejadas e autorais do país. Ele aposta em Pedro Vannucchi: “O que me despertou a atenção nele é sua disposição em ampliar o conhecimento sobre a cidade”.
Pedro Vannucchi, 33, fotógrafo
No último ano da faculdade de arquitetura, Pedro já sabia que sua maneira de se aproximar da cidade seria por meio da fotografia. “Eu já trabalhava como fotógrafo e me angustiava a necessidade de ser tudo tão limpo, perfeito”, diz. Seu trabalho de conclusão de curso refletiu essa sensação e revelou o olhar humano para a arquitetura: ele projetou em corpos imagens da cidade, e vice-versa, e fez um ensaio que fazia pensar sobre a passagem do tempo. De lá pra cá, se especializou em retratar edifícios e suas relações com a vida que os cerca. Registrou diversas unidades do Sesc e, mais recentemente, a nova sede do Instituto Moreira Salles (foto ao lado), na avenida Paulista. “Esforço-me para que as fotos tragam a energia dos espaços e, para isso, é importante que existam pessoas nas cenas. Muita gente não quer aparecer, então desenvolvi técnicas para que elas não estejam reconhecíveis, mas ajudem a explicar aquele lugar. Afinal, pessoas se interessam por pessoas.”
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Créditos
Imagem principal: (esq. para dir.) Sandra Ruhaut/LP/IconSport; Divulgação; Victoria Bas; Helena Wolfenson/Divulgação