Porque você me maltratava tanto?

por Luiz Alberto Mendes em

Pai

 

Já pensou em encontrar seu pai em um albergue noturno? Acabo de assistir um filme "A família Flinn" em que o personagem trabalha em um tipo de albergue para as pessoas que moram na rua, e de repente recebe seu pai. Eu já pensei em encontrar meu pai jogado na sarjeta, mas não foi assim que o reencontrei. Alias, não o reencontrei. Faleceu alguns anos antes que eu saísse da prisão. Minha mão cuidou dele até o fim e o enterrou, para morrer logo em seguida. Era uma mulher de fibra. Não fosse ela e esse seria o fim dele: a sarjeta dos alcoólatras e os albergues noturnos ou abrigos para pessoas enlouquecidas. Eu estava preso e nada poderia fazer. Mas se pudesse, faria? Sim, faria o que estivesse em meu alcance. Não o abandonaria na rua. Morreu louco, segundo me contaram, de tanto beber. O ultimo ano dele foi triste. Deu trabalho para o povo que tomava conta dele e para minha mãe que já estava com o lado direito do corpo paralisado pelo derrame. Contaram-me que ele agredia as pessoas que tratavam dele, a ponto de pensarem em abandoná-lo. Sofria do mal de Parkinson, ficava com parte do corpo tremendo o tempo todo. Tinha que tomar remédios fortíssimos para os nervos para não tremer em demasia e poder viver. Os remédios e pinga logo em seguida. Chegava ao cúmulo de usar a pinga como líquido para os comprimidos descerem goela abaixo. Claro, ficava muito louco, dopadaço. Dormia com uma faca embaixo do travesseiro, vivia ameaçando minha mãe de morte, a ponto de serem separados para que houvesse paz. Quando foi internado no hospital, perdeu a vontade de viver. Morreu, segundo me contaram, porque não queria mais viver, entregou-se à morte. Agora, falando assim, meus olhos se enchem de lágrimas porque penso em quanto ele sofreu para perder a vontade de viver.

Eu estava preso, morava em cela individual, o guichê foi aberto e a cara de um funcionário encheu todo o espaço. Perguntou meu nome e disse que tinha uma péssima notícia para me dar. Seu Luiz (meu pai; sou Junior) fora internado novamente há pouco tempo e eu sabia o que o guarda me comunicaria. Meu pai havia falecido, disse-me, alguém telefonara avisando. Perguntou se estava tudo bem, respondi que sim; ele fechou o guichê e foi embora. Eu fiquei ali povoado pelas lembranças, com a mente cheia da cara de meu pai. Andei até o banheiro e então veio o baque. Meu pai morreu! Aquilo me doeu muito e eu não entendia porque, já que eu acreditava odiá-lo profundamente. Não sabia um monte de coisas dele. Pensava em sair da prisão, encontrá-lo para fazer algumas perguntas. Havia alguns enigmas, algumas lacunas que eu carecia preencher. Eu sabia exatamente porque havia me envolvido com drogas, crime, violência e estava preso quase a vida toda. Havia um vazio enorme e eu carecia preenchê-lo, uma busca desencontrada de algo que devia estar mas nunca esteve e eu nunca soube o que fosse. Quando consegui dimensionar o tamanho daquele vazio e direcionar minha procura, principiei a preencher a vida de sentidos e encontrei significados. E ele? Porque bebia tanto e todos os dias? Porque aquela necessidade diária do álcool? Bebia de cair, de desmaiar de tanto álcool. Não aguentava a vida comum, de "cara limpa"? Porque me odiava tanto? Nunca teve uma palavra de carinho, sempre com seu jeito de "português" de maltratar todo mundo. E eu em particular. Porque me espancava tanto? Porque a necessidade de me humilhar tanto? Porque tanta falta de amor por mim? O que havia contra mim, eu era apenas uma criança tola, seu filho... Ele se foi e levou consigo seus segredos e insanidades. E me deixou aqui, sem respostas, diante desse enigma que não consigo decifrar...

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Luiz Mendes

24/09/2013.

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