Já pensou em encontrar seu pai em um albergue noturno? Acabo de assistir um filme "A família Flinn" em que o personagem trabalha em um tipo de albergue para as pessoas que moram na rua, e de repente recebe seu pai. Eu já pensei em encontrar meu pai jogado na sarjeta, mas não foi assim que o reencontrei. Alias, não o reencontrei. Faleceu alguns anos antes que eu saísse da prisão. Minha mão cuidou dele até o fim e o enterrou, para morrer logo em seguida. Era uma mulher de fibra. Não fosse ela e esse seria o fim dele: a sarjeta dos alcoólatras e os albergues noturnos ou abrigos para pessoas enlouquecidas. Eu estava preso e nada poderia fazer. Mas se pudesse, faria? Sim, faria o que estivesse em meu alcance. Não o abandonaria na rua. Morreu louco, segundo me contaram, de tanto beber. O ultimo ano dele foi triste. Deu trabalho para o povo que tomava conta dele e para minha mãe que já estava com o lado direito do corpo paralisado pelo derrame. Contaram-me que ele agredia as pessoas que tratavam dele, a ponto de pensarem em abandoná-lo. Sofria do mal de Parkinson, ficava com parte do corpo tremendo o tempo todo. Tinha que tomar remédios fortíssimos para os nervos para não tremer em demasia e poder viver. Os remédios e pinga logo em seguida. Chegava ao cúmulo de usar a pinga como líquido para os comprimidos descerem goela abaixo. Claro, ficava muito louco, dopadaço. Dormia com uma faca embaixo do travesseiro, vivia ameaçando minha mãe de morte, a ponto de serem separados para que houvesse paz. Quando foi internado no hospital, perdeu a vontade de viver. Morreu, segundo me contaram, porque não queria mais viver, entregou-se à morte. Agora, falando assim, meus olhos se enchem de lágrimas porque penso em quanto ele sofreu para perder a vontade de viver.
Eu estava preso, morava em cela individual, o guichê foi aberto e a cara de um funcionário encheu todo o espaço. Perguntou meu nome e disse que tinha uma péssima notícia para me dar. Seu Luiz (meu pai; sou Junior) fora internado novamente há pouco tempo e eu sabia o que o guarda me comunicaria. Meu pai havia falecido, disse-me, alguém telefonara avisando. Perguntou se estava tudo bem, respondi que sim; ele fechou o guichê e foi embora. Eu fiquei ali povoado pelas lembranças, com a mente cheia da cara de meu pai. Andei até o banheiro e então veio o baque. Meu pai morreu! Aquilo me doeu muito e eu não entendia porque, já que eu acreditava odiá-lo profundamente. Não sabia um monte de coisas dele. Pensava em sair da prisão, encontrá-lo para fazer algumas perguntas. Havia alguns enigmas, algumas lacunas que eu carecia preencher. Eu sabia exatamente porque havia me envolvido com drogas, crime, violência e estava preso quase a vida toda. Havia um vazio enorme e eu carecia preenchê-lo, uma busca desencontrada de algo que devia estar mas nunca esteve e eu nunca soube o que fosse. Quando consegui dimensionar o tamanho daquele vazio e direcionar minha procura, principiei a preencher a vida de sentidos e encontrei significados. E ele? Porque bebia tanto e todos os dias? Porque aquela necessidade diária do álcool? Bebia de cair, de desmaiar de tanto álcool. Não aguentava a vida comum, de "cara limpa"? Porque me odiava tanto? Nunca teve uma palavra de carinho, sempre com seu jeito de "português" de maltratar todo mundo. E eu em particular. Porque me espancava tanto? Porque a necessidade de me humilhar tanto? Porque tanta falta de amor por mim? O que havia contra mim, eu era apenas uma criança tola, seu filho... Ele se foi e levou consigo seus segredos e insanidades. E me deixou aqui, sem respostas, diante desse enigma que não consigo decifrar...
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