Corrente guerreira
Quem é um guerreiro para você? Com essa pergunta descobrimos personalidades que, de alguma forma, se conectam e mostram o que a palavra guerreiro significa. Coincidência ou não são todas guerreiras
Regina Casé, 63, atriz e apresentadora
Ela não se importa em ser porta-voz de pessoas abandonadas pelo Estado e pela sociedade. “Tive que me tornar uma guerreira. Me atacavam querendo atacar essas pessoas.” Regina escolheu Eliane Dias, produtora, advogada, empresária e esposa do Mano Brown para iniciar nossa corrente de guerreiros que não se deixam acorrentar.
Eliane é CEO da Boogie Naipe, produtora que administra a carreira dos Racionais Mc’s e o trabalho solo de Mano Brown – além de ser engajada em projetos de luta contra o racismo e o machismo. Regina a conheceu há 15 anos, durante uma gravação: “Ela me convidou para conhecer a casa dela, os filhos ainda eram pequenininhos”, lembra.
Eliane administra diversas coisas ao mesmo tempo em um universo nem sempre receptivo às mulheres. “Ela sempre foi feminista. Eu a admiro muito. Ser mulher do Mano Brown, ter toda uma história, morando no Capão Redondo e ainda cuidar dos filhos”, conta Regina. “Ela tem a mesma potência que o marido”, finaliza a atriz.
Eliane Dias, 46, empresária e ativista
Daquele tipo de gente que enxerga oportunidades nas dificuldades, Eliane afirma: “Se tiver difícil, eu vou pegar o limão e fazer uma limonada”. Essa frase sintetiza sua personalidade – e faz lembrar Beyoncé, que faz a mesma reflexão no disco Lemonade.
Para ela, uma guerreira a ser lembrada é a youtuber Nátaly Neri, 23, criadora do canal Afros e Afins, em que compartilha relatos sobre ser uma mulher negra, as dificuldades pelo caminho, além de outros assuntos ligados à moda e autonomia feminina. “As pessoas que enfrentam dificuldades tendem a se retrair, abaixar a cabeça. Ela não.”
A empresária destaca como uma qualidade de guerreira a resiliência de Nátaly. Eliane a acompanha desde 2015, depois que sua filha, Domenica Dias, lhe apresentou o canal. O que chamou a atenção, de cara, foi o fato de a youtuber falar sobre roupas de brechó em um momento de efervescência da ostentação, principalmente no meio do funk. “Ela começou a falar da questão do brechó e pensei: ‘Essa menina vai contra tudo que está acontecendo neste momento, no Brasil’”, lembra.
Nátaly Neri, 23, youtuber
A youtuber sente uma conexão profunda com a guerreira Joyce Fernandes, mais conhecida como Preta Rara: “A existência dela sempre me lembra como é importante ter a consciência de quem eu sou e, principalmente, de onde eu vim e pra onde eu quero ir”.
Preta é rapper e atua em vários espaços da militância negra e feminista, mas, antes disso tudo acontecer, ela enfrentou um caminho solitário por sete anos, com todos os desafios impostos a ela por ser negra, gorda, moradora da periferia de Santos e empregada doméstica. “Ela é guerreira demais, não só por conta de tudo que já passou, mas, principalmente, por tudo que está construindo”, diz Nátaly.
Joyce criou em 2016 a página Eu Empregada Doméstica, no Facebook, um espaço em que mulheres compartilham relatos ligados à profissão. Outro projeto que organiza é a Ocupação GGG, que promove encontros de mulheres gordas na praia vestindo trajes de banho, com o objetivo de discutir empoderamento e gordofobia. Além da roda de bate-papo, elas participam de um ensaio de fotos que ajuda a enxergar a beleza de seus corpos.
Joyce Fernandes, 32, rapper
Quando o assunto é ajudar outras mulheres, Preta Rara não mede esforços. Tudo começou quando ela encontrou no papel e na caneta uma forma de desabafar. Já formada em história e trabalhando como professora, ela começou a escrever poesias e letras de rap em que rimava sobre as situações que enfrentava. “A minha militância veio, primeiro, pela aceitação do meu corpo. Eu sempre fui gorda e preta retinta, na escola tiravam sarro”, conta.
Com a internet, Preta passou a publicar seus relatos e a receber centenas de mensagens de pessoas que viveram situações parecidas. Isso fez com que tivesse um insight: “Se a música consegue transmitir isso, a imagem também pode ajudar outras mulheres”. A partir daí ela começou a tirar fotos sensuais, de lingerie, mostrando o próprio corpo como ele é. “Foi quando eu entendi qual era o meu papel na sociedade”, afirma.
A lista de projetos não para. Atualmente, trabalha em Nossa voz ecoa, uma websérie de entrevistas voltadas ao protagonismo negro. O primeiro episódio, disponível no YouTube, leva o título de Pesadona e fala da carreira e da família de Preta Rara.