Grupos de fachada
Como fotos de prédios postadas no Facebook estão ajudando a repensar a maneira como vivemos e nos relacionamos com a cidade
Por meio de páginas criadas no Facebook, uma comunidade dedicada a compartilhar fotos de prédios espalhados pelo Brasil tem aproximado moradores com a história e o espaço da cidade onde habitam. A receita é simples: basta fotografar a fachada, as escadas ou os elevadores de um edifício residencial ou comercial. Vale uma estrutura "clássica" ou um lançamento com uma arquitetura provocadora ou acessível. Ao lado, uma legenda em defesa do patrimônio e detalhes arquitetônicos e históricos da obra. Hoje, essa comunidade apreciação de edifícios já reúne cerca de 50 mil fãs, um tanto de outros colaboradores empenhados e fotografias que viralizam na rede.
O movimento autônomo, sem ligação com órgãos públicos, começou em 2014 com a Prédios de São Paulo, criada pelo corretor de imóveis Matteo Gavazzi, 29 anos, preocupado e curioso em saber onde seus clientes iriam viver pelos próximos anos. Tal curiosidade nem sempre era sanada facilmente, e Matteo passou a publicar na internet as informações que coletava em arquivos municipais e em doutorados e mestrados sobre arquitetura. "O governo até possui meios para estimular a apreciação da arquitetura, mas também vi que cabia aos indivíduos se moverem para aprimorar a visão da própria cidade", diz.
A Prédios de São Paulo possui mais de 30 mil seguidores e já produziu dois livros, financiados coletivamente, que retratam edifícios da capital paulista. O preferido de Matteto, que é italiano, é o Edifício Martinelli, no centro da cidade, por ter sido idealizado pelo conterrâneo Giuseppe Martinelli. "O Italianão representa a história de uma cidade formada por estrangeiros que se misturaram e construíram uma cultura única no mundo", explica.
Além de São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Florianópolis, Londrina (PR), Fortaleza, Salvador, Campo Grande e Goiânia contam com páginas especializadas em retratar prédios. (A resenha do edifício Oceania, que aparece no longa Aquarius, pela Prédios do Recife, foi uma das publicações de mais sucesso da rede de páginas.)
De acordo com a arquiteta Nádia Somekh, diretora-geral do Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo, o fenômeno ocorre em resposta a lançamentos de conjuntos que deixaram de estimular o convívio entre moradores e cidade. "No início da verticalização, o arranha-céu significava o progresso financeiro de uma cidade. Ao se tornarem domiciliares, por volta da década de 50, morar em prédio se transformou em uma espécie de fortaleza para se ‘proteger’ dos problemas urbanos", explica Nádia.
Para ela, as redes sociais e as viagens ao exterior, feitas por um número maior de brasileiros nos últimos anos, repaginaram a maneira como cuidamos do mundo ao redor. "As páginas unificam um sentimento que estava fragmentado entre um número cada vez maior de pessoas no Brasil", diz. A abertura de ruas a pedestres e as ciclovias também potencializaram os passeios mais detalhados pela cidade, apontam alguns 'retratistas' de prédios consultados pela Trip.
No Mato Grosso do Sul, a página Prédios de Campo Grande fica a cargo de Giovana Matsuda, estudante de arquitetura que sentiu um incômodo ao notar o abandono do centro da cidade. “Decidimos criar a página para termos noção histórica e a sensação que, de fato, essa cidade é nossa”, conta. No geral, todos os administradores das páginas relatam que o brasileiro está mais interessado em conhecer seu espaço. "Não conseguimos sentir, no Brasil, que o poder público e privado tenham muito interesse em criar uma relação mais calorosa com a cidade", explica a arquiteta Carol Leães, uma das responsáveis pela Prédios de Porto Alegre. "Mas é possível dizer que, cada vez mais, as pessoas querem resgatar o tempo em que se colocava a cadeira na frente de casa no final do dia para ver o movimento."
Créditos
Imagem principal: Milena Leonel/Prédios de São Paulo