O que fazer?
Acho que foi o Lobão quem saiu com esta: viver dez anos a mil ou mil anos a dez?
Acho que foi o Lobão quem saiu com esta: viver dez anos a mil ou mil anos a dez? Pelo que entendi, ele escolheu a primeira parte no começo. Agora filósofo, formador de opiniões, quarentão e pai, me parece mais ponderado. É bem assim, não é mesmo? Jovens, queremos mais vida em nossos anos. Maduros, preferimos a contrapartida; mais anos em nossa vida. Acho que é quando percebemos que futuro é todo tempo que nos resta. Mas, bem por isso, finito e incerto. Imaturos, ignoramos o valor do tempo em nossas vidas. Vividos, tememos o aceleramento do tempo a diminuir nossos espaços.
Luiz Fernando Veríssimo, em sua coluna no Estadão, faz comparação entre monstros cegos que vivem no fundo do mar e a complexidade de nosso cérebro “que nem um cérebro complexo como o nosso ainda conseguiu entender”. Monstros submarinos, enguias e polvos gigantescos e nossos impulsos atávicos. Se chegassem à superfície, esparramariam terror e destruição inimagináveis. Um desses monstros é o medo, o pavor. O que não fazemos por temer o tempo da morte, a dor do aniquilamento?
Sentir que estou ficando velho está sendo completamente inesperado para mim. Não me sinto envelhecendo e, no entanto, estou. Os efeitos do envelhecimento sobre minha integridade e vigor físico me batem na cara a todo instante. O espaço cada vez mais me aprisiona em suas três dimensões. O tempo, esse tirano, me escraviza em seu fluxo unívoco e unidirecional. O medo de ele se acabar sem que eu complete o que vim fazer (não sei bem o que), me apavora. Um monstro que ameaça devorar, mas que, inexplicavelmente, venho cultivando há algum tempo. Sou o mesmo e não sou outro. Aquele menino confuso que ainda consigo ver em muitas de minhas atuações e esse homem que vai envelhecendo e que não se entende bem. Tenho sido leitura de difícil acesso.
Os cientistas vivem nos alertando. Esse tempo entre passado e futuro, de repente, pode deixar de existir. As mudanças no clima e na temperatura podem ser mais bruscas que imaginávamos antes. Eis nosso tempo sendo encurtado. E, aí, como fazer? Disciplina e autocontrole cabem em qualquer situação. É o homem que busca a posse e uso de seu potencial ao se concentrar em si. Mas sacrifícios em nome do quê? De um futuro que já estão indicando que pode nem chegar? Poupar para o futuro, para os filhos, as próximas gerações. Mas, quando facilitamos a vida das gerações futuras, não estaremos privando-as da luta, do esforço que forma? Já não foi isso que nos aconteceu? As gerações anteriores nos facilitaram a vida com suas conquistas sociais, científicas e comportamentais. Mas não terão nos amolecido? Hoje não estamos mais frágeis, inseguros, cheios de traumas e problemas psicológicos? E, por conta de nossa razão e comportamento, o mundo não está mais caótico e a convivência mais complicada? Não estamos nos perdendo do passado e do futuro? Não estamos vivendo, atualmente, apenas para os prazeres imediatos, sensoriais e pontuais? O resto perde sentido e tudo fica descartável.
Descontar de que futuro? O pós-modernismo vigente não aceita a idéia de futuro. A história acabou, agora fazemos vida atualizada, enfatizando apenas o que acontece no instante como verdade única. A sensação angustiosa de caos persiste porque agora não esta mais lá fora, no futuro. Está dentro, no presente, em cada instante de cada um de nós.
De fato a vida da gente é sempre muitas vezes maior que a vida que nos cerca. Inteligente seria investir no enriquecimento dessa vida pessoal agora e permanentemente. Poupar é verbo que se presta somente a relações econômicas e materiais. Como poupar sentimentos, emoções, alegrias, tristezas e, principalmente a dor e a felicidade? É possível economizar vida? Vou guardar 20 anos de vida agora, para usar quando envelhecer. Isso é possível? Não, a vida flui independente da vontade humana.