Nem luxo, nem lixo Nem luxo, nem lixo

Nem luxo, nem lixo

Ricardo Guimarães aprendeu recentemente que na natureza não existe desperdício nem excesso

por Ricardo Guimarães em

Caro Paulo,

Certas verdades fazem a gente se sentir idiota quando descobrimos que elas existem. Agora, então, que estou estudando biologia para saber como e por que na natureza tudo funciona bem, esse sentimento de idiota tem sido muito frequente. (Sim, estou estudando o design e a filosofia da natureza.)

Uma dessas verdades que aprendi recentemente é que na natureza não existe desperdício nem excesso. Não existe a ideia de lixo nem de luxo no mundo natural. Esses são fenômenos típicos do mundo dos humanos que, graças ao bom senso, à boa ciência e ao bom gosto, começam a ser questionados.

A maioria de nós já eliminou a ideia de lixo de nosso repertório. Já aprendemos que "do berço à cova" (from cradle to grave) é uma expressão antiga e ignorante, que não se aplica mais depois de tanta ciência. O certo agora é "do berço ao berço" (from cradle to cradle), porque tudo é energia que deve ser reaproveitada. Sobre cradle to cradle, sugiro o livro com esse título do arquiteto William McDonough e do engenheiro químico Michael Braungart.

Mas se livrar do lixo é fácil. É até chique deixar à vista as latas do lixo seletivo do condomínio para todo mundo ver que somos ecologicamente corretos. Já livrar-se do luxo é dificílimo, simplesmente porque o luxo é objeto do desejo, o oposto do lixo. E é nisso que estão intimamente ligados.

Nós cultivamos o luxo porque a sua posse nos diferencia e nos integra. Luxo é aquilo que eu tenho e que os outros gostariam de ter, mas não podem porque é raro ou caro. Num segundo momento, o luxo não mais me diferencia porque diz que sou igual a um grupo de eleitos e privilegiados. E assim, neste processo, do alto a baixo de toda a pirâmide social, o luxo vai virando lixo, porque todo mundo tem e não mais diferencia, de luxo desejado para lixo não desejado.

BELEZA NATURAL

O luxo vira lixo porque seu valor é cultural e não natural. No mundo natural, os seres são o que são, diferentes e únicos por suas próprias características. Suas interações com seus contextos, suaves ou violentas, provocam mudanças e adaptações precisas, econômicas e surpreendentemente belas!

Tenho certeza de que muito do feio, do desarmônico e do deselegante de nossa cultura de consumo, de nosso urbanismo, de nosso estilo de vida é resultado de ignorância, de pouca ciência e de muito desejo de ter e pouca coragem e competência de ser.

Os incompetentes que me desculpem, mas beleza é um excelente indicador da eficiência e da inteligência dos processos que vivemos. É por isso que nos fins de semana corremos desesperados atrás da beleza da natureza. Porque lá resgatamos o fluxo harmônico, inteligente e preciso de nossas energias físicas, emocionais e mentais. Esse resgate explica o encantamento e a gratidão do humano com a beleza do mar, do pôr do sol, da flor, do rio, das pedras, dos peixes, da montanha, da neve, do luar. Está tudo aí, generosamente à nossa disposição.

Se algum deus nos criou, ele não deve viver com mais nem com menos, nem com lixo nem com luxo. Mas com beleza e inteligência, com precisão e harmonia.

Que esse deus nos abençoe, querido amigo.

*Ricardo Guimarães, 62, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail
é rguimaraes@trip.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus

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