Homens trabalhando
O trabalho só enobrece o homem se ele tiver sentido para quem trabalha
Profissionais das mais variadas áreas já perceberam que o trabalho só enobrece o homem se ele tiver sentido para quem trabalha e para o mundo à sua volta. Conheça o caso e os cases de gente que encarou o desafio de encontrar significado no trabalho para além dos bônus no fim do ano
Três homens assentavam tijolos quando alguém que passava na rua lhes perguntou: “O que vocês estão fazendo?”. O primeiro respondeu: “Assentando tijolos”; o segundo disse: “Estou trabalhando para sustentar minha família”; e o terceiro: “Estou construindo uma catedral”. A parábola é velha, tão velha quanto a distinção que fazemos entre os que trabalham sem sentido, os que trabalham apenas pelo dinheiro e os que entendem o significado mais profundo do que fazem durante seu horário produtivo. Portanto, não é exatamente uma novidade que seus colegas, ou talvez você mesmo, estejam questionando os modelos de exercício profissional e vida corporativa, os modelos de remuneração e os valores disseminados desde a Revolução Industrial, no século 19. Não se trata de saber por quanto você trabalha, mas, afinal, por que cargas-d’água você trabalha?
De forma nada delicada, o jornalista Alexandre Teixeira, autor do recém-lançado livro Felicidade S.A. – Por que a satisfação com o trabalho é a utopia possível para o século 21 (Arquipélago Editorial), define o modelo dominante como “engolir sapos em troca de um bom dinheiro”. Em outras palavras, vender sua alma. “Numa sociedade desenvolvida, o dinheiro é uma commodity e bons profissionais são raros e disputados”, diz. “Agora estes profissionais começam a se questionar sobre o que realmente gostam de fazer e os propósitos de seu trabalho, por exemplo.”
Não é mero acaso que essa discussão esteja batendo às portas do mercado de trabalho brasileiro justamente quando as universidades começam a despejar uma geração de profissionais para quem a hiperinflação é apenas um assunto dos livros de história e cujos pais foram traídos pelo sonho de “estabilidade” que a iniciativa privada vendia até os anos 1990. Agora, como diz a escritora Tammy Erickson, “meaning is the new money” (significado é o novo dinheiro).
A busca pelo significado mais profundo do trabalho tem diversas caras. Vai de retiros alternativos baseados no Qi Gong e na ayahuasca até terapias e pesquisas sobre felicidade e clima de trabalho. “Uma parte dessa busca tem a ver com inquietações próprias de quem é jovem, uma parte tem a ver com uma busca de sentido que é tão antiga quanto o homem”, acredita Marcelo Cardoso, VP de desenvolvimento organizacional e sustentabilidade da Natura. “Mas também tem a ver com as novas possibilidades de trabalho, que eram inimagináveis há 25 anos, como começar uma carreira em start-ups e ONGs. As grandes empresas precisam ser tão relevantes quanto esses modelos novos se quiserem atrair os novos talentos.” Por conta de sua política de práticas de gestão de pessoas, a Natura é frequentemente vista como uma das poucas empresas brasileiras preparadas para esse novo cenário, em que os talentos escolhem a organização na qual pretendem trabalhar. De fato, segundo pesquisa da Universum divulgada pelo Estadão, a Natura já é a empresa mais desejada entre profissionais com mais de 35 anos no Brasil.
Cardoso é conhecido no meio executivo como um caso de transformação pessoal: de workaholic típico tornou-se adepto de um modelo humano de comando e gestão. Dentre diversas correntes filosóficas e práticas espirituais que conheceu em seu período de reinvenção, Cardoso tornou-se entusiasta da filosofia integral do americano Ken Wilber. “A teoria integral nada mais é do que a capacidade de encaixar diferentes pecinhas e entender como as verdades parciais se inter-relacionam”, diz Ari Raynsford, doutor em engenharia nuclear e um dos maiores wilberistas do Brasil. “O integralismo propõe que o ser humano troque seu ‘processador’ mental. De um processador velho, em que modelos fragmentados se chocam, para um novo, integral, que permita que talentos sejam aplicados e cultivados de formas diferentes.” Como parte de uma série de eventos que o Instituto Integral do Brasil estava organizando no final de setembro, estavam previstos seminários sobre liderança integral, com Barrett Brown, e Jornada de Transformação, com a monja zen-budista Diane Hamilton. Os cursos são muito procurados por profissionais das áreas de psicologia, engenharia e administração (especialmente os de recursos humanos) segundo Raynsford.
O bispo anglicano Desmond Tutu tem uma definição famosa para o significado espiritual do trabalho. Segundo ele, Nobel da Paz em 1984, trabalho é “a maneira com que o homem coopera com o criador na manutenção do universo criado”. O pastor brasileiro Ed René Kivitz avançou a partir da definição de Tutu. “Trabalhar é transformar o caos em cosmo, a terra sem forma e vazia em jardins, como descrito no livro do Gênesis”, ele diz. Depois de palestrar sobre espiritualidade em empresas como Unimed, Mercedes-Benz e Tok&Stok, Kivitz criou o Fórum Cristão de Profissionais, em São Paulo, disposto a provar ser possível um novo modelo de “ser profissional, ser empresa e fazer negócio”. “Um modelo de economia que zele apenas pelo lucro do acionista na ponta do processo não é trabalho, espiritualmente falando, porque não está transformando o caos em cosmo, mas apenas empurrando o caos para longe de si”, explica Kivitz. “Um atacadista que lucra à custa de um caminhoneiro que destrói a estrada e se droga para cumprir horários, está prolongando o caos. Mas uma rede de supermercados como a Whole Foods, que respeita toda a cadeia de produção do que vende, é um sinal de uma nova consciência despertando.”
Funcionalismo público
Todos os pensadores e profissionais que investigam os novos paradigmas do mundo do trabalho, entretanto, são unânimes em admitir que a busca por significado ainda é incipiente, especialmente no Brasil. “Ainda está muito restrita a dilemas burgueses, daqueles que já passaram pelos dois famosos primeiros esses, sobrevivência e sucesso, e agora podem se dedicar ao terceiro, significado”, diz Kivitz. “O significado acaba sendo um novo separador de classes em uma sociedade em que mais gente tem dinheiro.”
De fato, uma pesquisa da consultoria Universum, divulgada pelo Estadão em agosto, mostrou que, entre 12 mil jovens universitários brasileiros, a empresa mais cobiçada continua sendo a Petrobras. Na verdade, apesar de o tamanho do funcionalismo público haver diminuído em dez anos (de 8,5 para 8,3 milhões de vagas), a procura por um emprego público cresceu: em 2012 são estimadas 12 milhões de inscrições em concursos públicos, 4 milhões a mais do que em todo ano passado. Ou seja: a estabilidade continua sendo um valor importantíssimo para o trabalhador médio brasileiro.
“Em minha opinião, a lógica não se alterou”, diz o escritor Max Gehringer. “As novas gerações nunca se submeteram ao mundo que lhes era impingido pelos adultos. Sempre foi assim, só que o ritmo agora é muito mais rápido. Num mundo sem internet, celular e tablet, sem Twitter e Facebook, os jovens lutavam contra a ditadura dos costumes e das regras empresariais exatamente como hoje.”
“Numa sociedade desenvolvida, dinheiro é commodity, e bons profissionais é que são raros e disputados. E eles estão se questionando sobre o que gostam de fazer e qual o propósito de seu trabalho”
Nem todos os que assistem a Gehringer falando sobre trabalho no Fantástico sabem que ele próprio reinventou sua carreira em busca de um sonho. Aos 47 anos, ele era presidente da Pullman e, segundo a Gazeta Mercantil, um dos 30 executivos mais cobiçados do Brasil. “Eu acalentava desde jovem o sonho de ser escritor, mas, como minha mãe dizia, eu precisava trabalhar para ajudar em casa”, lembra. “Não deixei a vida corporativa por dissabor ou tédio. Consegui até mais do que merecia e poderia ter ficado ainda muitos anos curtindo, mas comecei a pensar bem cedo em algo que pudesse fazer pelo resto da vida.” Gehringer publicou um livro, Relações desumanas no trabalho, com uma visão pra lá de crítica do meio. O livro vendeu pouco, mas rendeu o convite para que ocupasse a última página da revista Exame, na coluna “Comédia Corporativa”. Dali, avançou para o mundo das palestras e seminários, para a revista Época, para a CBN e, finalmente, para o Fantástico. Hoje, Max tem 15 livros lançados e sua participação no programa da TV Globo vai para cinco anos. “Se eu pudesse dar uma sugestão aos executivos, seria a de começar a planejar o fim da própria carreira cedo, bem antes que a empresa decida fazer isso por eles.” No fundo, o que move o lado bom do trabalho continua sendo o sonho: de zelar pela cadeia produtiva em um supermercado, ou de mudar de profissão radicalmente no Brasil.
Millenials
Estima-se que haja 2,3 bilhões de millenials (ou geração Y, a fornada que sucede os profissionais da geração X). Segundo o documentário All work and all play, são esses os profissionais que, “devido a sua mentalidade digital, líquida e coletiva, estão afetando o jeito que vamos trabalhar no futuro”. O filme em questão é um trabalho da Box 1824, empresa brasileira de pesquisa e inovação que, entre outras tendências, aponta para a necessidade de um ambiente de trabalho colaborativo, leve, divertido e estimulante. “Que é exatamente o oposto do modelo da Revolução Industrial”, diz Alexandre Teixeira, “que era baseado no comodismo: se você fosse leal à empresa, quem se comportasse, ficaria. Não seria demitido, ascenderia por tempo de casa, se aposentaria na mesma empresa, com sorte, seus filhos trabalhariam ali. Esse modelo foi destruído pela onda brutal de redução de níveis hierárquicos nos anos 1990, quando os gerentes foram esmagados, os organogramas se resumiram em bases com pouco poder de decisão e diretores com supersalários, bônus e metas inatingíveis fazendo o trabalho de uma dúzia de gerentes.”
Em seu clássico livro Liderança para tempos de incerteza – A descoberta de um novo caminho, a escritora Margaret J. Wheatley lembra que “nós, que fomos educados na cultura ocidental, aprendemos a pensar e a administrar um mundo que não é sistêmico nem interligado. É um mundo de separações e limites claros: tarefas compartimentadas, relações delineadas, funções e políticas que definem o que cada pessoa faz e o que esperamos que ela seja”. Em outras palavras, um sistema educacional preparado para um mundo em que a competitividade era medida pela padronização e rigidez, e não flexibilidade e coletividade. “As carteiras, organizadas em filas indianas, preparavam as crianças para a vida na linha de montagem”, diz Anderson Sant’Anna, professor da Fundação Dom Cabral. “O professor em cima de um tablado nos preparava para a autoridade do chefe na fábrica; os uniformes serviam para anular nossas individualidades.” Justamente por isso, o documentário All work and all play, embora não descarte a importância da educação formal, aposta que o modelo de formação dos millenials está muito mais ligado a cursos rápidos e informais (TED, Casa do Saber, Fronteiras do Pensamento... as opções se multiplicam). Realmente, pela lógica de quem vive a informação em tempo real, daqui a cinco anos os problemas serão bem diferentes dos de hoje.
“Trabalhar é transformar o caos em cosmo. Quem só zela pelo lucro do acionista só está fazendo empurrar o caos para longe de si. Mas há uma nova consciência surgindo em empresas como o supermercado Whole Foods”
No fundo, a ideia de que a vida é curta demais para ser desperdiçada em um trabalho com o qual você não se identifica, numa empresa cujos ideais você não compartilha, se conecta à discussão sobre felicidade. Que, Aristóteles à parte (“O prazer aperfeiçoa a obra”, já dizia o filósofo), é uma discussão bem recente. Basta lembrar que, no ocidente, foi apenas na década de 1990, com a criação do Índice de Desenvolvimento Humano, que o Produto Interno Bruto, a soma de riquezas produzidas, começou a ser questionado como a única forma de medir o sucesso de uma nação.
Mesmo nos meios acadêmicos a compreensão de felicidade sempre esteve próxima daquela proposta pela psicóloga Sonja Lyubomirsky, para quem “ser feliz é experimentar emoções positivas com frequência e sentir que a vida é boa” – uma definição confiscada pela publicidade, sempre disposta a nos oferecer uma nova possibilidade de emoção positiva todo dia. Foi apenas em 2009 que os professores Mathew P. White (da Universidade de Plymouth) e Paul Dolan (do Imperial College de Londres) propuseram um estudo dissociando prazer de satisfação. E descobriram que atividades não necessariamente agradáveis podem, sim, ser recompensadoras e nos trazer felicidade. Assistir à televisão nos dá prazer, mas não é gratificante. O trânsito não é nem prazeroso nem gratificante. O trabalho foi apontado como gratificante, mas não prazeroso.
E, finalmente, no quadrante compreendido como igualmente prazeroso e gratificante, aparecem o cuidado com crianças, a oração e, em primeiro lugar, o trabalho voluntário. O que nos leva à velha questão: o trabalho ideal é aquele que faríamos ainda que não fôssemos remunerados para fazê-lo. Faríamos voluntariamente.
Seja como for, todas as pesquisas os resultados apontavam para a mesma conclusão: o dinheiro só traz felicidade até o ponto em que ele supre as nossas necessidades básicas de moradia, alimentação, saúde e vestimenta. A partir daí, os dígitos somados no banco não guardam relação alguma com a taxa de felicidade medida – muito pelo contrário, a pressão pela conquista dos chamados “bens posicionais” tende a colocar o trabalhador numa roda-viva que costuma dragar sua saúde, sua família e sua própria capacidade de trabalho. Em outras palavras, passar a vida num trabalho penoso esperando a recompensa das férias e a aposentadoria não vai funcionar. E, ainda que funcionasse e fosse tão viável quanto na década de 1950, essa jornada iria te matar antes dos 50 anos.
Modo zumbi
Alexandre Teixeira chama de “modo zumbi” o modelo mental herdado da cultura industrial que, no fundo, alimenta apenas o consumismo: todos trabalham acima do razoável para ganhar bônus cada vez mais altos que são usados para alimentar um padrão de vida cada vez mais alto. Como efeito, as pesquisas já apontam que metade dos millenials estão empreendendo seus próprios negócios – ou, em vez de sonhar com uma estatal, sonham em trabalhar sem patrões.
Mais uma vez, os números colocam o Brasil como ponto fora da curva. Por aqui, o censo de 2010 mostrou que o número de empregos com carteira assinada cresceu: de 54,8% para 65,2%. O número de autônomos permanece estável: são 15,5 milhões de pessoas, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2009. Com tudo isso, vale notar dois dados interessantes: 23,1% dos trabalhadores empregados no Brasil dão expediente fora de escritórios; em segundo lugar, o Sebrae acredita que em dois anos o número de microempreendedores individuais (que hoje é de 2,5 milhões) deve ultrapassar o de micro e pequenas empresas.
As escolas ainda preparam alunos para um mercado de trabalho padronizado e rígido. Mas o novo padrão de competitividade exige flexibilidade e coletividade
“Somos um país emergente, decolando ainda, e quem está no mercado está sendo muito exigido”, diz Teixeira. “Praticamos jornadas e exigimos dedicação em níveis que não existem nos países desenvolvidos.” Mas o efeito esperado de tanto trabalho nos leva ao início deste texto: o tempo em que dinheiro torna-se uma commodity e o significado do trabalho passa a ser a nova moeda. “Hoje essa visão integral do trabalho ainda é vista com desconfiança”, admite Ari Raynsford. “Bem, para acionistas que esperam resultados a curto prazo e se orgulham de seu espírito predador, talvez não tenhamos a melhor receita.”
Seu colega de integralismo, Marcelo Cardoso, entretanto, acredita que o caminho é irreversível: “O tema ganha relevância nos departamentos de RH e vai ser indisfarçável quando as empresas simplesmente não conseguirem mais reter talentos, porque todas as mentes criativas estarão questionando os modelos vigentes e avaliando se, afinal, querem empregar sua criatividade e energia em uma marca com a qual não se identificam”. Caberá ao tempo, esse artigo tão raro e cada vez mais escasso, como sempre, colocar as coisas em seus lugares devidos.
*Conheça alguns casos de sucesso real no trabalho
Às favas
Ele deixou seu emprego num banco, mudou-se para os EUA, cursou administração, design e culinária e agora prepara seu retorno
Por: Eduardo Duarte Zanelato
Marcelo Meyer, 43 anos, passou os últimos 20 em diferentes cargos executivos em grandes corporações. Em 2011, decidiu se demitir sem nenhuma oportunidade em vista. Virou “dono de casa”, em Nova York. Muitos cursos depois, o executivo prepara-se para voltar a seu país como empreendedor.
Como você vivia essa vida de longas jornadas, metas e stress?
No início entendia como parte da minha formação, útil para ganhar experiência e criar parâmetros. Depois dá para entender melhor o quanto aquele pode ser seu modelo de vida profissional ou não. A partir de 2005 até 2011, quando me desliguei do banco onde trabalhava, comecei a ter uma visão mais crítica. Percebi que, para algumas dessas corporações, é mais importante seguir processos e manter o sistema do que ter um pensamento inovador. Isso começou a me frustrar. Eu sabia que tinha capacidade para questionar modelos, mas não encontrava um ambiente favorável.
O modelo de metas e bônus deixou de fazer sentido?
Foi o ambiente. Metas e prazos fazem parte, mas não acho correto inibir a criatividade. Empresas grandes obrigam seus profissionais a gastar metade do tempo cuidando da própria empresa, da burocracia e dos processos administrativos que as mantêm rodando. Esse tempo deveria ser gasto com o cliente ou em novos negócios.
E como decidiu mudar de país?
Minha esposa recebeu uma proposta para representar um escritório de advocacia em Nova York. E, como eu estava buscando viver coisas diferentes, aproveitei a oportunidade. Aqui, fiz um curso de culinária francesa de três meses. Também cursei design e administração. Isso serviu para olhar o mundo sob nova ótica, tentar entender que existem outros modelos e paradigmas.
Como essa experiência vai mudar a sua forma de trabalhar?
Tenho trabalhado para empreender um negócio próprio no Brasil. Procuro um ponto em comum entre o que temos como competência, paixão e oportunidade de mercado. Quero encontrar uma atuação que me dê tanto prazer no dia a dia que faça a relação entre vida pessoal e profissional ser uma coisa só. A motivação, hoje, está ligada a encontrar uma causa que faça sentido, para que eu possa dizer que deixei algo bom para alguém ou para o mundo.
Salto sustentável
Bob Burnquist vai além do skate e avança sobre os alimentos orgânicos e a moda
Robert Dean Silva Burnquist é um dos mais importantes esportistas brasileiros de todos os tempos. O carioca começou a andar de skate aos 11 anos e hoje, aos 35, é uma lenda sobre rodas. Como se o skate não fosse desafio suficiente, Burnquist decidiu empreender. Lançou uma marca de alimentos orgânicos – a Burnquist Organics – e firmou parceria com a C&A para lançar uma linha de roupas. Confira abaixo os melhores momentos da entrevista de Bob Burnquist para o Trip FM gravado em 30 de agosto, em uma recente passagem pelo Brasil:
Como você, que mora nos Estados Unidos há quase 20 anos, acompanha o atual momento do Brasil?
Eu tento acompanhar, até porque tenho uma empresa no Brasil, nós desenvolvemos negócios, parcerias. O que eu notava é que aqui rolava muito aquele “vamos deixar pra depois” etc. De uns tempos para cá, isso mudou, virou “vamos fazer acontecer”. Parece que as oportunidades estão se abrindo e tenho ouvido muito mais sim do que não.
Que espaço a Burnquist Organics ocupa em sua vida e em seus negócios?
Essa semente cresceu em mim justamente pelo fato de eu ter nascido no Brasil. Aqui, sempre comi muito bem. Sentia muita falta disso quando me mudei para os Estados Unidos. Eu comia naquelas lojas de conveniência e, uma semana depois, meu corpo já estava todo mudado. E isso afetava meu desempenho no skate. Já havia lido Fast food nation, do jornalista Eric Schlooser, sobre comida processada, quando, enquanto dirigia entre San Francisco e Los Angeles, parei em uma loja para comer um sanduíche. De volta à estrada, passei em frente a uma fazenda que mais parecia um mar de vacas, apertadas, e naquele momento senti uma coisa muito estranha. “Cara, eu tô com uma delas aqui dentro de mim!” Aquilo mudou minha visão. Houve outro episódio, nos Estados Unidos, quando eu passei em frente àquelas casas, todas iguais, e notei que a construção era sempre de madeira. Eu estava acostumado com alvenaria, e pensei na Amazônia. Comecei a fazer minhas próprias escolhas para minha vida. No início eu pregava bastante, mas com o tempo vi que a melhor pregação é agir. Em 2001, abri meu restaurante [Melodia, em Leucadia, Califórnia] e minha família foi trabalhar com a gente. E foi uma época realmente mágica. Entregávamos comida brasileira, muito boa, frutos do mar, açaí. E fomos muito bem aceitos. E, enquanto o restaurante não me ocupava tanto o tempo, eu abri o Burnquist Organics, que supria o restaurante. Em certo ponto, 80% dos vegetais vinham do meu quintal, e era tudo orgânico. Mas aí veio o 11 de setembro, os ataques terroristas, e as pessoas pararam de sair para jantar. Justamente numa época que a gente precisava do retorno, por causa do investimento. Aquilo meio que quebrou o restaurante. Mas foi um aprendizado. Levei um tombaço, mas levantei com uma nova ideia: emprestar meu nome para alguma rede, começar um negócio de licensing. Ali mesmo, no restaurante, tivemos a primeira reunião, onde foi criada a ONG Asec (Action Sports and Environmental Coalition, “coalizão de esportes de ação sobre sustentabilidade”). Reunimos o mercado de skate para que a gente comprasse algodão orgânico juntos, mudasse a cultura dentro das empresas, adotasse práticas mais sustentáveis. Começamos como uma empresa com fins lucrativos e viramos uma ONG. Ao mesmo tempo, como eu falava muito sobre sustentabilidade, minhas parcerias começaram a encaixar produtos com essa característica. Há dois anos, a Oakley lançou seu primeiro produto sustentável, que foi meu óculos de assinatura, o Bob Burnquist Gas Can, feito com tudo o que sobrava da produção de outros óculos. E o que sobra dos meus óculos vai para a Black&Decker, uma empresa ali do lado, usar na produção de furadeiras.
E a sua linha de roupas com a C&A? Você virou estilista?
Isso é muito louco, porque a minha parceira internacional de roupas é a Hurley. Fazemos muitas coisas legais, interagimos no mundo inteiro. Só que, vindo sempre ao Brasil, comecei a reparar que, muitas vezes, as pessoas queriam ter acesso às minhas roupas e não tinham, por causa da distribuição ou do preço. Daí rolou essa oportunidade de firmar parceria com a C&A e achei muito interessante. E veio essa ideia de fazer essa roupa para a molecada com uma identidade de skate e com um preço acessível. Superlegal. Recentemente, no evento da MegaRampa, vi muito moleque com meu boné, com as camisetas e tal. Então senti que eu consegui suprir uma necessidade, o que me deixou muito feliz.
Jornada Dupla
Paulo Thiago equilibra a carreira no UFC com suas obrigações de soldado do BOPE em Brasília
Por: Eduardo Duarte Zanelato
A fala mansa e o espírito pacífico não combinam com a imagem do grandalhão que já derrubou alguns dos dez melhores lutadores do UFC. Baseado em Brasília e adepto das artes marciais desde os 5 anos, o soldado Paulo “Caveira” Thiago, 31 anos, do Batalhão de Operações Especiais de Brasília, está no plantel do UFC desde 2009. Estreou nocauteando um dos dez melhores do mundo à época, Josh Koscheck e promete interromper a má fase (três derrotas nas últimas quatro lutas) em novembro, quando enfrenta o coreano Dong Hyun Kim, no UFC China.
Como você equilibra as duas funções, lutador e soldado?
São duas situações que envolvem uma adrenalina muito grande. Só que nas artes marciais, é uma luta justa: um atleta contra o outro, os dois preparados, com um juiz no meio. Dá para saber mais ou menos o que vai acontecer. Na rua você não sabe o que vai ser, porque bandido não tem pena de polícia. A vida está em risco, então tem sempre uma tensão, não só para proteger a sua vida, mas a do cidadão e a do próprio bandido.
Como você acumulou os dois trabalhos?
As artes maciais estão na minha vida desde que eu me conheço por gente. Minha mãe me colocou para lutar judô desde os 5 anos de idade. Depois passei por tae kwon do, caratê, até que entrei no jiu-jítsu, de 14 para 15 anos. Dois anos depois comecei a lutar boxe e passei a competir nas duas modalidades. Em paralelo, entrei na polícia em 2003. Precisava de um emprego, de estabilidade financeira. Nem pensava no Bope, mas fiquei alguns meses no serviço de rua até que um dia vi um cartaz das inscrições do curso de operações especiais. Passei no curso, que era muito difícil, e estou lá até hoje. Comecei a trabalhar no batalhão em 2005. No mesmo ano, em julho, estreei no MMA.
Como você faz quando tem lutas como a de novembro, na China?
Geralmente tiro férias, abono ou mesmo uma licença. Vamos tentando encaixar com o tempo que tenho disponível.
Você pensa em parar com alguma das duas atividades?
Quero me aposentar na polícia. No MMA, vou até onde meu corpo aguentar
O jegue estava certo
Como a visão de um jegue sincero numa praia da Bahia transformou um diretor de marketing em terapeuta espiritual
Por: Eduardo Duarte Zanelato
Até 2001, ele se apresentava como Fabio Abreu, diretor de marketing da MTV Brasil. Vivia num loft descolado na Vila Madalena, tinha um trabalho que o credenciava como um cara bacana e ia a festas com a nata hipster paulistana. Depois de um inusitadíssimo encontro transcendental com um “jegue de luz”, ele largou tudo e foi repensar a vida. Virou “Fabio Novo”, terapeuta e coach profissional. Hoje, aos 48 anos, defende a holossíntese, teoria pela qual devemos conectar nossos sonhos à nossa vida e fazer do trabalho uma forma de realizá-los.
O que motivou sua crise existencial?
Primeiro, uma angústia pessoal de insatisfação. Era curioso. De um lado, eu olhava para aquilo e parecia perfeito: morava num loft na Vila Madalena, era diretor da MTV, tinha uma vida alegre e divertida, ganhava bem. Tinha tudo. Mas alguma coisa estava errada. Percebi que faltava um significado maior no trabalho. Ele estava desconectado de sentido – e essa falta de sentido era a origem da insatisfação que me levou a sair.
Teve algum episódio que fez você querer sair?
Olha... Teve um episódio... [risos] Não vou te contar, veja o vídeo da palestra que fiz no TEDx, ano passado [nota: no vídeo, ele afirma que, no meio de um dia quente em Caraíva, Bahia, deparou-se com um “ser de luz”, na verdade, um jegue, que o questionou: “Eu sou um jegue, mas estou sendo 100% jegue. E você, quem é? Está sendo o que você é?”, ao que Fabio diz: “Eu pensei: realmente, esse jegue está certo!”]. Tive um insight bem profundo e vi que faltavam algumas coisas muito importantes. E ali vi que tinha acabado minha carreira. Isso foi em janeiro de 2001 e, em março daquele ano, saí da TV. Mergulhei em mim mesmo e fui descobrir qual era a causa daquilo. Fiz tudo o que você pode imaginar de cursos, retiros, práticas de meditação, ioga. Viajei o mundo, fui para o Oriente... Fiquei três anos viajando e me conhecendo, experimentando. Ao longo desse processo, as coisas começaram a se organizar e vi que meu caminho era ser terapeuta.
Qual linha terapêutica você segue?
Sou formado em psicossíntese, uma abordagem psicoespiritual de desenvolvimento humano. E estou desenvolvendo uma abordagem própria, a holossíntese.
Qual é a principal queixa dos seus clientes?
O stress. Mesmo quem não está numa grande corporação vive uma vida urbana e estressante. As pessoas chegam ao ponto de ficar extenuadas, completamente desenergizadas. É um modelo de gestão que consome as pessoas. Será que tudo aquilo vale a pena?