Hacienda Nápoles: o Animal Kingdom do narcotráfico
Visitamos a fazenda onde viveu Pablo Escobar, um santuário de 22 quilômetros quadrados com elefantes, girafas, cangurus, zebras e a maior manada de hipopótamos vivendo em liberdade fora da África
Já imaginou ter só para você, sua família e amigos, um pedaço das savanas africanas, das florestas asiáticas, das planícies australianas... Um santuário particular de mais de vinte quilômetros quadrados – ou 22 vezes o Parque do Ibirapuera, em São Paulo – com elefantes, girafas, cangurus, zebras, leões, gazelas, tigres, avestruzes e outra centena de espécies de animais? Parece algo inimaginável, ou um parque temático da Disney, mas não é. Para o maior e mais famoso narcotraficante do mundo, Pablo Emílio Escobar Gaviria, nem o céu era o limite. Talvez justamente por isso ele tenha escolhido enfeitar o antigo portal de entrada da sua lendária fazenda com uma de suas aeronaves particulares.
A Hacienda Nápoles se tornou a propriedade mais famosa e controversa das muitas que Escobar tinha nos arredores de Medellín. O líder do maior cartel de drogas da Colômbia nas décadas de 80 e 90, responsável por fornecer 80% da cocaína mundial, chegou a faturar 420 milhões de dólares por mês e figurar na sétima posição entre os mais ricos da revista Forbes, com uma fortuna estimada em 25 bilhões de dólares.
Depois da morte de Pablo Escobar, em 2 de dezembro de 1993, a Hacienda Nápoles ficou abandonada, em uma disputa judicial que se arrastou por anos entre o governo colombiano e seus herdeiros. Muitos dos animais que lá estavam foram doados ou vendidos para zoológicos da Colômbia ou do exterior e muitos até mesmo morreram de fome. Depois de resolvido o imbróglio jurídico, a gigantesca área da fazenda passou a pertencer ao governo e foi arrendada por uma empresa privada que hoje administra um verdadeiro complexo de entretenimento, abrigando seis hotéis, museus, parques aquáticos, zoológico e até um safári.
Mas uma espécie animal se adaptou perfeitamente à região. Os “hipopótamos de Escobar”, como são conhecidos os mais de 40 animais que ainda habitam a fazenda e os lagos e rios do entorno, são a maior manada da espécie vivendo em liberdade fora da África. Personagens de documentários e das dezenas de filmes e séries que retratam a vida e história do narcotraficante – incluindo Narcos, da Netflix, protagonizada por Wagner Moura –, os hipopótamos são a grande atração da Hacienda Nápoles e sempre foi um sonho pessoal vê-los de perto.
No início de janeiro, estava em Bogotá, capital da Colômbia, cumprindo uma quarentena obrigatória antes de embarcar rumo aos Estados Unidos para filmar a posse do presidente americano Joe Biden para o programa que dirijo e apresento na GloboNews, Que Mundo É Esse?. Depois de sete dias trancados em um quarto de hotel, eu e meu parceiro, Michel Coeli, descobrimos que o parque estava funcionando – com regras sanitárias e restrições, além de um número limitado de ingressos e acessos por dia. Comprei os ingressos pela internet, aluguei um carro e partimos rumo à província de Puerto Triunfo, na cidade de Antioquia, que fica a 249 km de Bogotá. Uma viagem de quatro horas descendo a serra da Cordillera Oriental, cadeia de montanhas e florestas lindíssima, em uma estrada de curvas sinuosas.
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Ao chegar ao local indicado pelo GPS, me surpreendi com o enorme portal de entrada no melhor estilo parque temático da Disney. Tudo seguindo uma estética tribal “africana” – mesmo estando a milhares de quilômetros da África e mais próximo da costa do Pacífico. O calor e a umidade implacável que sentimos ao abrir a porta e deixar do ar-condicionado do carro nos fez começar a entender por que Escobar escolheu aquela região para realizar seu sonho megalomaníaco.
Você pode transitar pela gigantesca área do Hacienda Nápoles com seu próprio veículo, mas escolhemos contratar um guia local, que te leva pelo passeio em pequenas motos conhecidas como tuk tuk. Nosso guia se chamava Andrés e sabia tudo sobre a história de Pablo Escobar, a quem só se referia como lo antigo dueño. É evidente o respeito e até fascínio que existe entre os colombianos com a figura controversa de Escobar, mas os atuais donos da fazenda preferem que os funcionários evitem pronunciar seu nome.
Pedi para que Andrés nos levasse direto ao lago onde os vivem os hipopótamos. No caminho, ele contou que esses animais são conhecidos por serem extremamente territorialistas e violentos, responsáveis pelo maior número de ataques fatais a seres humanos nas savanas africanas. Quando Escobar mandou importar os hipopótamos, eram apenas quatro. Como a região de Puerto Triunfo tem muitos lagos e rios que se conectam em uma rede fluvial ampla e rica em peixes, plantas e outras espécies animais, eles se adaptaram tão bem que viraram seis, depois dez, vinte, e hoje vivem ali mais de quarenta hipopótamos. A manada passou a se locomover para além do perímetro da propriedade e atacar vilas, plantações e até mesmo outros animais, assustando moradores e se tornando um verdadeiro problema para o governo. Depois de um período conturbado, onde se cogitou até matar alguns dos hipopótamos, as autoridades locais, ao lado de biólogos e da nova administração do parque, conseguiram contornar o problema e preservar os animais.
Chegando ao lago deu pra avistar bem, mesmo que distantes, um grupo com cerca de trinta hipopótamos. Me bateu uma animação quase infantil, de quem queria contar imediatamente para todo mundo: “Olha, os hipopótamos do Escobar!”. Fiquei uns vinte minutos só admirando e pensando que, ao menos para aqueles animais, a incompreensível obsessão humana de possuir e dominar outros seres vivos não lhes parecia tão ruim. Eles estavam ali naqueles grandes lagos, soltos, livres, lindos! Ver os hipopótamos deu aquela sensação de missão cumprida, mas ainda tinha muito pela frente. O guia nos levou para ver elefantes, zebras, suricatos, avestruz, leões, leopardos e até um “parque jurássico” de gosto bem duvidoso, com esculturas de dinossauros em tamanho real.
Como jornalista, meu interesse estava voltado para a história daquela fazenda nos tempos em que pertenceu a Pablo Escobar. Andrés nos mostrou onde era a pista de pouso da propriedade e o local da antiga casa do narcotraficante. As duas edificações não existem mais. A praça de touros também desapareceu e foi transformada no Museu Africano, com esculturas, máscaras e instrumentos rituais de países da África.
No alto de uma colina, onde funcionava um estábulo para cavalos, foi construído o Museo Memorial, que conta um pouco da história de violência da era de Escobar na Colômbia. Bem na entrada do museu foi colocado o portal original da Hacienda Nápoles – aquele que tinha como decoração uma de suas aeronaves particulares. Fotos de policiais, juízes e agentes públicos mortos por Escobar e seu violento cartel estão expostas em um emocionante memorial montado no museu. Também figura logo na entrada um curioso painel fotográfico com atores que já interpretaram o narcotraficante no cinema e TV – o ator brasileiro Wagner Moura, da série Narcos, está lá.
Ao caminhar pelo museu é possível ver dezenas de capas de jornais e revistas do mundo todo onde Pablo Escobar e sua organização criminosa foram destaque nos anos 80 e 90, cartazes com recompensas por sua captura e fotos do narcotraficante em situações inusitadas, como visitando a Casa Branca, em Washington, com um de seus filhos, ou cavalgando em uma zebra pela fazenda.
Mas o que mais me chamou atenção foi a forma explícita como a sua captura e morte é retratada no museu. Uma foto em backlight bem grande mostra Escobar baleado no rosto, ensanguentado, caído em cima do telhado cercado por policiais sorridentes. Ao entrar nessa sala, ouvi uma criança chamando sua mãe que caminhava mais atrás: “Venha aqui, mamãe, vem ver o Pablo Escobar morto”. Aquela cena toda me pareceu revelar o quanto a imagem e a história de Escobar se confundem com a própria história recente da Colômbia.
Pablo Escobar, ex-ladrão de cemitérios, filho de um agricultor e de uma professora, era visto como um benfeitor nas favelas de Medellín, a segunda maior cidade da Colômbia, com mais de 4 milhões de habitantes. Ele erguia casas populares e construía campos de futebol. Por outro lado, mandou assassinar três candidatos a presidente, um ministro da justiça, um procurador-geral, explodiu um avião com 107 pessoas a bordo e planejou a invasão terrorista da Suprema Corte que terminou 89 mortes, entre 11 juízes. O personagem que habita tanto as lembranças de quem viveu os horrores dessa violenta era dos carteis de drogas quanto o imaginário das novas gerações que o conhecem pelos filmes existe entre o vilão e o mito.
Para aliviar o clima pesado, nossa visita à Hacienda Nápoles nos reservava uma última surpresa: Vanessa, a mascote do parque. Vanessa tem atualmente catorze anos e é a Rainha de Nápoles. É uma hipopótamo que foi abandonada e rejeitada por seu rebanho quando ainda era recém-nascida, em 2007.
Ela foi encontrada e resgatada por um grupo de veterinários e funcionários do parque, que tiveram que importar produtos para produzir um suplemento nutricional com todos as vitaminas necessárias para o crescimento deste enorme mamífero. Vanessa nunca conseguiu crescer como o esperado, justamente pela mudança na dieta alimentar e por não ter sido amamentada nas primeiras semanas e anos de vida, mas se acostumou com a presença de humanos.
As crianças que vêm ao parque gostam de gritar seu nome, mas apreciam ainda mais quando ela sai da água, passa por uma pequena ponte e chega a um tablado onde abre a sua mandíbula em frente aos turistas, que entregam verduras para conseguir tirar uma boa foto. Parece um animal de estimação gigante que gosta de uma cenoura e do carinho dos visitantes desse parque tão controverso quanto surpreendente, cheio de história, beleza e, por que não dizer, esperança. #ChupaDisney
Créditos
Imagem principal: Rodrigo Cebrian