Feira das feiúras

Rabiscos, linhas tortas e desproporção são obras de arte na Feira Des.gráfica

por Carol Ito em

Proporções perfeitas, traço realista, pintura impecável, tudo que agrade ao olhar: eis os ingredientes do trabalho de um bom desenhista. Certo? A se julgar pela Feira Des.gráfica, completamente errado.

Em sua segunda edição, o evento das editoras Ugra Press e Antílope que entra em cartaz na sexta-feira no Museu da Imagem e do Som (MIS) “foi todo pensado para atender o pessoal do fundão dessa sala de aula um tanto excludente que é o mercado editorial”, como explica o curador, Rafael Coutinho. O foco são quadrinhos experimentais e artes gráficas que propõem desafiar padrões estéticos e narrativos – e que, consequentemente, acabam tendo menos repercussão entre o público.

Primeira edição da feira Des.gráfica, em 2016, no MIS - Crédito: Divulgação / MIS

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A ideia é reunir 100 expositores de várias regiões do país, além de editoras independentes, como Mino, Lote 42, Narval, e Veneta, para celebrar este que é um dos melhores momentos da história dos quadrinhos com um respiro da cena mais tradicional. "Tudo que não queremos, nós profissionais e amantes do meio, é que se torne engessado e homogêneo, que pare de apontar para o novo, para o estranho, pra tentativas e acertos fora do usual", afirma Coutinho, que também é quadrinista.

Nesse nicho dos quadrinhos estranhos, o que se persegue é aquilo que, a olhos leigos, pode parecer amador, malfeito, infantil, sujo ou simplesmente feio. E são vários os artistas da cena que nos convidam a abandonar os velhos maniqueísmos para entender que toda forma de expressão vale a pena. Pensando nisso, compilamos aqui uma lista desses mestres e mestras dos desenhos feios.

JACA

Capa do zine "Desenho Feio", do ilustrador JACA - Crédito: JACA

Autodidata e experiente em estéticas "descompromissadas", JACA  não faz esboços e, geralmente, usa caneta esferográfica, no esquema tudo ou nada. "Talvez seja um jeito de dizer que qualquer pessoa pode desenhar a qualquer hora e em qualquer situação." Começou a trabalhar como ilustrador aos 15 anos, em 1972, com cartazes publicitários e jornais de Porto Alegre e São Paulo. Hoje, é representado pela galeria Choque Cultural e assina séries de desenhos que divide entre as categorias DSV (desenhos sem vontade), DCS (desenhos com sono), DPS (desenhos para salvar), DesenhoCop (uma mistura de ideias aleatórias) e os zines Desenhos Feios, que costuma trocar em feiras de quadrinhos. "É um sistema para catalogar minhas experimentações, tipo uma brincadeira comigo mesmo", explica.

Tais Koshino

Quadrinhos de Tais Koshino na coletânea Topografias, que será vendida na Des.gráfica - Crédito: Tais Koshino

"O que gosto no desenho é o absurdo: linhas tortas, formas disformes, erro de perspectiva." A brasiliense Tais começou a publicar fanzines em 2011, junto com a ilustradora Livia Viganó. "As pessoas achavam muito legal o fato de a gente publicar, mesmo com nossas capacidades técnicas e artísticas não tão boas", relembra. Criadora do selo de quadrinhos independentes Piqui, ela foi selecionada pela convocatória da Des.gráfica deste ano, com direito a publicação de um livro após o evento. E não é de hoje que nota cada vez mais interesse por esse tipo de estética. "É legal perceber cada vez mais espaços pra isso, tanto no mundo dos quadrinhos quanto nas galerias e na tatuagem", comemora.

Heron Prado

HQ de Heron Prado, publicada na revista O Miolo Frito - Crédito: Heron Prado

"Proto-quadrinho-bizarro", é assim que o mineiro Heron Prado classifica seu livro Brainstorm, selecionado pela Des.gráfica no ano passado e publicado com o selo da própria feira. Noutras palavras, ele considera seu trabalho como um experimento sem grandes pretensões. De certa forma, foi essa mesma habilidade de encarar na esportiva que o alavancou ao meio, depois de um chega-pra-lá no fim da faculdade de arte, quando um professor disse que Heron havia "desaprendido a desenhar" ao longo do curso. "Não sei se queria me tirar, mas peguei como elogio", lembra ele.

Rita Juliane

Quadrinho da série "As fantásticas aventuras de ser mulher", de Rita Juliane - Crédito: Rita Juliane

A gaúcha é autora da HQ A fantástica aventura de ser mulher, em que narra episódios do cotidiano feminino. Os desenhos de palitinho não impediram que a página no Facebook chegasse a mais de 100 mil curtidas. "Não sei se é feio, acho que desenho é algo estranho de qualificar. Mas não acho bonito também", diz Rita. Por trás dos desenhos quase infantis existe uma estratégia política: "Com a simplicidade do desenho, anulo estereótipos. Porque são todos palitos no fim. Mudo algumas coisas nos rostos, mas não se tem ditadura da beleza. A personagem pode ser qualquer uma".

Bruno Maron

Cartum da série Dinâmica de Bruto, de Bruno Maron - Crédito: Bruno Maron

"Acabo entrando na brincadeira quando alguém vem me falar que acha meu desenho sujo ou podre. No fundo, gosto, porque tenho a impressão que a feiúra incomoda. E o incômodo é um elemento que realça muito a crítica humorística", diz o autor das tiras Dinâmica de Bruto. Bruno conta que queria desenhar bem no começo, mas que sempre se frustrava. Então, decidiu abraçar o ofício do desenho feio. "Pode parecer esquisito, mas dá pra buscar uma excelência na precariedade."

Flavia Brioschi (Flavussh)

Ilustração de Flavushh - Crédito: Flávia Brioschi

É quase impossível olhar para os desenhos da ilustradora e não pensar no quão maravilhosos e bizarros são ao mesmo tempo. Ela publica seus trabalhos na página Flavushh, do Facebook, e não costuma refletir sobre se o desenho é feio ou bonito, só acha que a "pira da busca pelo 'belo' é uma grande babaquice". Os desenhos feitos por crianças a inspiram, pois, segundo ela, ainda "não tiveram sua criatividade e expressão artística podadas de maneira alguma".

João Victor Rabello

HQ da série "Quadrinhos Perturbados", de João Victor Rabello - Crédito: João Victor Rabello

João Vitor Rabello é autor do blog Quadrinhos Perturbados,  de tirinhas de humor nonsense. Junto da fotógrafa Gabriela Leite, ele toca a editora independente Avocado, que está na lista de expositores da Des.gráfica deste ano. "Acho que os desenhos mais legais têm personalidade. Gosto dos bizarros, expressões espontâneas de artistas pirados. O desenho não precisa ser bonito para contar uma boa história", diz.

 

Vai lá: Feira Des.gráfica, de 3 a 5 de novembro, no MIS (av. Europa, 158 - Jardim Europa, São Paulo)

Créditos

Imagem principal: Tais Koshino

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