Especial 32 anos de Trip: Alimentação
Selecionamos as imagens, ideias, reportagens e personagens que refletem a visão da Trip para a alimentação
Neste ano, em que celebramos o 32º aniversário da Trip, decidimos selecionar imagens, ideias, reportagens e personagens que, ao longo dessas décadas, traduzem com graça nossos temas de interesse e nos ajudam a clarear o olhar da revista para o mundo.
São 12 os pilares que fundamentam nosso projeto editorial: Corpo, Alimentação, Trabalho, Sono, Teto, Saber, Liberdade, Biosfera, Conexão, Diversidade, Acolhimento e Desprendimento. Foi um mergulho prazeroso e profundo em nossa história.
Todo este conteúdo foi acrescido de informações e novas entrevistas com personagens que protagonizaram passagens importantes da trajetória da Trip. Seguimos sempre em frente.
2006
#143 | Tema: Felicidade é comer bem
Boca-livre
Por Luiz Alberto Mendes | Foto de Rubens Amatto
Restaurante Fasano, Jardins, centro da burguesia paulistana. Havia sido convidado a jantar pelo dono, Rogério Fasano. Ele estava curioso para saber como foi minha vida na prisão. Chegou o prato principal: gamberoni rosa con lardo di colonnata al vapore. Camarão com creme de espinafre e uns tomatinhos com batatas ao vapor. Demorei horas mastigando e dando voltas na boca com aqueles pedaços de camarão. Jamais comi algo tão saboroso. Na minha extensa ignorância, pensei na comida da prisão. Aquele arroz empapado ou cru, feijão duro a fazer tim-tim na bandeja. Pedaços inteiros de músculos com carne sem tempero, cheios de gordura e sebo que não dou nem para meus cães. Isso quando não passávamos meses só com salsicha, ovo ou repolho cozido. Realmente, quem tem dinheiro vive bem. Muito melhor do que eu imaginava. Cheguei em casa, caí na cama e desmaiei.
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E agora?
Colunista da Trip há 17 anos, Luiz Alberto Mendes passou 31 anos preso e está solto há 15. Lançou 11 livros, entre eles, Memórias de um sobrevivente (2001), e tem outros três inéditos. Mendes não voltou ao Fasano. “Escritor tá sempre duro”, diz.
2006
#143 | Tema: felicidade é comer bem
Nu e cru
Por Fernando Paiva | Foto Marcos Vilas Boas
Principal chef do país, Alex Atala acha que a gastronomia virou a coisa mais pentelha do mundo. O ex-punk explica por que estende seu dedo do meio para o afrescalhamento da arte de comer.
Trip. Como você entrou no negócio da comida?
Alex Atala. Entrei sem querer, cara. Entrei porque eu era um punk maluco e queria mo-rar fora do Brasil. Fui para a Bélgica em 1989, precisava ga-nhar uma grana, fui pintar parede. Pintando pare-de, descobri a cozi-nha e comecei a ganhar uma grana cozi-nhando. Ou seja, atirei no que vi e acertei no que não vi.
Sair muito na mídia é para trazer mais clientes ou é só chinfra? Quero ser um cara acessível, por isso atendo bem qualquer pessoa. Pode ser jornalista, vendedor de bebida, fornecedor. Acho isso fundamental, porque parte da barreira que quebrei no Brasil é essa coisa de que chef tem de ser francês ou tem de ser gringo ou tem de ser popopó. Gastronomia virou a coisa mais babaca e pentelha nos últimos anos…
Por quê? Porque é muito cheia de invólucro, de novo riquismo, e não precisa disso. Uma boa comida pode ser um sanduíche na esquina – desde que haja bons ingredientes e um bom procedimento; pode ser uma coxinha, um pastel. Comida boa é bom ingrediente e bom método.
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E agora?
Desde 2006, o D.O.M. apareceu em todas as edições da respeitada lista World’s 50 Best Restaurants, chegando a ocupar a quarta posição em 2012. Hoje, é o 30º colocado. Em 2016, Atala protagonizou um dos episódios da série Chef’s Table (Netflix), que perfila os principais chefs do mundo. Nada mal.
2008
#165 | Tema: alimentação
O cozinheiro do apocalipse
Por Kátia Lessa | Foto Charlie Drevstam/still do filme Last Supper, de Bigert & Bergstrom (2005)
Bom apetite e adeus. Durante mais de dez anos, Brian D. Price foi o preso responsável pela última ceia de 211 homens. Todos à espera de uma injeção letal no corredor da morte mais movimentado dos Estados Unidos, o do Texas. Em 2004, um ano após sua primeira refeição fora da cadeia, reuniu as histórias por trás dos pratos e publicou Meals to die for (Comidas de morrer, em tradução livre), livro de 503 páginas, ao longo das quais ele discorre sobre as despedidas gastronômicas. O chef oferece também mais de 40 receitas, os hits do corredor, que ele nomeia de forma sombria, como Frango à Câmara de Gás e Batata Frita Obituário. “O primeiro prato que preparei foi para um homem chamado Laurence Buxton, em 1991. Ele pediu filé-mignon, bolo de abacaxi, chá gelado e café. Nós não tínhamos filé no presídio naquele dia, por isso ele recebeu um t-bone. Em 1994, a diretoria decidiu que todos que pedissem carne deveriam receber um hambúrguer. Foi terrível”, contou.
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E agora?
Em 2008, anos depois de cumprir sua pena por sequestro, Brian abriu o próprio restaurante, o The Way Station, na pacata cidade texana de Crockett. Em 2011, o estado do Texas parou de permitir que os detentos escolhessem suas últimas refeições.