Washington Olivetto para comprar
A melhor campanha publicitária feita por Washington Olivetto está em andamento há 50 anos. O produto? Ele mesmo
“Não conheço nenhum problema que seja resolvido só com propaganda”. Washington Luiz Olivetto, eleito pela Associação Ibero-Americana de Publicidade o mais importante homem de propaganda do século – passado –, comemora este mês 50 anos de vida e 15 anos de W/Brasil fazendo uma das coisas de que mais gosta: falar de si mesmo. WO se ama e não tem problemas em admitir isso: "Que sou vaidoso, obviamente é verdade” e “me acho um sujeito humilde, mas não o modestinho".
Motivos não faltam. Com 47 Leões, o paulistano Olivetto é o mais premiado publicitário em Cannes – o Oscar da propaganda –, e criador da campanha mais longa da história mundial (a do garoto Bombril, no ar desde 1978). Seus 30 anos de profissão protagonizam uma era em que os publicitários brasileiros saíram da esfera empresarial para se tornarem verdadeiros pop stars, deuses da criação cujo toque genial transformaria uma frase inteligente em milhões de dólares. E sabão em pó, em pó de ouro.
Proprietário da W/Brasil, uma das agências mais criativas do país, cantada por Jorge Benjor e biografada, sob encomenda, pelo escritor Fernando Morais (de Olga e Chatô), WO é ainda mais brilhante na manipulação de sua imagem: nascido a 29 de setembro, dia de São Miguel Anunciador, padroeiro dos publicitários, embora tenha estudado Comunicação e Psicologia (sem concluir os cursos), ele transpira propaganda. Mesmo seu discurso é baseado em slogans – tão apaixonado pela profissão, WO chega a comparar, nesta entrevista, o divórcio da primeira agência em que fez fama, a DPZ (para fundar a W/Brasil, em 1985), à separação da primeira mulher, Ana Luiza, mãe de Homero, 27 anos (para casar-se com Patrícia Viotti, com quem não teve filhos).
Apesar de tanto apego à imagem, na conversa franca com este corinthiano roxo – numa roda que incluiu o editor da TRIP Paulo Lima, o designer Rafic Farah e o diretor de conteúdo do IG Matinas Suzuki Jr. –, EUwashington (como é conhecido pelos colegas mais maldosos) abandonou um pouquinho seu assunto favorito para falar de Brasil, futuro da publicidade, TV, drogas, política, juventude, pais e filhos, mentiras e verdades em propaganda. À vontade, WO deu declarações surpreendentes para um vendedor – genial , diga-se: "Publicidade é mais assunto do que mereceria ser".
O Brasil está dentro do nome de sua empresa. Como veria o Brasil de outra perspectiva – de fora? Não acho que o Brasil fique na América do Sul. Essa identificação com o Mercosul não tenho na cabeça. O Brasil é um corpo à parte, como a China. Fui à China dar uma palestra, e o que me espantou lá foi eles terem o mais moderno e o mais antigo país do mundo simultaneamente. O aeroporto de Xangai deixa o de Paris e o de Barcelona como o Cingapura do Maluf. É impressionante a arquitetura e a grandiosidade. Fui à Tailândia também, que é uma coisa de doido. Me aconteceu uma experiência engraçada... uma fama que eles têm é a dos alfaiates tailandeses que fazem ternos em dez horas. Entrei às dez e meia da noite numa porta onde estava escrito "Gucci, Zegna, Armani". Pedi um Armani. O alfaiate pegou o catálogo e me deu para escolher modelo, tecidos, forro, botões, etiquetas... Não queria etiqueta Armani, escolhi uma "New Hong Kong Taylor", e o cara se irritou: "Mas aí vão ver que não é Armani". O alfaiate explicou que havia 194 alfaiates fornecendo para nomes famosos e para quem estivesse por ali, 24 horas por dia. Você está no lugar mais paradisíaco, o hotel mais incrível do planeta. Naquela rua é tudo falsificado e aí você entra numa transversal e tem botequins todos abertos, música, frutas, drag queens, ringues de boxe ao ar livre com kick boxing e os caras tomando whisky com energético, go go girls com oitenta meninas numeradas e os celulares delas no banheiro. Voltando à pergunta: não acho o Brasil de Terceiro Mundo – é um outro jeito de ser Primeiro Mundo. Nessa viagem, fiquei um dia em Paris. Falei para a minha mulher: "Reparou quantas vezes ouvimos Tom Jobim nessa viagem?". As pessoas não têm consciência disso: o Tom é a trilha sonora do mundo. Ouvi Tom em Xangai, em Saint- Tropez, em Paris. O Brasil não capitaliza essas coisas, se comunica folclorizando seu subdesenvolvimento.
Você relaxa nessas viagens ou fica sempre meio pilhado? Falo com a agência a cada dois dias, para saber o que acontece. Só assim relaxo. O que relaxa é sair pouco de casa e viajar no fim de semana. Às vezes, entro sexta-feira à noite e saio segunda de manhã. O último fim de semana passei em casa, li pra cacete. Minha relação com música também me relaxa muito.
Sua mulher reclama, gostaria que você ficasse mais relax, mais com ela? Mas eu fico, me divirto muito. Tenho uma coisa curiosa... em duas cidades do mundo eu não poderia morar porque, se tivesse morado, teria caído na bandalheira loucamente: Rio de Janeiro e Saint-Tropez. Minha vida teria sido diferente, pois, como sou muito trabalhador, se entro numa de ser vagal, fico um vagabundo profissional... Mas minha mulher não reclama, apesar de umas idiossincrasias. Sou o pior cara para uma mulher ter ao lado em época de Olimpíada, porque adoro esportes, então boto despertador às quinze para as quatro da manhã para ver uma eslovena arremessar dardo – e ainda exijo participação.
Você tem alguma neurose, algum medo? Pressão no trabalho, competitividade... Não. Desde cedo fui um avião consertado em pleno vôo. Aprendi a ler cedo – fiquei dos quatro aos cinco anos imobilizado, tive um vírus que não se localizava... Isso mudou minha vida totalmente, me botou numa situação de privilégio de poder tirar a escola de letra e tal. Comecei a ler cedo, trabalhar cedo e tudo deu certo cedo. Nisso, desenvolvi uma capacidade de rir de mim mesmo. Todo mundo nasce para fazer algo, e são poucos os caras que descobrem qual é essa coisa. Os que têm a sorte de descobrir já se deram bem. Os que têm a sorte de descobrir cedo, como eu, melhor. Quando tinha 17, queria fazer sucesso com as meninas, ser ou o Mick Jagger ou o centroavante da seleção. Saquei que essas duas coisas não davam, aí percebi que sabia escrever... daí o avião consertado em pleno vôo.
A TV aberta, onde boa parte da publicidade é conhecida, está virando um produto focado na classe C. Ninguém está mais tão preocupado com o padrão de qualidade, é uma competição selvagem por audiência, a Globo mesmo já foi mais provocativa... Como criar comercial de apelo de massa com inteligência? É mentira que a galera quer coisa ruim. O Brasil é o único lugar onde se enfrentou o cabo e não se perdeu audiência da TV aberta – ainda existe muita gente assinando cabo para melhorar a imagem e ver a novela. Não é incompatível fazer TV aberta de qualidade – o que não significa fazer uma TV acessível. Acho que TV, em princípio, é popular: quando não tem "ninguém" vendo, tem 200 mil pessoas. O brasileiro é muito receptivo à publicidade. Como a publicidade é intromissão, teve que competir com a programação e foi subindo de patamar. O que você diz é verdade: os patamares hoje estão mais baixos. O cara pode ser simples, analfabeto, mas é sensível. Tenho um puta fascínio pelo popular, fazer popular de alta qualidade é possível.
Não está na mão de publicitários e diretores de comunicação das empresas mexer nisso? Comprando a mídia de forma pouco inteligente, olhando apenas para o ibope, eles não pioram a situação? Sem dúvida nenhuma. A verdade é que no Brasil ou você vende Mont Blanc ou vende Bic, ficou sem um meio nisso, e o pessoal partiu para a coisa do tiro de canhão mesmo. Vai nas classes populares e nos veículos de alta penetração. Não necessariamente se espera uma cultura muito ideológica por parte das agências e dos profissionais – há uma cultura imediatista, são raros os profissionais com mais consciência dessas coisas. E a gente ainda está se queixando num patamar bastante profissional. Na Itália, França e Espanha, onde existem centrais de mídia, os critérios de compra de mídia são estapafúrdios, você vê comerciais de produtos infantis às 2h15 da manhã... Costumo dizer que aqui temos o sujeito que compra o sapato e depois vê o tamanho do pé. O certo, na verdade, é a criação dominar tudo. Não dá para dizer "faz aí um comercial de 30 segundos e resolve".
E quando o cliente não precisa de propaganda? As agências estão preparadas para orientá-lo? Isso faz total sentido na W. Por exemplo, há uns seis anos a [griffe de roupas] Luigi Bertolli nos procurou. Fizemos uma análise e chegamos à conclusão de que o negócio deles não era propaganda. "Pega esse dinheiro e abre mais três lojas que vocês criam massa crítica para isso", dissemos. Esse tipo de raciocínio tem gente com vocação natural para fazer, como o Ricardo Guimarães, nosso sócio lá na Prax [Thymmus, a agência de branding de Guimarães, faz parte da holding liderada pela W/Brasil]. Não conheço nenhum problema de cliente que seja resolvido só com propaganda.
Percebo que os jornalistas estão virando verdadeiros redatores de publicidade. Mesmo em capas surpreendentes de Veja, Folha ou IstoÉ, em que fica óbvio o "rabo preso com o leitor", isso, na prática, significa uma única coisa: vender. você não acha que a mídia está tão preocupada hoje em dia com a tiragem que acaba ficando presa? O Matinas [Suzuki] é testemunha: no ano passado fui fazer uma palestra em New Orleans sobre o case Folha, considerado o melhor case de comunicação em jornal nos últimos 15 anos. O mais fascinante nisso foi que a Folha decididamente percebeu que fazer um jornalismo mais independente não era apenas uma questão de ser bonzinho – era o melhor negócio. A questão é como você capta a atenção do cara. Antes de o cara ter um controle remoto na mão, ele tem uma cabeça. Se aquilo for desinteressante, ele apaga e um abraço.
As pessoas se referem: "Ah, aquilo é propaganda", como quem diz: "É para enganar". Como é, para você, constatar que a palavra propaganda é sinônimo de mentira? A massa de publicidade feita no mundo inteiro é muito ruim. Vamos pegar o clássico exemplo: por que o Bombril fez sucesso? Porque quebrava o paradigma de tratar a mulher como uma idiota que nasceu para lavar louça, ou de colocar um engenheiro falando que tem não sei o que na fórmula. Todas as mulheres do mundo querem casar ou namorar um cara bonito, chique, elegante, rico, milionário, inteligente e charmoso. Se um cara convidar uma mulher para jantar e perguntar: "Reparou como sou bonito, chique, milionário, inteligente e charmoso?", ela responde: " Não, você é um babaca". A função da propaganda é fazer perceber essas coisas pela verdade. Não existe nenhum sucesso publicitário, nos últimos 20 anos, que não tivesse verdade, emoção, senso de humor, racionalidade. A relação da propaganda com mentira acontece também porque a palavra propaganda, no sentido político, foi se misturando com publicidade. Nunca fiz campanha ideológica nenhuma, nem campanha política.
Faria hoje? Não. E, se fizesse, faria mal.
Os políticos são maus produtos? O problema é que, para fazer direito, preciso de decisões profissionais, não políticas. Já fui convidado por tudo quanto é candidato. O Maluf me convidou e falei: "Não faço a sua campanha, mas gostaria que o senhor fizesse a minha", e o convidei para fazer o 752 da Vulcabrás.
Fez com o Brizola também... Era o par, o 752 de direita e o de esquerda. Tenho a impressão de que, se viesse a fazer campanha política, faria mal. Aliás, a W tem um problema: quando ela fica ruim, não é que ela cai um pouquinho, ela fica pavorosa.
Você votou no Lula? Votei contra o Collor. Tinha votado no Covas e depois no Lula. Com o FHC, votei no Fernando [Henrique Cardoso].
Votaria outra vez? Neste momento, eu não gosto.
E no Ciro Gomes? Não. Acho que é um tremendo lugar-comum. Tem um quê de Collor que incomoda muita gente – e a mim também.
As agências tradicionais brasileiras estão passando por uma mudança curiosa. Por exemplo, a DPZ perdeu a conta da Alpargatas, da Riachuelo e do carro Golf em menos de um ano. Nizan guanaes deixou a propaganda não por fracasso, mas talvez procurando um ambiente mais efervescente e verdadeiro, o editorial. Não são assustadores esses dados? Sem dúvida. Acredito que sempre vai ter um espaço aí para duas, três agências nacionais bastante boas e que sejam a vanguarda. Agora, não tenho a mínima dúvida de que pode haver o marketing global que for, mas a comunicação tem que ser local. Se quiser ser efetiva, se quiser ser eficiente, a comunicação tem que ser local e aí tem que ser gente que fale a língua do cara. O melhor elogio que recebi na minha vida foi do Márcio Moreira, hoje chairman da McCann-Erikson: "Você tem um dedo no pulso do Brasil". O único fracasso nesses 15 anos da W foi a agência em Chicago: foi um tempo curtinho, perdemos pouco dinheiro, um abraço. O Lawrence, que tocava a agência, um brilhante profissional, um dia me ligou: "Para essa agência dar certo, você teria que morar aqui". Respondi: "Não, para essa agência dar certo, eu teria que ter nascido aí".
Já que falou do elogio mais importante da sua vida: você é muito vaidoso? Que sou vaidoso, obviamente é verdade. Tenho a impressão de que isso vem do seguinte: como tive uma visibilidade muito grande cedo, isso foi virando uma bola de neve que saiu do meu controle. Minha capacidade de rir disso ficou maior do que o universo idealizado das pessoas. Também tem coisas que levam a isso, as gravatas que eu usava... Fora isso, existe o fato de me achar um sujeito humilde, mas não o modestinho – meu trabalho é bom, não tenho dúvida e não acho ruim falar dele. Adoro e exijo que me levem a sério, embora não me leve a sério.
Você gosta de ver suas fotos antigas, dessa época das gravatas? Sou péssimo fotografado, em fotografia viro índio. Entrevista não assisto e raramente leio. Tenho sensação de ectoplasma, parece que é outro cara. Outro problema que racionalizei agora com esse negócio do livro do Fernando Morais [Olivetto encomendou ao jornalista uma biografia sobre sua agência]. Tem um negócio que você pode chamar de coerência – mas seus inimigos podem chamar de teimosia. Quando você tem coisas em que acredita, elas se repetem. Por exemplo, em entrevistas minhas tinha momentos em que me achava uma gravação de mim mesmo. É uma puta loucura isso. Essa experiência com o Fernando está sendo interessante, porque é exaustiva. O livro é do Fernando.
Você completa 50 anos este mês, sua agência fez 15, seu filho adulto já está fazendo filmes... Como lida com o envelhecimento? Acho que, se você é muito ocupado, essas coisas passam.
Em todas as civilizações, o mais velho sempre foi o guia. Agora, a própria propaganda propaga que os mais velhos não sabem nada, só os jovens... Hoje você tem uma antecipação da juventude e um prolongamento da juventude. Quando era moleque, uma menina de 14 era uma criança; hoje, é uma mulher. Uma mulher de 40 era uma senhora; hoje, é uma gatinha. Isso é legal e até explica venda de tênis, iogurte, academias de ginástica. Tenho muito fascínio de andar com gente jovem o tempo inteiro, acho até meio exagerado. Estou sendo muito atrelado a gente jovem, mas uso como parâmetro de vida alguns amigos meus mais velhos. A turma que dirige companhias de música costuma perguntar, quando pinta um cara novo, "o que você faz de diferente dos outros?" e "o que você faz interessa a gente de 12 a 19 anos?". Se o cara disser sim para as duas questões, você está descobrindo um novo artista relevante. Então não dá para sentir envelhecimento nesse negócio.
O que você sentiu quando o Nizan, que sempre foi considerado seu grande concorrente, trocou a propaganda pela internet? Sentiu alívio, inveja, vontade de ir junto? Não fiquei surpreso quando o Nizan saiu. O negócio dele especificamente nunca foi a publicidade. Ele é um cara do universo da comunicação e dos negócios, eventualmente da política. Mas acho que ele faz falta para a publicidade. Sou um publicitário que nasceu publicitário, gosto de renovar a palavra publicidade, fui convidado para ser diretor de criação da Globo pelo Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, então vice-presidente de operações da emissora] duas vezes, nos anos 80. Não fui por dois motivos. Não queria largar a publicidade. E isso de ir para o Rio de Janeiro, se vou para o Rio, me conheço...
Você não tem vontade de fazer alguma coisa com música? Nessa relação com conteúdo, faço muitas coisas há muitos anos: mexo com cinema, música, vamos fazer um programa de rádio, a W fez dois discos para a Warner – os W Hits –, o livro da Bombril, o gibizão que foi vendido em banca de jornal, o especial de TV que a Conspiração fez nos dez anos... Mas meu negócio é ser publicitário, minha preocupação com o negócio de publicidade é dar umas viradas nela o tempo inteiro.
Você é um pai legal? O que ganhou ontem? [a entrevista foi feita no dia seguinte ao Dia dos Pais] Duas garrafas de Amarguinha [“um magnífico licor de amêndoas português”, na definição de Olivetto] – o Homero sabia que estava sem Amarguinha. Sou um pai legal pra cacete. A vantagem com o Homero é que a gente está praticamente com a mesma idade: a gente gosta das mesmas meninas, com a diferença que ele pega [risos]. A gente está numa fase muito parecida. E eu, gozado, não sou muito ligado a presentes com data. Aliás, sou bom presenteador, gosto de dar presente.
Você encontra os seus sócios para sair, ir ao cinema ou viajar? Nós temos uma relação muito gozada, nosso cotidiano é muito louco. Na W, temos princípios. Uma das coisas mais divertidas que fizemos no primeiro ano da agência foi um busto meu. Depois daquele papo de vaidade, é óbvio que era deboche. Fizemos um busto e um anúncio: princípios do fundador. [Ri] O primeiro princípio era: "Principie às oito da manhã", porque o pessoal estava chegando tarde, porra.
Você faz análise? Análise? Nunca fiz. Sou pretensioso o suficiente para não fazer.
Como é o negócio de sucessão na W? A W tem um radicalismo: lá não podem trabalhar parentes de jeito nenhum. Se o meu filho ou o filho do Gabriel [Zellmeister] ou o filho do Javier [Llusa Cluret] quiserem ser publicitários, liguem para a [agência] Talent. A gente tem buscado formar gente, não é fácil. Graças a Deus, temos tempo para isso. A W teria seu processo sucessório pronto se, em 15 anos, ela não tivesse a mais baixa rotação de uma empresa aqui, em qualquer ramo de atividade: passaram 413 pessoas por lá. Os poucos que saíram foi para montar seus próprios negócios – foram os Nizans, os Afonsos [Serra, ex-sócio de Nizan na DM9DDB], as Camilas [Franco, criadora do famoso comercial do primeiro sutiã da Valisère], que estariam no processo sucessório. Mas a gente vai conseguir fazer isso direitinho.
De onde surgiu essa história do livro? O que acho que vai ser legal para o livro do Fernando é o seguinte: os dez anos que têm atrás dez mil pessoas. De onde surgiu essa história do livro? Acho que tudo está muito vulgarzinho no negócio de comunicação e na sociedade brasileira em geral. A gente está vivendo um processo de carne-de-vacalização. Então, a gente tenta fazer coisas que fiquem mais sólidas. Começou assim, eu tinha acabado de reler O Reino e o Poder, do Gay Talese [que conta a história do New York Times] – que tinha lido mal nos anos 70, em inglês. Não sou nenhum tarado de querer comparar a W/Brasil com o New York Times, mas o tesão de O Reino e o Poder é contar a história do jornalismo americano. Esses 15 anos da W têm coisas interessantes. Muita gente não sabe que minha associação com o GGK [grupo suíço-alemão de agências de propaganda] foi a primeira entre uma pessoa física e uma pessoa jurídica no mundo – e virou o formato mundial de negociações depois disso. Foi também a primeira vez no mundo inteiro que alguém botou no cartão: "Presidente e diretor de criação". Assim, se é pra fazer, tem que ser um puta livro. Falei com o Fernando: "Fique à vontade". Por isso vai se chamar W/Brasil - Uma Biografia Semi-autorizada: a parte autorizada é o que sugeri; a semi, é porque ele faz o que quiser.
Você dorme muito, a que horas acorda, chega a que horas? Durmo pouco, cinco, seis horas por noite. Leio da meia-noite às duas. Vou dormir duas e meia, três da manhã e nove horas estou na agência.
Você diz que passa muito tempo em sua casa. Fazendo o quê? Ouço muita música, recebo muita gente em casa, casais, amigos... Já fizemos patifarias gigantescas, mas seguro minha vida pessoal, minha casa. Assisto um pouco de TV, entrevistas e esportes. Na W tem sempre a TV ligada, vejo tênis quase o tempo inteiro.
Nesse fim de semana, o que você leu? Comecei a ler Nara Leão [Nara Leão: uma Biografia, de Sérgio Cabral], que mandei buscar no Rio. Estou lendo ainda o final do Mário Reis [biografia escrita pelo jornalista Luís Antônio Giron], que tinha deixado de ler. De manhã, leio os dois jornais de São Paulo e os dois do Rio, Valor e Gazeta Mercantil, a Veja, a Dinheiro. Minha carga de informação de revista e jornal é muito alta. Em casa tem muita revista, mas estou sem saco para ficar lendo as Wallpaper da vida, acho muito catálogo da moda deslumbradinho. Leio a New Yorker.
Qual sua opinião sobre futuro do Brasil, e esta crise que está acontecendo? Todo o mundo percebeu que dinheiro parado não existe mais e está canalizando dinheiro para atividade produtiva. Em tudo o que foi investido a gente ganhou mais do que se fosse em dinheiro aplicado. Agora, não tenho nenhum conhecimento técnico, nem a sensação de que isso vai durar pouco. Este ano tem sido particularmente muito ruim.
Você falou que nunca gostou de trabalhar com política. Já esteve diante de conflitos éticos? Poucos, em comparação a muitos dos meus colegas, porque passei 14 anos na DPZ, uma agência que me tratava como algo especial. A DPZ fazia campanhas de governo, e eles me davam ao luxo de não fazer.
E a propaganda de cigarro? Fiz várias na DPZ. Fumo e não vejo mérito nisso. Não fumo em fotografia nem entrevista de TV, tenho consciência de que a molecada está vendo. Na W a gente teve durante um período uma conta da Souza Cruz, o cigarro Plaza. A única policy que nós temos na W é campanhas políticas. O problema da propaganda de cigarro é o fato de ser uma propaganda que, na maioria dos casos, desrespeita a inteligência das pessoas. Elas não querem ser paternalizadas, querem ouvir a verdade. As campanhas de cigarro são muito defasadas do quadro social.
E o que você acha da descriminação das drogas? A revista The Economist recentemente defendeu a legalização de todas... Sou a favor da descriminação. A única coisa que acho é que tem tantas prioridades, tantas coisas para se fazer antes que, quando você entra em gestos extremamente primeiro-mundistas, eles acabam até parecendo futilidades no meio de tantos problemas que existem aqui. A última droga com que tive contato na vida foi um cigarro de haxixe quando ia fazer 19. Fumei maconha dos 16 aos 18 com relativa freqüência, mas nunca gostei muito do cheiro. Fumei haxixe e tomei uns ácidos. Fiquei com um medo do cacete de ácidos, porque li um livro do John Cashadon, chamado LSD, que falava sobre alteração cromossômica etc. Mas não convivia bem com a droga, essa é que é a verdade. Cocaína nunca experimentei na minha vida, sempre achei droga de direita, tinha implicância, era uma droga de falso brilhantismo, falsa ilusão do poder.
E como resolveu parar? Aos 19 anos, já trabalhava, um dia acordei e pensei: não convivo bem com isso, dependo muito da minha consciência. Por outro lado, sou um cara muito excitado, então, para mim, qualquer aditivo artificial... resolvi parar. Bebo todas as noites, de dia não bebo, mas bebo praticamente todas as noites e considero droga também a bebida. Atualmente, diria que estou bebendo um champanhezinho. Enjoei dos destilados. Durante muito tempo bebi whisky. Se bem que dei umas simpatizadas com uns whiskies com Red Bull [risos]...
Qual é o objetivo da W/Brasil como empresa? Nosso objetivo interno é ter o mais alto índice de felicidade per capita. Tem que ser uma empresa que tenha consciência de que é melhor você ser co-autor de muita coisa brilhante do que autor solitário de idiotices. Temos que formar os novos líderes dessa área. Isso se mistura com o objetivo de fazer uma publicidade que entre para a cultura popular brasileira e que esteja na praia da cultura pop. Estou com um levantamento que, para o Fernando Morais, talvez seja útil: você sabia que a frase "o primeiro a gente nunca esquece" é a frase mais repetida na imprensa brasileira nos últimos 30 anos? Com corruptelas como "a primeira Ferrari a gente nunca esquece", do Ayrton Senna, "o primeiro filme candidato a Oscar a gente nunca esquece", do Waltinho Salles... Gosto da idéia de que a W um dia vire uma coisa em si mesma, que desapareça quem começou e ela continue existindo sozinha.
Nessa sua definição não aparece nada de fundo social como objetivo da empresa... Anos atrás, descobrimos que tinha um imposto que, em vez de pagá-lo, a gente podia patrocinar um atleta. Aí descobrimos o Gustavo Borges, ninguém conhecia o Gustavo, e fomos mostrar para o seu Jovino, o pai dele: "A gente queria patrocinar o Gustavo porque é melhor que dar dinheiro para imposto". Ele respondeu: "Mas o que ele tem de fazer?" "Nada, nada pra cacete, que já está bom" [risos]. Aí seu Jovino falava: "Mas não se iluda, nessa próxima olimpíada ele não tem chance". O Gustavo foi lá e ganhou bronze. Dava para um anúncio: "a única agência de publicidade do mundo que ganha prêmios até em Olimpíadas". A gente foi o primeiro patrocinador da volta do cinema com o filme Sábado, do Ugo Giorgetti. No Central do Brasil, a gente é um patrocinador menor. Os direitos do livro da Bombril foram doados para o [Projeto] Aprendiz, e estamos ajudando o Gilberto [Dimenstein] numas outras paradas também.
Você tem alguma religião? Não, mas me movimento bem com a coisa sincrética do Brasil. Outro dia fiz uma observação muito legal sobre o que altera na publicidade. Vocês repararam que o Brasil é o último país do mundo que tem mulher bonita no ponto de ônibus? Em todos os outros países, as bonitas estão onde moram os ricos. A miscigenação fez uma coisa do cacete no Brasil, tem gente sem grana, mas com beleza.
Você era, antes de casar, mulherengo ou ainda é? Se fosse hoje, ia responder que não [risos]. Mas sempre gostei muito de mulher, tenho facilidade de me relacionar bem com mulher. Meu sexto sentido vale por uma comitiva de mulheres, tenho o intuitivo muito forte. Fiquei casado um bom tempo com minha primeira mulher, mãe do meu filho, com quem tive um casamento muito bacana.
Sua saída da DPZ, há 15 anos, levou tempo para ser absorvida pela agência. Olhando pra trás, como você vê o episódio? Quando me separei da minha primeira mulher, tive a sensação de que ia me envolver com outra, que é a minha atual. Comentei isso com minha primeira mulher e rolou daí a separação. No caso da separação da DPZ, admito humildemente que não teria estrutura psicológica para suportar as pressões para ficar, se tocasse a coisa assim: "Estou indo embora daqui a algum tempo". A W obviamente é uma empresa decorrente. Acho até que a W veio a ser melhor que a DPZ, mas nunca será mais importante. Existia uma série de coisas que achava fundamental fazer e percebi que não dava para fazer na DPZ – lá, era a Miss Jogos da Primavera, mas não era o dono. Quando você vai fazer sua agência, é como se estivesse numa montanha e visse outra do outro lado, no meio um penhasco de 300 metros, só que a distância entre as duas montanhas é de 10 centímetros, é só esticar a perna que você passa – mas você não olha isso, olha para o penhasco. Na verdade, a única maneira de sair era de um dia para o outro.
A separação foi difícil? Não da DPZ, da sua mulher [risos]... É muito difícil você se separar de uma pessoa em quem investiu muito. Todas as separações, quando honestas, de quem você gosta, são difíceis. É possível estar bem com uma pessoa e se encantar por outra e, numa sociedade em que você pode ter apenas um casamento, honestamente se separar dessa pessoa mesmo gostando dela. Curiosamente, também tive um episódio assim, de sair de uma empresa de que gostava muito para montar uma coisa que achava melhor.
Como foi essa história de estar casado e ter se apaixonado por outra mulher?Muito simples: a Patrícia, hoje sócia da Conspiração, na época era sócia de outra produtora. Conheci e – sabe quando você fica com vontade de convidar a mulher para almoçar, para bater papo?
Teve que esperar muito? Tive. Essas coisas são complicadas quando você tem pouco tempo – para quem tem muito tempo é mais fácil.
Li outro dia que o tempo é o sinal mais evidente de riqueza... Você está com mais tempo para fazer as coisas que curte ou continua meio escravo da profissão?Continuo escravo, mas sou mais proprietário do meu tempo. Vou acrescentar um sinônimo de riqueza: viajar sem mala. Viajar sem mala é espetacular, motivo para o cara ser muito rico.
Por falar em mala, em objetos pessoais, qual é a coisa que você tem de que mais gosta? Um objeto? Tenho uma relação muito acentuada com artes plásticas, alguns quadros e esculturas. Tenho um quadro do [pintor alemão] Anselm Kiefer que me dá vontade de sair com ele na rua. De vez em quando, fico com saudades dele.
E um lugar que você gosta de ir em São Paulo? Vou muito ao [restaurante] Antiquarius, tenho até o privilégio de ter um bacalhau lá com meu nome, que é um carinho que eles fizeram pra mim. Vou ao Rodeio, ao Vecchio Torino, ao Jardim de Napoli, Gero, Fasano. E também vou noutras pontas, Frangó, Bar do Léo. Fui ver Bezerra da Silva no [Bar] Brahma sábado passado, estava um forrobodó que sai de baixo – mas fui ver o Bezerra, não fui ver o forrobodó.
Você era pobre quando novo? Classe média, estudava em bons colégios, era daqueles que o pai trabalha feito louco para dar um Fusca para o filho quando ele entra na faculdade.
Qual foi a época em que ganhou mais dinheiro: agora ou quando era um empregado? O meu era o melhor salário da profissão do início ao dia em que larguei. No início da W, nos primeiros quatro anos, tudo que ganhei foi para comprar a parte da GGK. Depois teve temporadas bastante lucrativas nossas e da publicidade em geral, acho que até 96, 97. Aí a gente entrou nessa de reinvestir, fazer a holding, comprar outros negócios. Hoje, se você pegar todas as agências da Prax e empresa de promoção, só perdemos para o grupo Interpublic [um dos maiores grupos de comunicação e marketing do mundo].
E essa mudança do estilo de roupa? Se você olhar suas fotos hoje, seu visual é muito mais sóbrio. Acho que é natural do tempo. A verdade é a seguinte: por ter uma atividade em que não se pressupunha a obrigatoriedade da gravata, nunca a olhei como a maioria dos caras que têm que acordar e botar uma no pescoço. Era muito moleque e botava as gravatas de maneira irreverente, e aí comecei a comprar as mais divertidas. Aí o pessoal começou a achar que eu gostava mais de gravata do que na realidade. E comecei a ganhá-las. Virei colecionador.
Você deve ter despertado muita inveja e, como qualquer ser humano, deve ter também inveja... Inveja em relação a mim, tiro de letra, senão você fica pirado. Assim como umas coisas que tenho que desconhecer. Sei de versões a respeito da minha vida, coisas que fiz, lugares em que fui, mulheres que comi, coisas que não aconteceram que acho fascinantes. Até falo: porra, precisaria conhecer esse cara legal pra cacete. Faz cinco anos que não passo carnaval no Brasil, e nesses cinco anos já me vi como um dos mais animados no camarote não sei do quê. Em relação à inveja de outros, seria muito filho da puta, porque a vida já me deu muita coisa legal. Tenho o que chamo de inveja saudável, quando vejo um trabalho do cacete: "Como é que não fui eu quem fez isso?".
Numa carreira tão cheia de vitórias, você fez inimigos, gente com quem não tem conversa? Pode ter gente até que eu não goste e que respeite e pode ter gente que eu não goste e não respeite. Também não sou burro de não reconhecer determinadas coisas. Por exemplo, no meu episódio na DPZ fiquei chateado com as atitudes do Roberto [Dualibi, o D] e não tenho saco pra conviver com ele. Agora, seria maluco omitir que aprendi muita coisa com o senhor Roberto Dualibi.
A gente estava falando do negócio de desafetos. O Toscani veio e fez aquele Roda Viva histórico, muito desconfortável para o Francesc Petit [Petit, o P da DPZ, criticou Toscani e foi duramente atacado pelo publicitário italiano]. E o Toscani agora teve essa história de sair da Benetton, parece que o final foi infeliz... É preciso dividir aquele episódio. Conheço o Toscani pessoalmente, uma figura legal. Naquele episódio, o Petit estava certo no que falava, só que com formato totalmente errado. O Toscani pra começar foi e é um magnífico fotógrafo, o conheço da época da [revista norte-americana] Harper’s Bazaar. Quando ele vem com aquelas metáforas baratas, tipo "a publicidade é o cadáver cheio de Chanel em cima", tem que dizer: como publicitário é um zé mané, mas de sociólogo é pior ainda. Mas o Petit não sabe fazer isso. O que aconteceu? O Toscani herdou uma coisa chamada United Colors of Benetton, e com isso um empresário vaidoso chamado Luciano Benetton, que deu liberdade a ele. Uma vez encontrei com ele em Cuenta [na Espanha] e falei: "Entendo que você não goste de publicidade, porque você é italiano e a publicidade italiana é muito ruim. Mas existe publicidade boa, conseqüente, responsável, na Inglaterra, no Brasil". O episódio todo, na verdade, é que o Toscani criou um truque. A efetividade disso foi muito baixa. Tanto que fracassou.
Participei desse Roda Viva como mediador e, em qualquer lugar que fosse, dez pessoas vinham me perguntar sobre o programa do Toscani. O que mexeu ali com as pessoas? Realmente, a massa de publicidade é de má qualidade. Quando alguém sai batendo nisso, ganha uma identificação. Segundo, tem uma pseudo-sinceridade no discurso dele que em determinados momentos cola. Aí acho que soma também com certo glamour. O Toscani, esperto, se vestiu de mocinho. Acho que também materializou um momento em que publicidade passou a ser assunto, ela aparece no vestibular, um monte de coisas.
Créditos
Iatã Canabrav