"Não é só tirar o açúcar que todo mundo vai ficar magro e bonitinho"

A nutricionista Sophie Deram alerta: o Brasil está em uma situação crítica com a alimentação. Mas o caminho não é demonizar o açúcar. "A gente deveria consumir de maneira moderada, como tudo na vida"

por Renan Dissenha Fagundes em

A nutricionista franco-brasileira Sophie Deram é uma conhecida defensora da moderação — e também do prazer — na alimentação. Dietas restritivas, ela argumenta no livro O peso das dietas (Sensus), fazem, a longo prazo, as pessoas engordarem. A solução, para a pesquisadora de obesidade infantil e transtornos alimentares com doutorado em endocrinologia na USP, não é simplesmente comer menos, mas comer melhor, sem radicalidades. Sophie falou à Trip sobre os problemas do açúcar e também do movimento que demoniza a substância. 

O movimento contra o açúcar está exagerado? Infelizmente, acho que sim. Vejo cada vez mais pacientes assustados, que leem coisas sobre o açúcar ser um veneno, uma droga. Eu preciso falar: pera aí, o açúcar não é um veneno, o açúcar não é uma droga. Não existe uma confirmação de que o açúcar é uma droga. Eu trabalhei com pessoas que têm, supostamente, um vício em açúcar, e eles conseguem se virar muito bem. Podem sentir uma sensação de perda de controle, mas é uma compulsão. Eles não ficam com uma vontade de açúcar tão forte.

Mas consumir demais é um problema? Com certeza é interessante tomar cuidado, e o brasileiro está consumindo demais. A gente deveria consumir o açúcar de maneira moderada. Como tudo na vida, não é? Moderação não só com açúcar. Moderação com vinho, moderação com religião, com política. Também moderação na água — exagero de água pode fazer mal. Exagero de atividade física pode fazer mal. Exagero de açúcar vai ter consequências, sim. Agora, não é todo mundo que tem o mesmo metabolismo. Algumas pessoas aguentam bem, e outras têm alterações que podem levar ao diabetes. Mas não é assim, comi açúcar vou ter diabetes.

O açúcar é o grande causador de diabetes e obesidade? Não é. Não é o açúcar que é o vilão que se a gente parar de comer todo mundo vai ficar magro e bonitinho. O diabetes e a obesidade são doenças multifatoriais, que tem muitas causas. Tem pessoas com diabetes que não estão comendo açúcar demais. A simplificação acaba fazendo as pessoas verem o açúcar como vilão. Uma coisa que me deixa assustada, e triste, é que vejo famílias em que o açúcar não entra mais na casa. Proibido. Tem crianças criadas com um potencial medo do açúcar. E ao mesmo tempo essas crianças vão provar açúcar na casa do amigo, na escola, e vão adorar. A proibição pode levar a criança a comer escondido, ou exagerar fora da casa.

É melhor maneirar que proibir? Não precisamos comer açúcar puro, mas, por exemplo, em um bolo é legal. Eu vejo pais que não fazem mais bolo porque tem açúcar na receita. Isto é totalmente errado. O bolo é uma coisa deliciosa que faz parte de uma vida normal. Agora, deixar o uso de açúcar livre, também não. Eu pessoalmente não uso muito. Vale a pena rever o consumo, vale a pena diminuir seu consumo. Mas tudo de maneira consciente, tranquila. Uma das maiores fontes de açúcar é o suco. Eu fico muito assustada com a quantidade de sucos que as crianças estão tomando hoje em dia. O suco é uma bomba de açúcar, mesmo sem ter açúcar adicionada. O suco de frutas tem muita frutose, e excesso de frutose não é bem indicado. Pode realmente sobrecarregar seu metabolismo. O fígado pode ficar entupido e este açúcar da frutose vai entrar no metabolismo da gordura. Não é uma coisa interessante.

Um dos principais nomes antiaçúcar, Robert Lustig aponta a frutose como um grande problema. A palestra dele é sensacional e eu gosto muito dele como profissional, a gente trabalha a mesma coisa, obesidade infantil e os circuitos das recompensas. Mas infelizmente ele entrou numa guerra contra a frutose e o açúcar que é muito extremista. Uma coisa bem americana, de ir contra um vilão. Antes era a gordura. Até chegam a falar de proibir menores de idade de comprar açúcar no supermercado. Tipo, what? Eu fiquei triste, que pena. Mas com certeza tem muita frutose na alimentação. Você conversa com as crianças e elas tomam um litro de suco de uva. Uma vez falei para uma menina, vamos tomar um pouco de água. E ela, água? E a mãe com dó dela. Mãe, acorda! Um litro de suco de uva pra uma crianças de nove anos? É totalmente fora do equilíbrio. É uma coisa que pode realmente alterar o metabolismo dela e até causar, em excesso é claro, obesidade e diabetes.

A solução é aprender a comer moderadamente tudo? A solução, primeiro, é tomar água. E sim, tem que diminuir. O Brasil está em uma situação crítica. A previsão é o Brasil ultrapassar os Estados Unidos em obesidade adulta, e também em diabetes. Isto é assustador. Mas não é só o açúcar, o coitado do açúcar branco, que vai ser demonizado como droga. É o padrão: o paladar está muito doce. Tem que cuidar de todas as substâncias que são adicionadas, não só açúcar. Tem também amido modificado, xarope, essas dextrinas que estão inundando a indústria.

Às vezes a pessoa nem sabe que está comendo açúcar. Exatamente. Eu sou francesa e sou brasileira, vivo entre os dois países e às vezes faço umas comparações. Se você pegar o mesmo iogurte de morango, mesma marca, mesmo marketing, tudo igual, um na França e um no Brasil, são totalmente diferentes. Na França vai ter mais fruta e menos açúcar. Aqui, é uma bomba, tem 15, 20% a mais de açúcar. A gente tem que acordar, a gente tem que pedir mais qualidade. Comecei um movimento que estou chamando de Quero Mais Qualidade. A indústria tem que participar, e a família tem que entender que água é uma bebida super importante. A criança não precisa passar da mamadeira de leite pra mamadeira de suco.

O que você acha do Guia alimentar para a população brasileira do Ministério da Saúde? É ótimo. Acho sensacional porque ele realmente aponta o problema maior, que é o excesso de comida ultraprocessada no Brasil. O bom é que o Brasil é um país jovem, com uma cultura de comer comida. A gente não tá dizendo, ah, não come nenhum alimento industrializado. Não precisa ser oito ou oitenta. Não dá pra comer tudo feito em casa, precisamos da indústria também, mas temos que ficar atentos à qualidade do que estamos ingerindo.

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