Dropa esse medo
Documentário de Rory Kennedy passa a limpo a trajetória do lendário surfista norte-americano Laird Hamilton, que conversa com a Trip
"As pessoas dizem que não tenho medo, mas fiquei assustado tantas vezes que tenho uma relação com esse sentimento. Pude usá-lo como uma ferramenta na minha vida, me fez surfar melhor", explica Laird Hamilton, 53 anos, em Take Every Wave. O novo filme de Rory Kennedy (indicada ao Oscar em 2015 por Last Days in Vietnam) revisa a trajetória do surfista americano, com depoimentos de personagens importantes do surf, do ex-editor da Surfer Magazine Sam George ao surfista havaiano Gerry Lopez. Depois de première no Festival Sundance em janeiro deste ano, o documentário acaba de chegar aos cinemas dos EUA e segue este mês para o London Film Festival (de 4 a 15 de outubro). Ele, que costuma enfrentar ondas de 20 metros, já havia sido um dos perfilados no já clássico Riding Giants (2004), documentário de Stacy Peralta sobre os surfistas de onda grande.
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Take Every Wave parte da infância "100% desobediente" de Laird no Havaí da década de 70, onde ele, loiro e forte, tão diferente dos garotos havaianos, era minoria. O americano encontrou a igualdade no mar. "Aprender a surfar ondas grandes é um processo ao longo da vida", contou em entrevista por email para a Trip. "Você começa com ondas de um, aumenta para dois pés e assim por diante. Desenvolve um relacionamento com elas e, ao longo do tempo, isso se torna parte de você. Não dá para pular etapas, mas aprender com o tempo e a experiência."
Esse aprendizado de décadas nunca incluiu campeonatos, Laird sempre se recusou a participar. "Não acho que rejeitei tanto a competição quanto o julgamento", diz no filme. Seu padastro, o ex-surfista Bill Hamilton (Laird o conheceu ainda criança na praia e apresentou à sua mãe, que o criou sozinho) lembra no documentário que ele não gosta de perder.
Se Laird não podia contar com as premiações, fez algum dinheiro com a moda — descoberto por Bruce Weber, que buscava não-modelos e atletas para suas fotos, chegou a posar ao lado de Brooke Shields. Porém, assim como fazia com os campeonatos, ele também se recusava a participar dos castings. Fez as vezes de ator no filme North Shore (1987) e seguiu fazendo campanhas, que, assim como os patrocínios, ajudavam a financiar sua vida no mar. "Não poderia ter imaginado aos 20 anos todas as maneiras com que pude expressar o meu surf — foiling, tow-in, stand up paddle surfing e quem sabe o que mais", conta.
Foi, aliás, durante uma sessão de wakeboard com Buzzy Kerbox (também modelo) e Darrick Doerner que lhe veio a epifania que daria origem ao tow-in. Rebocados pelo barco de Buzzy, logo substituído por um jet ski (pagamento a Laird por sua participação em Endless Summer 2, de 1994), que garantia maior mobilidade, conseguiam surfar ondas maiores.
O trio, na companhia de outros amigos, uma espécie de irmandade batizada de Strapped, foi pioneiro em surfar as ondas gigantescas de Pe'ahi (na costa norte da ilha de Maui, Havaí), batizada por eles de Jaws, onde a vida de um dependia do outro. "Não sabia se ia cair em um buraco negro e nunca mais voltar", lembra um deles. Quando decidiram divulgar aquele paraíso particular em um filme (Laird foi capa até da National Geographic), passaram a conviver com dezenas de outros surfistas, enquanto os puristas os criticavam pelo uso de jet-ski.
Além de Jaws, o filme resgata a onda histórica que Laird surfou em Teahupo'o (Taiti), em 2000, quando, enfrentando uma crise no casamento com a ex-jogadora de vôlei Gabrielle Reece, decidiu afogar a mágoa no mar. Acabou em lágrimas e foi assunto da mídia americana, do 60 Minutes ao talk show de David Letterman — e lembra também quando, em 2016, eles surfaram no Havaí aquelas ondas que parecem intermináveis produzidas pelos efeitos do El Niño.
Aos 53 anos, Laird não cogita aposentadoria. Vê seu futuro no surf "maior, mais alto e mais rápido". "Quero apenas continuar a explorar as ondas e encontrar formas de seguir inspirado", afirma.
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