A reinvenção de Dan Stulbach
Depois de 12 anos na Globo, ele dá uma virada na vida e na carreira e encara o desafio de estar na bancada do CQC
Não foi nada fácil para o jovem Dan Stulbach, filho de judeus poloneses, romper a barreira de uma família de estrangeiros e tornar-se ator no Brasil. Chegou a fazer vestibular para medicina, administração de empresas e a cursar engenharia, tudo para satisfazer a família que veio de longe: o pai, da Cracóvia e a mãe de Varsóvia.
Em tempos de guerra, o pai, menino ainda, à beira da inanição, ficou escondido num sótão cheio de carvão antes de ser entregue a uma nova família e acabar no Brasil. A mãe, de família rica, seguiu o mesmo caminho rumo à América do Sul. Os dois, um dia, acabaram se encontrando na faculdade, no Mackenzie, em São Paulo.
Dan e a irmã foram criados num ambiente de estrangeiros, onde se falava o polonês em casa. Os pais conseguiram seu espaço e queriam ver o filho mais velho formado, com emprego fixo, salário no final do mês. Dan foi forte o suficiente para seguir seu próprio caminho, subir no palco e mostrar que sua paixão era o teatro.
Quando entrou na Rede Globo, numa oficina de atores, queriam que seu nome fosse Dan Filip, mais fácil de pronunciar. Mas ele insistiu e lembrou-se do avô, o velho Stulbach, que sempre achou que a vitória do neto seria a consagração de uma família que considerava também vitoriosa. Dan bateu pé, e se tornou Dan Stulbach.
Aos 45 anos, casado e pai de dois filhos, nunca sonhou com carteira assinada. Do teatro pulou para a sala de aula (foi professor de publicidade na Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM), e daí para a tela do cinema, o rádio, a televisão, onde atualmente comanda a bancada do CQC, o Custe o que custar, da Band.
Na entrevista a seguir, Dan fala sobre como foi deixar a zona de conforto da Rede Globo e sentar-se na bancada de um programa ao vivo. Conta que nunca foi de revelar em quem votou ou deixou de votar e diz o que pensa sobre o Brasil atual (“o brasileiro anda meio triste; a ignorância é feliz por natureza, a tomada de consciência, não”). Revela que nunca foi homem de um trabalho só e que consegue fazer tudo ao mesmo tempo. Sobre TV, acha que artigo de luxo, hoje, é a sinceridade: “Quando a gente consegue sair da gritaria, da histeria, dos assessores, dessa maquiagem toda, e ser alguém de verdade, aí fica diferente, mais interessante, e o público é cativado”.
Trip. Você é ator, diretor, apresentador, comentarista esportivo, jornalista. Quando preenche aquela ficha de hotel, o que coloca como profissão?
Dan Stulbach. Ator. Apesar de ter trilhado vários caminhos, minha profissão é ator. Não foi fácil, principalmente por questões familiares, eu me aceitar como ator, assumir isso. Foi justamente durante uma turnê, num hotel, na hora do check-in, que tive de escrever o que era, e nesse dia decidi: ator.
A TV Globo está comemorando 50 anos. Você foi convidado para a festa? Não fui. Achei natural, já que estou em outra emissora. Mas, na semana dos 50 anos, passou um seriado comigo lá [risos].
Em que momento você achou que era hora da ruptura, de deixar a maior emissora do país? Tive uma longa relação com a Globo, mais de 12 anos. Comecei fazendo uma oficina de atores. Depois de quatro anos, decidi abrir mão de contrato. Eu nunca quis ter uma relação corporativa com nenhuma empresa na minha vida. Nunca fui fascinado pela cesta de Natal. Tenho dificuldade com pertencimento em qualquer área. Isso porque muitas vezes pode ser improdutivo, desestimulante, ficar acomodado. Estar na Globo foi ótimo, sensacional. Quando decidi abrir mão do contrato, essa discussão vinha e voltava. A última foi quando decidi ir para a Bandeirantes.
"O que me encuca hoje é a morte do tédio, o nada pra fazer. Ninguém mais tem tédio. A pessoa não fica mais à toa, ela vai pro Facebook, pro celular"
Por que esse desprendimento, isso de não se agarrar a algo mais sólido? Meu pai trabalhou durante vários anos para muitas empresas. Vinte anos em uma, dez anos em outra, 15 em outra. Muito tempo. E tinha essa ilusão de que iria viver nelas para sempre. Eu vi o momento em que ele foi mandado embora, eu estava em casa quando ele foi demitido. Eu vi de perto essa queda. A geração dele toda acreditava que o cara é da empresa, a empresa é dele e vai ser assim para sempre. Quando esse casamento se desfaz, a pessoa fica em ruínas. Vi isso acontecer com o meu pai e eu jamais queria que isso acontecesse comigo.
Sempre quis uma relação mais livre? Eu nunca quis terceirizar meu sonho. Sempre quis fazer televisão, não vou mentir. Vejo televisão pra caramba, tenho ídolos, adorava coisas que a televisão fazia e acabaram me transformando. Mas, ao mesmo tempo, sempre fiz outras coisas. Gosto desse leque mais amplo. O programa de rádio, por exemplo [Fim de expediente, que ele apresenta na rádio CBN], existe há nove anos. Esse é um programa que inventei com uns amigos num momento de vazio, de angústia. Eu já era um ator conhecido, tinha contrato com a Globo, mas tinha necessidade de fazer perguntas diferentes. Eu adoro fazer. Gosto muito de encontrar os caras, que são meus amigos desde moleque.
Você tem muitos amigos de infância? Tenho. Agora mesmo a gente estava em Nova York, comemorando 30 anos de amizade. Em geral é gente que começou comigo no teatro, no colégio. Esses caras estão sempre comigo, me lembram de quem eu sou. Com o deslumbramento que a televisão traz, a fama – não minha comigo mesmo, mas das pessoas, que passam a te tratar de um jeito diferente – é bom ter gente que já me conhece.
Você não experimentou esse deslumbramento? A vaidade com o sucesso? Eu experimentei, fui fazer terapia logo em seguida. Eu estava fazendo uma peça, Novas diretrizes em Tempos de paz, com o Tony Ramos, e fez sucesso, ganhei prêmios, destaque, atenção. Na mesma época ganhei popularidade com a novela [Mulheres apaixonadas, de 2003]. Tem uma frase do Freud que diz “o objeto mata o desejo”, e era exatamente o que eu estava sentindo: junto com toda a alegria, tinha um certo desamparo. Você fica meio desnorteado. Ao mesmo tempo em que era muito bom o reconhecimento todo, todo mundo entender que eu era ator, eu não conseguia mais ter privacidade, me sentir anônimo. Mas com o tempo achei um jeito de as coisas darem certo. Tenho uma vida pública confortável.
Até hoje lembram desse personagem de Mulheres apaixonadas, não é? O cara que batia na mulher com a raquete. É uma loucura isso. Meu personagem, o Marcos, entrou no quinto mês da novela. E a história da raquete durou duas semanas. Mas está na cabeça das pessoas até hoje. Foi um momento importante. Hoje eu tenho até certa inveja da minha juventude naquele trabalho. Me diverti muito.
Você é filho de poloneses. Como é a história dos seus pais? Minha mãe era de uma família muito rica na Polônia, que foi dizimada quando a guerra começou. Todos os bens foram confiscados, o pai da minha mãe morreu. Mas a mãe dela fugiu de Varsóvia, grávida, e teve minha mãe embaixo de uma árvore. Elas foram acolhidas em uma aldeia que hoje fica na Ucrânia. A família do meu pai é um outro extremo, uma aldeia pequena perto de Cracóvia, uma família de 11 irmãos. Quando estoura a guerra vão todos pro gueto, mas conseguem viver escondidos em um sótão, durante anos. A essa altura meu pai tinha sido adotado por uma família católica. Só que ele fica doente, minha avó é avisada e traz o menino pro sótão, com 2 anos de idade. Ele está com 75 e até hoje não gosta de falar disso. Fui descobrir essas histórias já mais velho.
Como os dois se juntam, no Brasil? Meu pai continuou na Polônia mesmo depois da guerra, até 1959. Mas tinha um tio que vivia no Brasil e eles decidem se mudar. Minha avó vem na frente com o filho mais novo e, sete meses depois, vem meu avô com meu pai. Eles se instalam em São Paulo e começam a trabalhar. Sabe piso de caco de mármore? Meu avô fazia isso. Metade dos prédios de Higienópolis tem esse piso, que ele fazia com meu tio-avô. Já a minha mãe, depois daquela história toda, ganha um padrasto e ele é transferido pro Brasil. Ela vai estudar arquitetura no Mackenzie, na mesma época em que meu avô faz engenharia lá. É assim que eles se conhecem, no meio de uma turma de estrangeiros que convive até hoje.
"Pedir impeachment ou a volta dos militares é falta de maturidade, desconhecimento. Mas o fato de o cara ter saído de casa pra ir pra rua eu acho positivo"
Eles gostaram da ideia de você ser ator? Não, foram muito contra. A gente brigou muito por causa disso. Eu entendo, havia uma preocupação com a segurança, ter uma profissão. Meu pai começou aqui sem dinheiro, virou engenheiro, sempre foi o estilo de pai provedor, sério, de gravata. Eu tive muito medo de ser ator. Fiz um ano de EAD [Escola de Arte Dramática] e estava desistindo, mas acabei sendo chamado para alguns trabalhos. E teve um texto pelo qual me apaixonei, Peer Gynt, do Ibsen, que estava sendo montado pelo Roberto Lage, em 1990. Tem um episódio dramático sobre isso: nesse ano, pela primeira vez nós íamos para a Polônia juntos, meus pais, eu e minha irmã, encontrar um tio da minha mãe. Mas surgiu a chance de fazer o papel principal nessa peça e, aos 19 anos, tive que escolher entre esses dois mundos. E eu escolhi fazer a peça.
E aí? Fui mandado embora de casa. Escrevi uma carta para esse tio dizendo que um dia eu voltaria lá. Todo mundo me odiou, meu avô me ligava para dizer que estava destruindo a família. Mas em 1998 voltamos todos à Polônia. Fui pra Copa [da França] com essa minha turma de amigos e em seguida fui encontrar a família. Encontrei o tio, conheci os lugares que faziam parte da história, veio toda essa carga da guerra.
Quão judia é essa família? Vocês são religiosos, seguem as tradições? Muito pouco. A gente faz Rosh Hashaná, Yom Kippur, Pessach. Eu sou muito ligado a isso, culturalmente. Tenho as histórias comigo, mas não sou religioso no sentido de conhecer as rezas. Nem minha família.
De onde você acha que veio essa vontade tão forte de ser ator? Eu era um garoto comum, estudava no Rio Branco, tinha amigos. Acho que eu tinha muito pra dizer, pra expressar, e não sabia como. Aí quando eu entro num grupo de teatro da escola tudo muda. Achei perfeito, conseguir falar através de um personagem. Foi lindo. E foi involuntário, uma surpresa, um susto. Descobri isso de repente, no último ano escolar. Foi quase sem querer, como diz o Legião Urbana. Cogitei outras carreiras, medicina, engenharia. Mas ser ator foi muito forte.
Você é louco por futebol, não? Eu fiz muito esporte na infância, sempre joguei bola. Existe um trauma na minha vida: tive que operar os pés com 13 anos, passei um tempo em cadeira de rodas, fiz muita fisioterapia. Por um tempo o único esporte que eu podia fazer era natação. Depois, voltei a jogar.
E a ligação com o Corinthians, vem de onde? O Corinthians é demais. Minha primeira lembrança importante em um estádio é da época da Democracia Corintiana, a campanha de 81, 82, por aí. Mesmo quando o time do Corinthians não era o melhor, sempre teve muita raça, vontade. Uma certeza de que ia fazer acontecer. Aí vem o Doutor [Sócrates], com toda sua visão de mundo. Fui aprender o que era democracia com eles. Eu estava com meu pai no estádio, o Corinthians entra em campo e eu pergunto: o que é isso que está escrito na camisa? O que é democracia? Anos depois eu conheci o Sócrates. A gente se encontrava, ria. Foi um privilégio pra mim.
Depois que saiu da Globo, você se sente mais livre para se expor politicamente? Continua a mesma coisa. A Globo sempre foi muito legal comigo, nunca me determinou nada. Sobre a questão política, eu nunca me expus, nunca digo em quem votei ou vou votar. O Brasil não permite a mudança de ideia, principalmente nas redes sociais. Há um policiamento enorme. Hoje é difícil expor sua opinião sem ser acusado de coisas que você não é, sem ser agredido. A troca de ideias anda muito difícil. Como ator, tive uma influência grande do Paulo Autran, e ele dizia: quanto menos as pessoas souberem de você, mais elas vão acreditar nos seus personagens.
Como vê a situação do Brasil hoje? O que acontece no Brasil hoje é uma tomada de consciência geral. O brasileiro anda meio triste. A ignorância é feliz por natureza, a tomada de consciência não. Há um desânimo no país. Para quem acreditou que a gente ia sair do buraco, ia florescer... Na verdade, a gente estagnou.
O que acha das manifestações? Acho a ida para a rua positiva, seja a bandeira que for. Significa brigar pelo país. Quando pedem o impeachment ou a volta dos militares acho que existe aí uma falta de maturidade, um desconhecimento, sem dúvida. Mas o fato de o cara ter saído de casa pra ir pra rua também significa alguma coisa. Quando eu tinha 17 anos, eu era intenso, mesmo quando não sabia direito o que eu estava falando. Enxergo um pouco como se o Brasil tivesse 17 anos. A gente está na adolescência. A maturidade vai vir. O conhecimento, o interesse, tudo vai acabar chegando. Vamos buscar o melhor voto, mais participação, melhor estrutura política.
Voltando pra televisão, o que você quer com o CQC? Eu quero um programa de qualidade. Certos profissionais, certas pessoas que eu conheço, querem isso. Certos programas não se interessam por isso, não estão nem aí. Os mais interessantes acho que querem.
Aonde você acha que vamos chegar? Acredito que a gente vai cair em audiência em tudo, já tem caído. Não por culpa de quem faz, mas porque os interesses estão mudando. Boa parte dos jovens, do novo público, já não vê televisão aberta.
Muitos programas bombam mais no Twitter do que na tela da TV. Quando observamos a medição do Ibope de uma matéria do CQC dando 3 ou 4 pontos e vamos ver na internet, tem 800 mil acessos, o que significa uns 10 pontos no Ibope. Os críticos de TV vão ter de começar a entender isso, essa nova realidade, e não apenas cobrar os números oficiais da audiência.
O CQC sempre foi a cara do Marcelo Tas. O que você sentiu quando sentou ali naquela bancada, no lugar dele? Eu nunca pensei sobre isso. O formato é parecido, a mesma roupa, os textos são consolidados, parecidos. Quando estreou, teve jornalista que escreveu que eu quis parecer o Marcelo. Mas sempre procurei fazer as coisas do meu jeito. Como ator, em tudo que eu faço, faço do meu jeito, porque senão não tem sentido pra mim. A minha preocupação é fazer um bom programa, fazer a coisa funcionar, a roda girar.
O CQC é muito improviso, é preciso ter muita presença de espírito, não? Imagine que não temos teleprompter, não temos texto pra ler. Quando volta de uma matéria, você tem de dar o ritmo até chamar a seguinte. Depois, preparar a piada pros dois e finalmente dar opiniões pessoais. É preciso ter a síntese e a elaboração de pensamento que não esteja escrita. Está sendo um aprendizado bem bacana.
Não frustra um pouco o CQC, que é um ótimo programa, dar apenas 5 pontos no Ibope? O CQC não merecia mais? Eu queria que desse 30. Ou até mais, pensando na equipe, na produção, na Band. É um programa divertido, inteligente, que mostra coisas de verdade. Estou lá hoje porque gosto, porque sempre gostei do programa. Quando vejo o que está passando na mesma hora que o CQC, tem gente que está vendo o Gugu, do Gugu vai pro Ratinho.
Como você encara essa ruptura de sair dos 30 pontos e cair nos 5 do CQC? Tenho consciência de que não sou eu. A novela é um monte de gente, uma história, um ícone do país há décadas. É bom frisar que a Globo, no horário político, vai dar 20 e a Band, 4, mostrando a mesma coisa. É claro que a minha responsabilidade, o meu nível de envolvimento, no CQC é muito maior do que era numa novela. Mas eu não me martirizo com esse 30 a 5, não.
O que você acha das redes sociais? Eu ainda não me acostumei a falar com tanta gente que não conheço. Acho que é um exercício de identidade muito positivo. Eu sou alguém, tenho uma opinião, sigo essas pessoas, leio esses livros, vejo esses filmes. Brinco que na minha sala de aula [Dan foi professor de publicidade na Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM] tinha só um cara que gostava de disco voador. Na sua, tinha outro, e eles jamais iriam se encontrar. Na internet, eles se encontram em 5 minutos. Eles não vão se sentir sozinhos como se sentiam lá na minha sala ou na sua. Eles vão falar de discos voadores, eles vão ter um grupo de discos voadores, vão postar um vídeo, mostrar uma revista, a coisa vai longe. Isso não significa que o disco voador tem mais importância do que tinha antes. Mas acho esses encontros positivos.
Hoje todo mundo fotografa tudo. E publica. O que você acha disso? Eu tenho poucas fotos de criança. Depois, fui tendo mais, à medida que os meus pais foram comprando máquina. Hoje em dia uma criança tem fotos de quase todas as semanas da vida dela. E ela começa a tirar fotografias a partir dos 2 anos. A relação com a memória vai ser diferente com as crianças de hoje do que foi pra gente. Eu tenho uma grande curiosidade de saber como isso vai ser.
Você se considera um cara antigo? Eu sou um cara antigo com relação à privacidade. Hoje em dia, as pessoas têm uma ideia da privacidade que é muito diferente da minha quando mais jovem. Essa nova geração talvez seja mais aberta, mais espontânea. Quando um cara se fecha no quarto como a gente se fechava antigamente, o que sobra? Pra mim sobrava muita coisa. Hoje sobra o quê? O que sobrou só pra ele? O que ele não contou pra ninguém?
Se você tivesse um talk-show, quem seria o primeiro convidado? O Oliver Sacks. Tem muita gente com quem eu gostaria de conversar. O Obama, o Caetano, o Al Pacino, o arquiteto Isay Weinfeld, que é um cara espetacular.
E o cinema e o teatro no Brasil hoje? Acho que o teatro tem menos possibilidades do que o cinema. O grande problema do cinema é entrar em cartaz. É difícil fazer, mas se consegue. O teatro tem dificuldade nos dois momentos. Dificuldade para ser feito e dificuldade para ser visto. O problema do cinema é que ele está espremido numa lei de mercado que é difícil de mudar. Já o teatro é totalmente refém da Lei Rouanet. O Ministério da Cultura tem 0,3% do orçamento, não tem como gerar nada com tão pouco dinheiro; portanto, é a Lei Rouanet que acaba fazendo as coisas funcionarem no teatro. É tudo decidido pelos diretores de marketing, que têm que pensar nas suas empresas. Naturalmente, você não pode cobrar muito deles. O diretor de marketing está pensando no que é melhor para a empresa dele. Ele acaba escolhendo as peças que vão ter mais visibilidade, e o dinheiro acaba indo para os atores de mais visibilidade. Aí você tem um monte de gente talentosa sem palco.
Há quanto tempo você é casado? Nossa, agora é um número que eu não posso errar [risos]. Nove.
Você foi um cara muito namorador? Não, eu era muito romântico na adolescência. Sabe o Kevin, dos Anos incríveis? Eu era total Kevin. Sempre tive namoros sérios, histórias românticas. Depois até tive uma época mais rock’n’roll, divertida. Mas sou bem feliz hoje.
Há quanto tempo você é pai? O que mudou desde então? Quatro anos e meio. Muda muita coisa. Tem a questão prática, da responsabilidade. E tudo o que já fiz meus filhos vão poder ver, vão acessar a internet. Tenho que tomar cuidado para não ficar amarrado nessa ideia do ideal. Questões que eram mais filosóficas ficaram muito reais. Você tem que pensar: que educação eu quero dar? Que escola? Quão judeus eles vão ser, se é que vão ser? Quero que eles saibam a nossa história, e carreguem isso consigo, mas também quero que eles sejam mais livres do que eu fui. E tem toda essa coisa do mundo de hoje, que é caótico, virtual, precocemente sexual, violento. Tudo isso preocupa. Mas ter filhos é o máximo, a simplicidade, a alegria que está num simples passeio pelo quarteirão de casa.
Fazendo tanta coisa, como é o seu dia a dia? Eu agora estou ficando mais organizado. Tenho o CQC, a CBN, vou ter a ESPN, onde vou gravar um programa novo, o Bola da vez. Tem o teatro que eu cuido e a peça que vou fazer, A morte acidental de um anarquista, do Dario Fo. Eu consigo fazer tudo e ainda ter tempo livre. Eu sou uma pessoa triste sem tempo livre.
E no CQC, como é a rotina? Trabalhamos em equipe, é uma equipe grande, tem dois diretores, um supervisor, pauteiros, produtores, repórteres. Eu participo da avaliação de cada programa, das reuniões de pauta, gosto de orientar, dar um toque aqui e ali pros repórteres. É aquela coisa, eu não estou lá porque eu quero que tenha mais audiência, eu quero fazer o que podemos fazer de melhor. O CQC dá 4, 5 pontos de Ibope, mas a repercussão é enorme. As pessoas comentam, falam. Essa coisa de dar ideias, me meter, eu sempre fui assim. Quando substituí a Fátima Bernardes no programa dela, foi assim. No Saia justa substituindo as meninas também. Gosto disso. Eu não tenho problemas de ouvir que eu estou errado, que não estou fazendo bem. Ouvir é uma habilidade que eu tenho. O Marco Nanini falava que a coisa mais difícil para o ator é ouvir. Guardei isso para sempre.
Você ainda lê jornal de papel? Ainda sou um homem do papel. Tenho uma adoração por tecnologia, mas gosto de ler no papel. A Time, a Wired, a Time Out, revistas de arte, adoro. Acabei de encadernar a coleção da Placar, porque estavam esfacelando. Apesar de achar que elas ficam lindas no iPad, gosto do papel. Gosto de tomar café lendo jornal. O que me encuca hoje é a morte do tédio, o nada pra fazer. Ninguém mais tem tédio. Você não fica mais à toa, vai pro Facebook, pro celular, é uma loucura. A máquina tem de estar girando o tempo todo. Adoro meus livros, olhar pra estante e ver todos aqueles livros.
O que você está lendo? Liberdade, do Jonathan Franzen. Acabei de ler o Humilhação, do Philip Roth.
E o futuro, como vai ser? Não consigo imaginar muita coisa. Por exemplo, uma casa onde haverá apenas um iPad com 20 mil livros, 10 mil filmes, a vida da pessoa. Às vezes sonho com o mundo do Almodóvar, em que uma pessoa está em casa fazendo café e a campainha toca. E aquilo é um mistério: quem será? Coleciono vinis, ouço jazz, adoro fotografia. Minha vida tem um lado meio anos 50. Estranho as pessoas que estão com medo até de ligar para o outro. Preferem mandar mensagem, e-mail. Acho estranho mandar parabéns pra alguém por mensagem. Mandar parabéns pelo celular pra um amigo que acabou de ser pai. Acho tudo muito estranho.