O homem-infantil

Não há nenhuma criatura mais descontente, deslocada e incompatível do que o homem-infantil, produto de um mundo que não existe mais e que não guarda mais lugar para ele. Cresçam!

por Ronaldo Lemos em

Existe uma expressão em inglês que deveria ter uso corrente também no Brasil: manchild (homem-infantil). O termo diz respeito a integrantes do sexo masculino que, mesmo tendo chegado à maturidade, continuam a se comportar como crianças mimadas. O exemplo clássico é a pessoa que, embora na casa dos 50 anos, mantém os mesmos valores, ídolos e falta de noção da adolescência, achando tudo “irado”.

O problema do manchild é principalmente seu individualismo (egocentrismo?) e irresponsabilidade. Em geral, dá para reconhecer um homem-infantil porque ele fala um monte (de besteiras, inclusive), mas não faz praticamente nada. Em outras palavras, adoram um mimimi, especialmente quando isso os coloca no centro das atenções. Querem aparecer pelo que falam, não pelo que fazem.

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Esse homem cultiva também um perfil de eterno iconoclasta. Para isso, tem orgulho do seu humor “politicamente incorreto” e “livre”, que, na maioria das vezes, é só ofensivo e irresponsável. Costuma cercar-se de outros homens-infantis, formando duplas, trios ou mesmo bandos de pessoas parecidas consigo mesmo. Seu habitat natural é a estagnação. Tal qual uma criança mimada, não enxerga nem entende o que é o outro, ou qualquer coisa que seja diferente do seu pequeno mundo.

Uma das características mais infelizes do homem-criança é sua propensão ao machismo (e outros tipos de “ismos” igualmente horríveis). O que faz sentido, pois muitas vezes ele próprio é produto de vários tipos de desigualdade, inclusive entre homem e mulher, que se materializam nos lares brasileiros, especialmente nos mais ricos. Ao crescer em um ambiente em que o deixaram atuar como pequeno déspota, passou a achar que o mundo pode ser assim (e, vale avisar, não é).

Não dá mais

Nos relacionamentos, o homem-infantil é em geral uma fonte de grande sofrimento para sua parceira (ou parceiro) e sua família. Primeiramente, porque sabe como ninguém transformar insegurança em agressividade. A pessoa ideal para um manchild precisa enxergar nele o gênio incompreendido que ele acredita que é (e que somente outros como ele conseguem enxergar). Seus familiares precisam também achar seus defeitos “divertidos” e tolerar suas falhas de caráter.

Em resumo, não há nenhuma criatura mais descontente, deslocada e incompatível do que o homem-infantil. E, curiosamente, apesar do nome, ele é na verdade só um velho, produto de um mundo que não existe mais e que não guarda mais lugar para ele.

Secretamente (ele não tem coragem de dizer isso publicamente), espera que “coisas” como “igualdade”, “feminismo”, “ações afirmativas” e todo o “politicamente correto” desapareçam. E que tudo volte a ser como antes (vale de novo avisar, não será).

Infelizmente, o manchild não é uma questão apenas individual, é também uma questão política. Foram tolerados por muito tempo e, agora que seu tempo finalmente passou, pela primeira vez precisarão encarar suas responsabilidades.

Da mesma forma que é preciso acabar com a cultura do machismo, é preciso acabar também com a cultura do manchild. É como diz o Talmud [uma coletânea de livros sagrados dos judeus] sobre o amadurecimento das crianças: “Cada folha de grama tem seu próprio anjo que se inclina sobre ela e sussurra: ‘cresça, cresça!’”. Para todos os homens-infantis: sejam como a grama.

Créditos

Imagem principal: @lushux

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