Caos no Éden
Misturando romantismo e filosofia, cartunista argentino Kioskerman lança livro no Brasil
Sinal dos tempos é um cartunista ter sido batizado a partir do nome de seu website e não o contrário. Pablo Holmberg, vulgo Kioskerman, não escolheu seu nome artístico. Quando precisou escolher um domínio para seu portfólio, resolveu brincar com o título da tira que desenhava, "Señor del Kiosco". Não imaginava que www.kioskerman.com se tornaria sua alcunha e o nome estampado na capa de Éden, seu primeiro livro.
A editora Zarabatana acaba de lançar a compilação das tiras de mesmo nome em português. Já era possível acompanhar Kioskerman através de seu site e blog, direto no espanhol portenho. Dono de um estilo onírico, o cartunista oscila entre o romântico e o filósofico sem cair na pieguice, criando algo parecido com os poemas visuais que Laerte fazia nas tiras da Folha de S.Paulo.
Por e-mail, Kioskerman conversou com a Trip e contou que suas influências vão do argentino Liniers, autor de Macanudo, ao cantor americano Bob Dylan.
Como se originou o nome "Kioskerman"?
Comecei fazendo uma tira que se chamava "Señor del Kiosco" em 2004. Quando quis registrar meu domínio web (já que sempre publiquei meus quadrinhos on-line), descobri que não podia usar "ñ" numa URL. Por isso, me ocorreu por kioskerman.com como endereço. Com o tempo, as pessoas acharam que eu era o "man" e esse era meu pseudônimo. Deixei assim. De alguma forma, fui batizado, não é que tenha escolhido.
Quando percebeu que queria ser desenhista?
É meio estranho porque não gosto de desenhar por desenhar. Não desfruto da capacidade de produzir um objeto estético como o desenho é. Tenho interesse pelos quadrinhos e a tira, sobretudo como ferramentas para me expressar. Quando desenho nos meus cadernos é para praticar o uso da ferramenta. Mas não me dou bem desenhando por desenhar. Fico entediado e sem paciência. Me divirto fazendo rascunhos, fazendo desenhos rápidos que possam ser lidos quase como símbolos. Se posso te dizer o que foi que me levou a utilizar o quadrinho como ferramenta foi ler Macanudo 1, do Liniers. Mais do que perceber que queria ser desenhista, percebi uma possibilidade para mim quando li Macanudo.
Qual é o tema de Éden?
O tema de Éden é o caos da minha mente e a forma na qual esse caos muda ano após ano. Essa é uma das coisas que amo no formato da tira. Trato de ser fiel a isso, acompanhar minhas mudanças. Por isso, não há tema fixo, mas um par de temas recorrentes, que são os que de alguma forma me deixam obcecado. Talvez nas tiras do meu primeiro livro, eu estivesse interessado no amor e na morte como temas. Agora estou cercando de fora, começando a me interessar mais em encontrar um mundo privado que está mais além da "ideia", da arquitetura que alguém crê existir na razão. Creio que o segundo livro terá mais a ver com a noite e algo meio místico (não encontro palavra melhor). Desenvolvi um interesse pela poesia. Isso é algo completamente novo para mim.
Na sua opinião, a Argentina tem bons desenhistas hoje? Eles tem espaço?
Acho que há um espaço gigante na internet para os desenhistas, não? Vejo a internet e seu funcionamento como o espaço para o desenvolvimento de uma contracultura. Me interessa muito como a internet fomenta a aparição de autores e pode ser testemunho de acertos e erros, de crescimento.
Quais são suas referências no desenho? E outras?
São muitíssimas no desenho e sempre mudam. Leio muitos quadrinhos e todos os anos algo novo me influencia. Não posso te dizer algo hoje que não vá mudar amanhã. Sim, existem autores fundamentais como John Porcellino e George Herriman. Também estive obcecado por Bob Dylan nestes últimos quatro anos, que me influenciou tremendamente. Também com William Blake. Meu novo livro de Éden terá muitos destes artistas porque são meus guias. Minhas leituras favoritas de quadrinhos deste ano foram Monsters de Ken Dahl (Gabby Schulz) e Alan´s War de Emmanuel Guibert.
Sua maneira de trabalhar mudou por causa da internet?
Minha maneira de trabalhar esteve pouco influenciada pela internet. Trabalho pensando num livro. A internet é útil porque a tira de quatro quadros funciona muito bem, já que o lapso de atenção é curto. Mas a internet é só um meio de difusão, não afeta meu trabalho quase em nada. Por outro lado, o livro afeta.
Conhece os quadrinhos brasileiros?
Sim, conheço alguns. Gosto muito do que faz o Fabio Zimbres, Adão, Sica e Elcerdo. Estou impressionado pelas coisas que se fazem lá [no Brasil] e escrevi sobre isso no meu blog.
Éden
Kioskerman
Ed. Zarabatana
R$ 40