Não adianta fugir
Ou mudamos nossa conduta e trazemos a natureza para a cidade ou em pouco tempo não haverá natureza alguma
É engraçado como a infância nos marca. Enquanto para muita gente a ideia de levar uma vida mais ao ar livre é projeto para o futuro, para mim a coisa tem um tom de volta às origens. Meus pais foram um pouco hippies antes do tempo. No fim dos anos 50, minha mãe, advogada recém-formada, não quis trabalhar no grande escritório de meu avô, preferindo ir para a praia defender os direitos dos caiçaras contra a então recente invasão paulistana. E meu pai, um artista plástico suíço meio perdido nos trópicos, adorou o projeto. Foi assim que acabei nascendo em Ubatuba, no fim do ano de 1961. Nossa casa era iluminada por lampiões, a água para lavar roupa e tomar banho era do poço; para beber e cozinhar, da bica. Tínhamos cachorro, gatos e até uma jaguatirica. No quintal, as galinhas eram criadas soltas (a minha se chamava Titinha). Aprendi a remar uma canoa antes de saber surfar. Cobras e aranhas eram visitas frequentes, e desde cedo aprendi a lidar com elas com naturalidade, distinguindo as venenosas das inofensivas e matando uma ou outra quando havia risco. Meus sapatos eram sandálias Havaianas e eu vivia no paraíso.
Mas desde Adão e Eva sabemos que o paraíso não dura para sempre. Faltava dinheiro para necessidades básicas, meus pais se desentendiam cada vez mais e acabaram por se separar. Meu pai voltou para São Paulo primeiro, e uns dois anos depois foi a vez de minha mãe, comigo. Fomos morar com minha avó. Tivemos que nos enquadrar no sistema. Estudei em boas escolas, mas não adiantava: me sentia como um passarinho preso na gaiola. Com o tempo fui me acostumando, até me tornar a figura urbana que sou hoje.
Alternativa moderna
O fato é que em Ubatuba levávamos uma vida sustentável antes que essa expressão existisse. Consumíamos pouquíssimos alimentos industrializados. A dieta era à base de peixe fresco, ovos, frutas (boa parte delas do quintal de casa) e farinha de mandioca. Minha mãe não comia carne vermelha (até hoje é assim) e tentava me levar para o mesmo caminho (não deu certo). À noite, como não havia opções modernas de entretenimento, como televisão ou rádio, os adultos liam, conversavam, tocavam, cantavam e bebiam diante do fogo. Eu, pequeno, só olhava. Não era, da parte de meus pais, um projeto estruturado, nos moldes do que se faz hoje. Tratava-se de uma opção intuitiva, de quem queria experimentar uma vida alternativa àquela que se oferecia nos grandes centros urbanos. Foi bom por um tempo, mas acabou não funcionando. Alguma coisa estava errada no modelo.
Hoje, aquele tipo de vida que eu experimentei quando criança virou uma tendência cada vez mais forte. Mas o interessante é que nem todo mundo pensa em fugir: há cada vez mais pessoas buscando uma vida mais próxima da natureza dentro das metrópoles, plantando em tetos de prédios, cultivando alimentos orgânicos nos fundos das casas, andando de bicicleta, povoando praças com árvores nativas. Ou seja, em vez de se esconder no mato, muita gente está tentando reduzir a diferença entre o mato e a metrópole. Eu acho que faz muito mais sentido. O que meus pais fizeram foi tentar negar o mundo real, como se apenas se afastando dele fosse possível criar uma realidade paralela, limpa e íntegra. Pode funcionar por algum tempo, mas não se sustenta a longo prazo. Não adianta tentar fugir. Ou mudamos nossa conduta e trazemos a natureza para as cidades, para dentro de nossas casas, ou em pouco tempo não haverá natureza alguma, nem perto, nem longe. Viver ao ar livre precisará ser, cada vez mais, viver nas cidades.