A dor tatua na pele mais sensível

por Luiz Alberto Mendes em

 

A dura memória

 

Parece não restar dúvidas de que tudo tende a ser ultrapassado. Não há como transformar algo em outra coisa instantaneamente. Mas sempre pode surgir um novo modelo que demonstre como o modelo vigente esta obsoleto e merece ser ultrapassado.

Apenas uma coisa parece não ficar obsoleto. A memória. Na verdade vivemos permeados e envoltos em memória. Vivemos de memórias e somos compostos de memórias sobrepostas. A riqueza de um ser humano esta em sua memória, em sua história. É seu diamante. É tudo o que ele leva e tudo o que ele deixa. Seu duro tesouro.

Creio que todos os seres humanos passam por maus e até por péssimos momentos. Às vezes parece que o que mais dói é que mais marca. E escondemos para não tornamos a lembrá-los. A dor parece que tatua na pele mais sensível de nossas recordações.

Claro que o que nos traz alegria também nos marca. Tenho singela esperança de que até mais que o sofrimento. As recordações que mais apreciamos estão sempre presentes em nossas vidas. Vivemos a recriá-las mentalmente na tentativa de usufruir sempre daquelas alegrias e felicidades. Acariciamos nossos momentos bons febrilmente. Eles nos são caros, somos carentes deles e fazem falta a cada instante da nossa existência.

O que não ocorre com a dor. Guardamos as lembranças mais doloridas na “tranca dura”. Recordar é quase vivê-las novamente. Sofremos horrores dentro de nós, revivendo dores que aconteceram em nossa infância ou adolescência. Chegamos a chorar plenos de piedade por nós mesmos. Queremos tanto esquecer que depois precisamos de ajuda profissional para lembrar e poder ultrapassar. 

O modo como vivemos nossas vidas determinam nossas lembranças. Desde o começo já foi extremamente difícil para mim e depois compliquei mais ainda. Então tenho histórias terríveis de serem lembradas. Doloridíssimas recordações. E constantemente elas detonam como bombas na consciência.

Lembro que meu pai me espancava até com certo prazer sádico; as violências sofridas nas ruas e nas instituições para menores de idade; nas torturas nas Delegacias e no DEIC (a 1ª vez que encarei “pau-de-arara” tinha 14 anos); depois os guardas de presídio e seus frios canos de ferro; a Tropa de Choque da PM (inúmeras vezes me espancaram de jogar no chão desmaiado); as guerras com os outros presos...

Acordo de madrugada com pesadelos, revivendo assassinatos que assisti, que cometi e que escapei de ser vítima. Constantemente associações conectam a memória e revivo as mais terríveis recordações. Muita dor que às vezes parece querer desafiar minha sanidade.

Sei que essas recordações todas vão morrer comigo, elas não vão cessar. Com dor ou sem dor, essa é minha história e tenho que viver com ela. Mas sinto que depois desses 8 anos vivendo fora das prisões, essas lembranças mais doloridas vão se amenizando; já não são absolutas, dominantes. Tenho guardado muitas coisas boas em minhas lembranças. De fato, não tenho do que reclamar. A vida tem sido razoável para mim, parece que vou encerrá-la numa boa.

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Luiz Mendes

24/09/2012.

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