À procura da barriga perfeita

Homens com diferentes circunferências abdominais falam sobre a obsessão pelo shape sarado

por Diogo Antonio Rodriguez em

O que a busca pelo shape sarado das revistas diz sobre o homem contemporâneo? O padrão pançudo de outrora está mesmo condenado? E o que a alimentação tem a ver com tudo isso? Com a palavra, especialistas em saúde, bem-estar e comportamento e, claro, homens com as mais variadas circunferências abdominais

Faz tempo que os cuidados com o corpo e a exibição dele são entendidos como “assunto de mulher”. Mas uma rápida passada de olhos por qualquer banca de jornal mostra que agora os homens também estão nessa: nunca estivemos tão obcecados com o próprio umbigo e seus arredores. Ao lado de modelos mais perfeitos do que o Davi de Michelangelo estão promessas de que a graça do abdome perfeito é algo ao alcance de todos: “Tchau, pança”, “Tanque e peito de aço!”, “O corpo que ela curte”, “A dieta do abdome” e “Barriga tanque em 1 mês” são exemplos de chamadas de capas.

O que tanto está pegando na nossa barriga?

O fenômeno não é regional – nos EUA, país com uma das maiores taxas de obesidade do mundo (35,7% dos adultos), a tendência é forte desde a mais tenra idade. A revista especializada Pediatrics divulgou no ano passado um artigo que mostra que 40% dos meninos nos ensinos fundamental e médio fazem exercícios regularmente para aumentar a massa muscular corporal. Quase a mesma porcentagem (38%) já consome suplementos alimentares e 6% já usaram esteroides. A maioria (90%) diz que procura aumentar sua massa de alguma maneira. No Brasil ainda não há pesquisas similares, mas já é possível dizer que estamos no mesmo caminho.

Presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, o médico José Horácio Aboudib conta que notou um aumento no número de homens buscando vários tipos de intervenções cirúrgicas: “Talvez hoje os homens representem 20% da clientela. Há dez anos, eram 4%. É um aumento muito grande”. As cirurgias mais procuradas por eles são a plástica de pálpebras, o implante de cabelos e – olha a barriga aí – a lipoaspiração. “O que as pessoas querem é a barriga reta: ‘Ah, doutor, quero ficar sem essa pelanca, sem flacidez’.”

Não surpreende que a modelo de lingerie Candice Swanepoel tenha virado notícia ao postar uma foto de sua barriga no aplicativo Instagram, inaugurando o termo “barriga negativa”. Já esguia, Candice revelou um abdome que não só não é protuberante, mas tem uma concavidade em relação aos quadris e ao corpo. Candice tem como original de fábrica aquilo que todo mortal se esforça para mostrar a cada vez que se vê diante de uma câmera fotográfica: a barriga encolhida, para dentro.
Mas daí a assumirmos essa configuração como padrão estético ideal a ser perseguido... é o tipo de fenômeno que nos faz perguntar: estamos indo longe demais?

Questões estéticas à parte, o que a maioria das pessoas parece ignorar é a importância da barriga no equilíbrio geral do corpo. Para o professor Julio Serrão, coordenador do laboratório de biomecânica da Universidade de São Paulo (USP), a chave para desvendar a questão tem quatro letras: core. “O ser humano tem um problema gigante no corpo, que é a instabilidade da coluna”, diz ele. “O core é uma cinta de músculos que sustenta e estabiliza a coluna.” Ou seja, se o core está forte, a coluna está forte, e, se a coluna está forte, não há limitação de movimentos, dores lombares, entraves e uma série de doenças relacionadas à mobilidade parcial da coluna. Grosseiramente falando, o core é a musculatura concentrada no cinturão abdominal, estendendo-se às costas.

“A barriga divide a parte de cima da parte de baixo do corpo. Quando você começa a entender a importância que ela tem, tudo muda”, diz Caio Vieira, praticante e instrutor de ioga há 11 anos. “Ao conseguir, com exercícios posturais, isolá-la do resto do corpo, você cria três estruturas independentes, mas ainda assim interligadas. Nessa hora, a respiração sai da barriga e vai para a caixa torácica, e é quando você expande os pulmões de forma total, usa 100% de sua capacidade respiratória e oxigena o corpo e os órgãos em volume máximo. Os benefícios são incontáveis.” É por isso que, quando estamos nos exercitando, muitos instrutores repetem o mantra: “Concentre-se na barriga”. Há uma longa distância entre perceber a importância do core e da barriga como nosso centro de gravidade e essa obsessão em voga pelos músculos abdominais.

Mas qual seria a origem dessa obsessão, em especial dos homens de hoje, pela barriga? Existem algumas pistas, e a primeira delas está ligada à saúde mesmo. A Organização Mundial da Saúde recomenda que os homens não tenham circunferência abdominal acima dos 94 centímetros. Segundo estudos, a concentração de gordura na região abdominal pode elevar o risco de doenças cardiovasculares. Se esse risco estava, antes, associado apenas ao sobrepeso, hoje ele está também na conta dos “magros com barriga”. Pesquisa da Clínica Mayo (EUA) mostrou que a “pochete” é perigosa mesmo para quem não tem sobrepeso – essas pessoas correm um risco 2,75 vezes maior de ter doenças cardiovasculares quando comparadas a indivíduos sem o cinturão de gordura abdominal.

Para além do combate à obesidade – não dá pra ignorar dados como o apontado pela revista de The Lancet, de que há mais de 500 milhões de adultos acima do peso no mundo hoje (num ranking em que o Brasil aparece na 19a colocação) –, há um fenômeno do nosso tempo mais ligado à questão da autoimagem. Até nem tanto tempo atrás, os padrões de beleza eram perceptivelmente diferentes. Homens e mulheres podiam ser mais redondos e gominhos na barriga eram coisa de fisiculturistas. Hoje, o ideal da Grécia Antiga (quando as estátuas feitas pelos artistas tentavam dar uma cara humana a deuses dando a eles um corpo reconhecível, mas perfeito) está muito mais em alta do que há cem anos, atesta a professora de história da arte do Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, Magnólia Costa. “Essa é nossa referência. Porém, hoje não buscamos isso só na representação, mas também em nossos corpos”, diz ela. Em outras duas épocas importantes na arte que também resgataram os gregos – o Renascimento (século 14) e a Arte Acadêmica (século 18) – o corpo ideal era harmônico e proporcional. Hoje, precisa ser impecável, como se fosse possível reproduzir na vida real o que as imagens altamente retocadas das revistas e anúncios nos colocam como ideal. “As mulheres até podem ser gordinhas, mas não têm celulite. Os homens têm sempre o tanquinho, são sempre fortinhos”, afirma. Um fato, porém, é verdade para qualquer época: “Homem barrigudo nunca teve lugar na história da arte”, diz Magnólia.

A arte serviu de termômetro estético até o século 20, quando o capitalismo se tornou dominante. Hoje quem dá as cartas são a moda e a publicidade. O padrão a ser seguido deixou de ser o das galerias e foi servido para consumo das massas. Uma pesquisa feita pela Universidade de Winchester descobriu que os homens de 16 a 36 anos que leem revistas masculinas com frequência têm uma percepção pior do próprio corpo, o que pode levá-los a se exercitar em excesso para ficarem parecidos com o ideal propagado por esses veículos. Outro estudo inglês, este da Universidade de West England, mostrou que 58% dos homens se sentem incomodados quando conversam sobre o corpo. Mais de 80% deles admitiram uma prática que em geral se atribui às mulheres: comentar o corpo de outros homens.

Outra consequência importante do capitalismo é o que o psicanalista Joel Birman chama de “medicalização crescente do corpo”. Quando o mundo se viu mais livre da religião (que perdeu o poder de ditar os valores do mundo ocidental), a partir do século 19, “a medicina passou a ocupar um lugar fundamental na nossa existência”, diz. “Trocamos o ideário da salvação pelo da saúde.” Se antes a vida era regulada pela concordância com mandamentos divinos, ser saudável passou a ser o maior valor da nossa cultura. “Criou-se o ideário de um corpo magro como ideário da beleza”, explica Birman. As mudanças nos costumes também têm seu papel. O fim do casamento monogâmico eterno coloca sempre a expectativa de voltar à ativa, diz Birman: “Você não pode deixar o corpo cair. Senão, vai ser abandonado pela companheira e não vai conseguir outra no mercado”.

Mas uma barriga aparente está longe de significar corpo caído. “Tem atleta que tem a barriga proeminente, mas tem o abdome extremamente forte”, diz Julio Serrão. Os atletas são, aliás, pessoas que entendem a vital função do core e encaram a barriga como ponto central do corpo. “A gente tem a imagem de que abdome forte é abdome definido, e isso não é verdade. Do ponto de vista mecânico, a coluna está protegida se o core estiver fortalecido, mesmo naquelas pessoas que têm uma camada de gordura sobre a musculatura”, completa.

O mundo oriental talvez possa servir de inspiração para lidarmos melhor com a barriga. Para os japoneses, a região da barriga se chama hara e é uma das mais importantes do corpo. É ali que está a alma dos homens. Mais do que isso, o hara é uma representação da própria vida e do universo, “a fonte de energia de todo o corpo”, como explica Marcelo Tadeu Fernandes da Silva, mestre de aikido, psicanalista e professor de educação física nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo. Para ele, a barriga é que dá o centro gravitacional do corpo – e estar em equilíbrio é ter uma boa postura. “Por isso a base é tão importante na prática das artes marciais”, observa Silva. “Desenvolver esse centro é uma premissa para ser um bom praticante.”

Até para aqueles seres mais desapegados, adeptos da meditação e que não estão nem aí para a estética das próprias barrigas, um cinturão abdominal trabalhado é fundamental: “Quando você medita, é importante que a coluna esteja ereta para que a respiração seja executada em capacidade máxima. E só um abdome forte consegue manter a coluna ereta”, reforça Caio Vieira.

Julio Serrão lembra ainda que, quando falamos em abdominal, tendemos a lembrar de um exercício apenas: aquele em que, deitados, flexionamos a coluna para frente. Mas ele diz que esse tipo de exercício exige apenas 50% da capacidade dos músculos abdominais. “Virou moda prescrever 500, 600 abdominais. Isso precisa ser revisto. Tem aula só de abdominal em academias. É bizarro.” Para ele, há muitas outras atividades – pilates, ioga, exercícios com bolas etc. – que exigem bem mais da musculatura abdominal do que o tradicional movimento que todos nós já fizemos na vida.

Tratar o corpo como máquina tem suas consequências. Primeiro, deixa-se de lado a percepção de que ele faz parte de um sistema e que depende de outras coisas. Um abdome forte e saudável não pode ser exclusivo de quem se preocupa com a estética. “Ele é importante para todo mundo, do obeso ao idoso”, reforça Serrão. “Pouca gente sabe, mas uma hérnia de disco pode começar com um abdome fraco, que leva a uma instabilidade da coluna, que leva a uma lesão.” O professor lembra ainda que o tão sonhado abdome definido depende muito mais do que o cara come (e deixa de comer) do que do exercício que ele faz. “Quem consegue definir o abdome é quem se esforçou muito na dieta. Ter um abdome tanquinho não é para qualquer um, definitivamente”, argumenta.

Qual seria, então, o grande segredo para tratarmos a barriga como ela merece ser tratada? Caio Vieira arrisca: “Temos que aprender a usar o abdome da forma correta. Se pensarmos nele isoladamente, acabaremos usando-o como um bebê: no piloto automático, e apenas para respirar pela barriga e sobreviver”. Ao entendermos a vitalidade dessa área para o dia a dia, ao sacarmos que ele é o centro do corpo e que tem essa função de interligar todas as nossas partes, iremos escolher trabalhá-lo, seja com exercícios ou respirações ou uma combinação dos dois. “A partir daí ele pode até trincar, formar gomos, sair em revistas, o que for, mas isso será apenas resultado. E um resultado que nem é o mais essencial.”

“Não tenho problema com ela. Fui atleta de rúgbi até meus 28 anos. Fui da seleção brasileira. Tinha abdome tanquinho não porque me preocupava com isso, mas por causa do esporte. Depois, a barriga superou o esporte. Apesar de tomar cerveja e comer gordura às vezes, tenho uma alimentação saudável. Os médicos ficam putos porque eu tenho indicadores de uma criancinha de 16 anos e eles não podem falar mal da minha barriga. Tenho meus limites. Quando começo a bufar para pôr meia, sapato, sei que está na hora de emagrecer um pouco”

Mitos e verdades

“Não há milagre que seque a barriga”

A gordura abdominal é difícil de ser eliminada. Para isso, é necessário perder peso com manutenção da massa magra. Pessoas, mesmo magras, podem acumular uma reserva de gordura na região abdominal, algo que a atividade física ajuda bastante a eliminar.

Mas não há milagres: se existisse alguma dieta específica, descrita em literatura e com comprovação científica, e/ou alguma pílula mágica para “secar a barriga” – promessas nas quais muita gente ainda insiste em acreditar –, a obesidade não seria um dos maiores problemas em saúde pública nos dias de hoje. A questão estética, preocupação crescente da população mundial (e, na brasileira, muito evidente), tem feito com que muitas ideias se propaguem sem que se tenha muita certeza sobre sua eficácia. Alessandra Coelho, nutricionista clínica da SBCBM (Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica) e Mariana Fontana, especialista em fisiologia do exercício e nutricionista do Instituto Vita, comentam mitos e verdades dessa seara.

Deixar de comer carboidratos à noite faz sentido?
Não. O carboidrato é um ótimo alimento para ser ingerido no período da noite, pois em geral tem fácil digestão e baixo teor de gordura na sua composição. A atenção deve ser dada à qualidade desse carboidrato e, claro, ao tamanho da porção: como qualquer outro excesso, o de carbo também é prejudicial.

Comer de três em três horas é o canal para perder a pança?
Essa prática favorece o funcionamento mais acelerado do metabolismo. Além disso, evitar longos períodos sem comer ajuda a controlar volume e qualidade das grandes refeições (principalmente almoço e jantar).

As maiores besteiras que alguém pode fazer são…
Fazer exercício “vestindo” saco plástico ou roupas pesadas, fazer atividade física em jejum, usar laxantes e diuréticos, fazer dietas com mudanças bruscas nos hábitos alimentares, dietas radicais (à base de sopa, suco, um só alimento etc.), usar cintas, tomar vinagre antes das refeições, comer alho após as refeições… são muitas.

E os maiores acertos são…
Dieta balanceada associada à atividade física, sob orientação de profissionais capacitados. Além disso, uma dica é nunca mudar a dieta radicalmente: é mais apropriado diminuir as quantidades de comida progressivamente até chegar a um patamar em que o organismo disponibilize a reserva.

O maior segredo para perder a barriga é...
Já nem é segredo: estilo de vida saudável. Alimentação equilibrada, atividade física, manter um bom funcionamento intestinal e ingerir bastante líquido. Evitar o fumo, as bebidas alcoólicas e refrigerantes, os alimentos gordurosos e as frituras.

Cerveja e glúten são vilões?
O álcool é um tipo de açúcar de absorção rápida. O consumo excessivo faz com que o corpo reserve o excesso de açúcar na forma de gordura. Quanto maior o teor de álcool na bebida, menor deve ser o consumo, para evitar o ganho de quilinhos... O glúten é vilão só para quem tem intolerância a ele (doença celíaca, diagnosticada). Não há comprovação de que a retirada do glúten traga benefícios ao organismo.

O melhor exercício é…
O exercício mais indicado para a oxidação de gordura é o exercício aeróbio realizado regularmente. Um educador físico pode avaliar o tipo, a intensidade e a duração mais indicados para cada pessoa.

Há alimentos que estimulam o gasto de energia pelo corpo?
Pimentas, canela, gengibre e chá-verde.

Água com limão “queima” a barriga?
É um mito, não há milagres. Mas o limão tem propriedades diuréticas (diminui a retenção de líquido) e possui baixo índice glicêmico.

Gordura abdominal pode matar?
Existem dois tipos de gordura abdominal: subcutâneo e visceral. Do ponto de vista metabólico, a gordura visceral é pior, uma vez que está próxima aos órgãos e consegue liberar maior quantidade de gordura para o sangue, aumentando o risco de doenças cardiovasculares.

Crédito: Luiz Maximiano
Crédito: Luiz Maximiano
Crédito: Luiz Maximiano
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