A favela não passa na novela

Para Tia Dag, pobreza vende, ganha eleição e estamos fazendo muito pouco para mudar isso

por Tia Dag em

Educar nunca foi fácil. A educação é a base para o desenvolvimento do entendimento da cultura. Vai muito além de juntar letras ou números para gerar um sentido. Signos (como as letras do alfabeto) se reúnem para formar um conceito que precisa se tornar imagem na cabeça de quem aprende. Mas essa imagem pode ser uma qualquer, mais simples ou sofisticada. Quando uma criança consegue ler a palavra “casa” e compreende o seu sentido, ainda assim, ela vai imaginar a casa dela ou uma outra, idealizada. O que dizer então quando lemos “comunidade” ou “favela”?

A palavra comunidade para se referir aos barracos ou casas de tijolinho baiano que se amontoam em morros e crescem sem nenhuma ordem é uma invenção do marketing de vendas. Foi um termo criado para gerar um senso de dignidade e união que troca o cuidado real e necessário por uma fachada colorida para inglês ver. Comunidade passa na novela, favela passa no jornal. Comunidade é propaganda de abertura de conta em banco popular, favela é bala perdida no escuro da noite. Como educadora, considero essa divergência inaceitável. Não tem nada de comunidade na favela. A única coisa “comum a todos” é a falta de saneamento básico, saúde, segurança, escolas, creches e muito mais. Na favela, a “chapa quente” é quente mesmo. E dói de verdade.

“O efeito da mídia para as massas não é gerar uma crença, mas manter o mecanismo do vício”

Educação existe para gerar consciência, senso crítico e discernimento em um mundo cheio de contrastes negativos. As pessoas de baixa renda são a base consumidora de produtos e serviços no Brasil. São elas que movimentam o comércio e a indústria com suas moedas e trocados, com seu desejo de ter uma vida mais digna e melhor. Usar palavras bonitas ou colocar gente “colorida” na televisão para vender novela, sabonete, conta de banco ou internet, vejam bem, não resolve o cotidiano violento e desordenado das favelas brasileiras. Vamos parar de estilizar e glamourizar a pobreza, por favor? Provavelmente, não. Pobreza vende, ganha eleição e estamos fazendo muito pouco para mudar isso.

Educadores têm um trabalho dobrado no mundo atual. Precisamos ensinar as pessoas (jovens, adultos e crianças) a consumir de forma consciente, não apenas produtos, mas aquilo que forma uma identidade real. Ninguém gosta de ser chamado de pobre (uma palavra que lembra algo podre, em degeneração), mas dourar a pílula não serve em nada para a educação de valor. Podre ou rico, o que vale para mim é o conteúdo. Gente real, gente que se conhece e se aprimora. Imagem passa, o conteúdo fica. Lembre-se disso quando for assistir ao próximo jornal das oito ou a sua novela preferida. Até.

Tia Dag foi homenageada pelo Trip Transformadores de 2007. 

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