Pastor Henrique Vieira: Nem todo evangélico é conservador
O fundador da Igreja Batista do Caminho fala sobre intolerância religiosa, Bolsonaro, a experiência de atuar em Marighella, amor e até Big Brother Brasil
O Pastor Henrique Vieira, fundador da Igreja Batista do Caminho, cimentou seu lugar como líder espiritual com muito estudo. Professor, poeta, palhaço, ator e ativista, são muitas as facetas que leva ao púlpito. De voz firme e uma tremenda simpatia, ele viu seu nome ficar ainda mais em evidência quando seu personagem no filme "Marighella", de Wagner Moura, defendeu a possibilidade de Jesus ser preto, algo que o religioso já afirmava muito antes do filme. “A discussão vai além de uma questão de cor da pele. Jesus foi torturado e executado, era um corpo descartável. Sua experiência está profundamente conectada com a experiência do povo negro nas Américas e no Brasil".
Um humanista, antes de mais nada, Pastor Henrique já foi vereador em Niterói pelo PSOL, mas hoje opta por militar por direitos iguais a todos em outras frentes. Mesmo quando celebra casamentos, defende uma existência menos alienada: "De uma forma sensível e poética, tento dizer aos casais para que não vivam um amor burguês, centrado na própria casa. Gosto quando os casais vivem o afeto, mas também abrem a janela".
Em um papo com o Trip FM o pastor ainda falou de palhaçaria, infância e até Big Brother Brasil. Confira no play ou leia um trecho abaixo.
Trip. Me conta um pouco da sua gênese. Como você vem ao mundo?
Pastor Henrique Vieira. Eu nasci em Niterói, vivi lá até 2016. Cresci em Fonseca, um bairro periférico e popular. Ali morei com minha mãe, pai e dois irmãos: sou o caçula. Foi uma infância, apesar das dificuldades materiais, muito rica em imaginação e brincadeira. O carinho da minha mãe e minha avó me marcou muito. Apesar das dificuldades, existiu muita alegria, jogando bola de pés descalços, no asfalto. Me diverti bastante.
Você tem contato direto com toda a realidade no Brasil, com todos os seus preconceitos. Queria que você me falasse sobre o preconceito contra o evangélico. Isso precisa ser bem explicado. Primeiro, neste país muito marcado pela intolerância, as religiões que mais sofrem são as de matriz africana. Terreiros são destruídos, pais e mães de santo são ameaçados. É também verdade que existe um estigma sobre o campo evangélico, como se todo evangélico fosse conservador e ignorante. É uma forma de preconceito, sim. Isso é perigoso e precisa ser superado.
O que mais marcou você no set do filme Marighella? Foi uma energia muito bonita. Todo mundo que participou estava engajado em contar uma história tão importante para o nosso país de hoje. Mas eu quero destacar o trecho em que o meu personagem aparece torturado. Essa cena seria gravada no fim da tarde, mas a maquiagem foi feita de manhã. Quando eu abri os olhos e vi aquilo fiquei muito impactado, mexeu muito comigo. Em mim era uma maquiagem, mas em muitas pessoas foi tortura mesmo. Tive uma crise de choro muito intensa. No meu caso tem ainda mais um elemento, porque eu sou pastor e de esquerda, dos direitos humanos, que estava interpretando um religioso lutando contra a ditadura. Então, de alguma forma, aquilo tinha a ver com as minhas opções de vida. Lembrei muito do Frei Tito, que foi torturado pela ditadura.
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