Luiz Fernando Carvalho: Nunca tenho certeza do êxito
Cineasta que desafiou os limites estéticos da Globo estreia minissérie na TV Cultura e fala sobre vocação
“Toda cultura estabelecida, oficial, em algum ponto precisou se alimentar na contracultura. O criador é aquela pessoa que se preparou para fazer uma crítica ao modelo hegemônico”. Conhecido por expandir os limites criativos da TV Globo, o diretor Luiz Fernando Carvalho – responsável por obras como “Hoje é dia de Maria” e “O Rei do Gado” – arrasta agora o seu olhar à TV Cultura com a minissérie “Independências”, uma produção que leva nomes como Antônio Fagundes e Gabriel Leone para fora da emissora carioca e que também não tem medo de englobar elementos indígenas e africanos ao roteiro. “Por ser descolada do mercado, a TV Cultura tem a capacidade única, mais do que streaming, de se colocar como uma televisão de vanguarda. Ela é liberta, ela não é de governo nenhum”, conta sobre a experiência.
Com 62 anos e uma dedicação enorme à profissão, Luiz fez faculdade de arquitetura e letras, mas a vocação falou mais forte e – como um verdadeiro autodidata – aos 24 anos ele estreou o curta-metragem “A Espera”, trabalho que lhe rendeu premiações importantes. O longa “Lavoura Arcaica”, no entanto, foi o título que o colocou entre os grandes olhares da arte brasileira de uma vez por todas, o que ele parece negar: “Se alguma coisa tivesse me satisfeito plenamente, eu já teria parado. Eu nunca tenho essa certeza do êxito, estou sempre com um nível de incompletude muito grande. Tanto que não consigo assistir a quase nada que fiz”.
Em um bate-papo com o Trip FM, Luiz falou do amor pela profissão e de Brasil, além de relembrar a dura morte de Domingos Montagner durante as gravações de “Velho Chico”, novela que ele também dirigiu. Confira o papo completo no play, busque o Trip FM no Spotify ou leia um trecho da entrevista abaixo.
Trip. O seu trabalho é um trabalho de vocação. Queria que você falasse sobre esse chamado que, até onde eu sei, foi bastante claro para você.
É muito importante estar vinculado com a sua natureza. Eu fui um menino solitário, então me agarrei a escolha de um ofício que me deixasse feliz, como uma espécie de companhia espiritual. Fazer o que amo sem querer nada em troca foi o que me levou a toda a minha travessia. O jovem vive hoje debaixo de uma pressão muito grande e uma quantidade enorme de seduções que o distanciam do momento tão necessário de conversa consigo mesmo, onde a vocação vai se revelar. Quais são os seus desejos mais íntimos e através do que você vai lidar com essa caminhada?
Mesmo estando em uma empresa grande como a Globo, você conseguiu desafiar os padrões. Como foi isso?
Toda cultura estabelecida, oficial, em algum ponto precisou se alimentar na contracultura. Por isso que é preciso se preparar com técnicas de guerrilha: nunca ninguém vai te dar todo o dinheiro do mundo para realizar os seus sonhos. O criador é aquela pessoa que se preparou para fazer uma crítica ao modelo hegemônico. É preciso se preparar para alguma fresta muito estreita que vai se abrir. É preciso aproveitar e entrar por aí, fazer todo o esforço do mundo para colocar tudo o que você sentiu por essa fresta mínima.
O que você aprendeu ao levar esta minissérie, “Independências”, para a TV Cultura?
Em primeiro lugar eu aprendi muito sobre o país. O que se matou nesse processo de colonização – do qual a independência é apenas um ponto – de saberes, de cultura, de riqueza, sem falar das próprias vidas... É jogar a complexidade de um território no ralo. Foram muitas coisas postas à parte para que um único saber eurocêntrico imperasse e dominasse. Sobre gravar na TV Cultura, o mercado audiovisual é pesado, é como se fosse o Vaticano: não adianta só um padre com ideias progressistas, é preciso séculos para aprovar algo que a sociedade já tem como compreendido e absorvido. Por ser descolada do mercado, a TV Cultura tem a capacidade única, mais do que streaming, de se colocar como uma televisão de vanguarda. Ela é liberta, ela não é de governo nenhum.
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