Viagem a roça, fim de semana em família...
Casamento do primo, horas e horas no ônibus, rolê no interior, picadas de pernilongo e outras coisinhas mais
Ops...
Viagem à roça, em números:
- 12 unhas postiças no lixo
- 32 picadas de pernilongo nas pernas
- meio copo de whisky
- 27 novos tios
- 140 novos primos
Viagem à roça, em letras:
Como ninguém sabe, eu fui visitar meus parentes no interior e ser testemunha ocular do acontecimento do século na família Martin: o casamento do meu primo Gustavo. Trinta e tantos anos, solteiro convicto, machista inveterado, pegador incondicional, era quase impossível acreditar que aquele momento realmente aconteceria.
Muito mais no estilo “se ele conseguiu, eu também consigo” do que no “só acredito vendo”, lá fui eu com meu filho e minha mãe sacolejar durante algumas mil horas de viagem dentro de um busão.
Saímos do Tietê por volta das 22h40 de quinta e chegamos a Olímpia às 5h30 da manhã de sexta. Para não fugir da tradição que se perpetua por anos e anos, comi pão de queijo da estrada (meu preferido: gosto de polvilho, farinha e sem um pingo de queijo) e tomei Toddynho (piada). Meu filho pediu uma cachaça e um churrasquinho (piada). Não preguei o olho a noite toda, principalmente depois que minha mãe brigou com o rapaz ao lado, que dividia a poltrona com ela.
EIIIII, CARA. VOCÊ ESTÁ COM AS PERNAS EM CIMA DAS MINHAS!!!!!!
Senti saudades do meu pai. Ou do meu muque e das minhas facas, não sei bem ao certo.
A sexta
Chegamos na casa do meu tio, dei bom dia para a família que não via fazia cinco anos e fui dormir. Acordei duas horas depois, e meu tio resolveu passear abraçado comigo pela cidade, apresentando, cheio de orgulho, a SOBRINHA DE SÃO PAULO. Eu. Mostrou para o moço da banca, para o Zé do bar, que jogava dominó com seus amigos aposentados, para a Maria da padaria. “UMA BELEZURA, NÉ? PRRRRRA CASARRRRR.”
Antes que eu voltasse casada com Tonico, o pipoqueiro, fui almoçar e andar pela cidade atrás de unhas postiças. Depois, passei na manicure/pedicure/açougueira e descobri que tirar cutículas é pior que dor de parto. Sai sangue, inflama e cria pus, principalmente se você resolver colocar unhas postiças – procedimento demorado, de mais ou menos três horas – no dia do aniversário de 15 anos da manicure. Aliás, o trabalho infantil é muito comum no interior.
Voltei para casa com as crianças (Luquinhas e a filha da minha prima) quando já era de noite. Bastou eu entrar portão adentro para a unha do dedão, linda, grande e vermelha, olhar para mim, dizer “GERALLLLLLLLLLDO!” e depois se atirar dali. Gradativamente, todas as unhas saltaram de minhas mãos e eu voltei aos cotocos originais, de três horas antes e dez reais a mais no bolso.
Não me abalei: vesti minha blusa de oncinha e fui visitar meu primo que casaria, para levar a saladeira, presente-padrão da nossa família.
– Prima, você está linda.
– Primo, você parece que casou há 15 anos.
Dizem que homem engorda depois que casa. É melhor ele parar por aí. Mas, depois de vê-lo, entendi por que era melhor ele casar com sua noiva, bonita e simpática, a continuar solteiro convicto. Se a perdesse, seria difícil encontrar outra disposta a uma cama extraking size. A não ser nessa nova versão da Casa dos Artistas.
O sábado
Acordei (nem dormi) com 32 picadas nas pernas e umas 12 mil nos braços, não sei precisar. Meu filho mal enxergava graças a uma picada que tomou no pálpebra. Estávamos bonitos para o dia do casamento.
Nos aprontamos para a cerimônia e lá fomos nós, rumo à igreja, nos espremendo dentro de um Corcel velho tanto quanto minha prima se espremia para caber no vestido de madrinha. Lucas estava de calça social, gravata, suspensório, camisa, sapato de festa e um objeto cortante no bolso para nunca se esquecer de quem ele é filho.
Na porta da igreja, fui apresentada para centenas de novos primos.
– Lelê, esse aqui é seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo, sua prima, seu primo, seu primo.
– Oi, primos – e entrei na igreja.
Fiquei com a incumbência de sentar do lado das crianças para cuidar delas, ou elas de mim. Entraram os padrinhos, entraram os noivos e o padre começou a falar. Quando olhei para o lado, vi uma mulher com a cabeça praticamente enterrada em um dos arranjos de flor. Como ela escutava atentamente as palavras do padre, nem percebeu que um louva-a-deus tamanho GG, parente próximo do dinossauro, passeava em suas madeixas. Dali por diante, não consegui prestar mais atenção. Nas crianças, porque nem tentei ouvir o que o padre falava. Só conseguia rezar por um escândalo.
Minhas preces foram interrompidas pelo Lucas, que descobriu a sua braguilha:
– Olha, mamãe. Eu não tinha visto que minha calça tem esse bolso. Vou guaidai minha tesouia nele.
– Nãooooooooooooooo, Lucas!!!!!!!!!!
– Pu quê?
– Porque você vai ficar sem pinto, moleque.
– Ahhhhhhhhhhh.
Então ele descobriu que dali dava para ver o que a priminha dele chama de picolé e ele não parou mais de abrir a braguilha.
Pouco antes do fim da cerimônia, o louva-a-deus resolveu passear pelo nosso banco e descobriu as costas de mamãe. Quando estava para colocar a décima quinta patinha na maravilhosa blusa vermelha de quem me deu a vida, resolvi avisar:
– Mãe, não se mexa. Tem um bicho laranja subindo em você.
Ela apertou os olhinhos e achou melhor não olhar. Só gritar. Minha tia quis ajudar, mirou e acertou um belo peteleco no bicho. Twist Duplo Carpado e um pouso perfeito na batata da perna de uma mulher que estava ao lado. Enquanto agradecia os aplausos e a garota gritava, a Daiane do Santos versão inseto – muito maior e mais atraente – era retirada pelo corpo de bombeiros.
Quando o casamento acabou, fomos para a festa chiqueterésima que ocorreria em um clube. Segundo meu tio, o maior do Brasil. Quiçá, do mundo. Do planeta.
– Maior que a Disney?
– Muito maior.
Estacionamos o carro, me preparei para andar dois dias dali até o salão de festa que, segundo meu tio, equivaleria à distância de Santa Catarina a Papua Nova Guiné, mas era logo ali na frente. Sentamos em uma mesa, Lucas e Júlia saíram para brincar e pude ter um panorama geral da festa.
Arranjos e mais arranjos de flores.
– O amor é lindo.
Lá estava a mesa de queijos, muitos queijos.
– O amor é ótimo.
E passa o garçom com as batidas.
– O amor é tudo.
E lá vai o garçom com as garrafas de whisky.
– Eu AMO whisky!!!!!
Depois de constatar que a festa de casamento seria maravilhosa e que eu daria vexame, meu filho chegou na mesa cambaleando.
– Lucas, você não está bem.
E não estava. Coloquei ele dentro do carro de um dos primos e fui embora para casa, depois de meia hora na festa, meio queijo e meio copo de whisky. E dormi com o Lucas, às 11 da noite.
O domingo
Ser mãe é padecer no paraíso. Isso se você não estiver em Olímpia. Como todos os médicos se embriagaram na festa de casamento no dia anterior e exalavam whisky, fiz uma verdadeira via-crúcis para conseguir uma farmácia pro Luquinhas:
– Seu farmacêutico, o senhor poderia pegar o lampião de gás para constatarmos que essas duas bolas do Playcenter na região da garganta do meu filho se trata realmente de uma enorme inflamação?
Sim, claro. Era a primeira e única vez que ele seria tratado como médico na vida. Ele pegou a lanterna, enxergamos um Corsa amarelo, ou muito pus, na garganta da criança e receitei Amoxilina, Digesan, Tylenol e chocolate para a cura.
De tarde, a segunda via-crúcis: achar uma televisão que passasse o jogo do Timão, já que antena parabólica de interior só pega Rio de Janeiro e lá não tem futebol. Pensei em dividir a cadeira com o moço-comedor-de-palha do bar da esquina, mas meu tio conseguiu sintonizar a TV na torre local, sem satélite, com os chuviscos, fantasmas e todo o lado-de-lá do qual tínhamos direito. Mas deu para ver o Corinthians, então me senti um pouco em casa.
Às 11h20 da noite, entramos no ônibus e viemos de volta para casa. Luquinhas dormiu tão bem que cheguei a vir de pé, porque ele ocupou 100% dos bancos. Deve ter sido a estafa mental por ter trombado no corredor do coletivo com uma anãzinha, exatamente do tamanho dele, que viajava quase ao nosso lado. Quando isso aconteceu, ele parou e pensou por alguns minutos no que dizer para ela. Eu fechei os olhos e pedi para que não acontecesse o pior. Ele, chocado, conseguiu pronunciar:
– Ops – seguido de uma risadinha. Praticamente um diplomata.
Esqueci de dizer que quando cheguei em São Paulo eu mal parava em pé de tanta gripe. Pra provar que eu e Luquinhas não podemos com ar puro, estrelas, jegue, carroça, pão vendido na porta e sossego. Enfim, casa.
A jornalista Leonor Macedo, 24, é mãe de Lucas e viajante profissional. Ela topou nos ceder seus relatos (encontrados no blog Indecências) sobre as experiências que viveu em cada viagem.