Tô velha demais pra isso ou está tudo sendo adolescentizado?
"Entre driblar o sentimento de não pertencer e a infantilização inevitável de topar tudo que é tendência, quem já passou da era teen sente que o que resta é fazer crochê e ver novela”
Adolescentizar, inventamos um novo verbo. Adolescentizaram tudo. Na internet, então, a adolescentização tomou conta. As séries, as músicas, os vídeos, as campanhas publicitárias, as passarelas: está tudo adolescentizado.
Basta duas, três rolagens na página inicial da rede social e a gente se pergunta "tô velha demais pra isso aqui?". Mas como é que alguém de 30 e poucos pode estar se sentindo velha? Acontece que apenas não somos mais adolescentes, mas isso vira muito quando quase ninguém mais quer falar com a gente. Adele diz que não quer fazer música pro TikTok, não quer estar lá, quer fazer música pras mães de quem está, mas marcas e pessoas como a Adele estão em falta por aí.
Siga rolando a página inicial e você verá dezenas, talvez centenas de vídeos. Vai se identificar com 2 ou 3. Aliás, a maioria você não vai nem entender, que dirá se identificar. Acho a adolescência fascinante, é um tal de tudo ou nada, pra sempre ou nunca mais, amor ou ódio, total desinteresse ou obsessão completa, tudo é extremo: as dores e as delícias. Intensidade pura! É fascinante, mas é exaustivo ser adolescente, não toparia voltar pra esse universo, mas ele está o tempo todo nos rondando.
A adolescência é a época em que a gente mais segue as tendências porque é a época que a gente mais quer e precisa ser aceito, porque a gente não tem a mínima ideia de quem se é, está tudo em construção. O córtex pré-frontal, área do cérebro que é responsável por várias funções, entre elas a expressão da nossa personalidade, só chega a sua plena maturidade aos 25 anos, então é só a partir daí que as certezas começam dar as caras e a gente passa a buscar identificação dentro das nossas certezas, sem querer mudá-las de lugar pra caber no que está sendo comunicado e estimulado massivamente por aí.
Procuro uma música pra ouvir, playlist "as melhores da semana", fico na dúvida se dei play ali mesmo ou abri sem querer a rede social, todas as mesmas músicas sendo tocadas incansavelmente e a gente já inconscientemente vai lembrando dos mesmos 10 passos das danças adolescentes. Não dá pra sentar na mesa do bar sem ouvir as mesmas músicas de 2 minutos e meio e quatro frases que se repetem até que fique impossível você não decorar.
Experimente tentar comprar uma blusa nova sem ser soterrada por croppeds nas cores violeta e laranja com frufrus e amarrações e falharás. Estampa de margarida por toda parte, bolsas de plástico colorido, chapéus estampados, óculos de Sol duvidosos, camisetas com frases ácidas sem graça... nada que se vê à disposição pra comprar dá pra imaginar sendo usado ano que vem. Tudo tão passageiro e efêmero quanto as paixões e obsessões da adolescência. Adolescentizaram o consumo, ou será que isso sempre aconteceu? Um recurso perverso do capitalismo pra sempre te vender a próxima "trend", o próximo must have? Nada é feito pra durar.
O colágeno da adolescência, assim como as ressacas leves e a flexibilidade muscular da época realmente deixaram saudade, mas a conta bancária não. Com 30 e poucos nosso poder de compra é consideravelmente maior que o da nossa adolescência, mas é uma pena que quase ninguém esteja querendo vender pra gente. Todas as indústrias estão olhando pra aqueles de menos idade e mais intensidade, pra geração que dita muito mais tendências do que consome, pra geração que hoje te ama e amanhã não te suporta.
Com 30 e poucos a gente agora tenta driblar o sentimento de não pertencimento e a infantilização inevitável se a gente topar tudo que é tendência. A comunicação nunca foi tão democrática como na era das redes sociais, mas intencionalmente todo mundo parece só querer falar uma mesma língua. Dezenas de posts que são apenas variação de uma mesma coisa em busca de cair nas graças do algoritmo e o preço é o sentimento de exclusão, não pertencimento e descaso com todo mundo que já passou da era teen e sente que o que resta é fazer crochê e ver novela. Mas não vamos, combinado?