Sol tem luz própria

Acompanhar Sorin pelo mundo diz muito sobre a cumplicidade e pouco sobre as pretensões artísticas de Sol Alac, que prepara o lançamento de seu primeiro disco

por Douglas Vieira em

Sol Alac tem luz própria. Se por um lado, em dado momento da vida, ainda bem jovem, ela saiu pelo mundo acompanhando a carreira do ex-capitão da seleção argentina e ídolo do Cruzeiro Juan Pablo Sorin, seu marido há 18 anos, por outro, nunca foi papel dela ficar parada ou acomodada em situação alguma. Papel dela é atuar —  seja na vida seja num palco —, produzir, fazer acontecer... E cantar, que hoje é o que ela quer fazer e faz. 

Em 2011, ainda em Belo Horizonte, Sol gravou um DVD em que explorava memórias musicais argentinas e um pouco de canções brasileiras. Agora, em 2017, se prepara para lançar seu primeiro álbum de músicas autorais, SOL, produzido com Dudu Marote, com quem compôs a balada eletrônica e primeiro single do álbum, “Píbón”. “Baby Girl”, segundo single lançado, será seguido por “Tik Tak”, que chega às plataformas digitais no 4 de agosto. (Dudu foi responsável por discos dos mineiríssimos Skank, Jota Quest e Pato Fu.)

De sua experiência nômade, acumula referências que vão do rock denso de “Puentes” ao tango moderno “Como perros”, com muitas texturas eletrônicas. Tudo com a verdade de Sol, que cita Ramones em “I don’t want to grow up” quando fala de si mesma e ecoa dos nova-iorquinos também a intenção de ser um pouco mais crua em sua busca musical. “Eu peguei a galera do tango e falei: 'Você vai tocar o bandoneón, mas não quero as milhões de notas do tango, eu quero sons'. Quero envolver as pessoas com som de um jeito mais emocional do que técnico.” 

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 Sol sempre foi intensa e dada a fazer muitas coisas ao mesmo tempo, desde quando deu seus primeiros passos no mundo das artes. Hoje é cantora, mas sua presença no palco não começou começou por aí, mas sim no teatro, aos 16 anos — período que foi seguido por comerciais de TV, desfiles, um videoclipe em que era protagonista e também dois longa-metragens, um deles a produção independente 76-89-03, de Cristian Bernard e Flavio Nardini, do qual lembra com carinho: “Os dois hipotecaram as próprias casas para fazer o filme. Me chamaram, contaram a história e explicaram que só tinham um take, não tinham filme para mais do que isso. Foi incrível e o filme foi super bem, é bem cabeça, muito louco”, lembra rindo.

Isso tudo ocorreu na vida dela bem jovem, enquanto ainda morava na Argentina. Depois, com a carreira internacional de Sorín, sua trajetória como atriz foi precocemente paralisada. Nada que a incomode. "Nem pensei, tem a ver com aventura. Eu lembro quando surgiu essa coisa de começar a sair pra fora do país, quem menos queria sair era ele", lembra. "Para mim, era um processo natural. Para crescer nós realmente precisávamos disso." É com essa naturalidade e intensidade que encara seu momento atual no Brasil. "Acho que tem uma mágica. E poderíamos ter voltado pra Argentina, poderíamos ter ficado na Europa ou ido para qualquer parte do mundo, mas é como um rio que tem uma corrente incrível, que você pode sair a qualquer momento, ir e voltar, mas ele te leva para algum lugar. E parece que tudo vinha para cá."  

Crédito: Pedro Dimitrow

 Antes de seu disco de estreia, SOL, você tinha feito apresentações em 2011 em que mostrava algumas músicas brasileiras e também raízes argentinas, como "Volver", do Carlos Gardel. Mas agora esse trabalho 100% autoral é completamente diferente. Naquela ocasião era um pouco uma zona de conforto? Não somos ligados em zonas de conforto, mas seguramente tem isso. É louco como a gente vai para essa palavra, raiz. Você, eu e qualquer indivíduo, independentemente se você está falando de uma raiz física ou alguma raiz que te conecte com uma cosia sua, eu acho que é mais esse o caso. O que estou falando é bem mais profundo do que eu me sentir segura cantando tango. O tango foi feito por pretos, por imigrantes, por pessoas que saíram de suas terras, correndo atrás de oportunidades, sem saber onde estavam chegando... Chegaram na Argentina, se juntaram, e tinham um de uma religião outro de outra. E nessas casas onde todos conviviam sempre tinha um pátio comum, e tinha um polaco, um russo, um italiano, um preto, e eles começavam a fazer cada um a sua música, o seu som, começavam a misturar, e terminou saindo o tango. Eu me sentia muito identificada com isso.

O sentimento de ser estrangeira... Sempre me senti estrangeira viajando e eu sou estrangeira aqui. E é um exercício de adaptação e de autoidentidade. Você quer ser parte de tudo isso, você é, mas não é. Essa questão para mim está muito latente no repertório do disco. E eu canto essas músicas de um jeito muito pessoal, porque não era tango de fato. Nesses últimos anos surgiu uma corrente de muitos artistas fazendo tango, mas sempre, para a galera do tango, é a coisa mais velha. 

E por que você diz que não era exatamente tango? Eu peguei a galera do tango e falei "você vai tocar o bandoneón, mas não quero os milhões de notas do tango. Eu quero sons". Quero envolver as pessoas de um jeito mais emocional do que técnico. 

Intimamente, esse sentimento foi o que fez optar no início por esse repertório

tradicional? Eu me sentia emocionada, feliz, eu ria quando eu cantava. Sentia todas as emoções e, para mim, o palco é um lugar de ter verdade, onde você tem que transmitir tudo isso. E o vínculo mais rápido para mim foi esse, o que eu sentia que queria fazer. Não pensei muito. Essas escolhas pessoais minhas, de me entender como estrangeira. Quem nunca saiu de seu país, de sua terra, de sua cidade, do conforto que significa, não consegue entender, é muito louco isso. E faz 18 anos que eu sou estrangeira, é quase a metade da minha vida.

Você começou a viajar muito com o Sorin e nunca mais parou. E começou antes até de conhecer ele [Sorin], porque, antes de a gente se conhecer, eu fiquei um ano viajando sozinha, trabalhando e viajando. Fui para Europa, México, Costa Rica. Não era mochilão, era um pouquinho mais produzido o negócio. 

“Faz 18 anos que eu sou estrangeira, é quase a metade da minha vida”
Sol Alac

Na hora de escrever é assim intensamente também. São músicas que você começou a escrever aqui ou são músicas que você já tinha? Eu sempre escrevi. Eu sempre li muito, desde pequena, e sempre escrevi. É uma coisa muito intensa para mim. Foi o jeito que eu vivi minha adolescência. Esses momentos, para mim, eram de escrever. Eu lembro que alguns dos presentes mais importantes que eu tive da minha mãe foram livros, os presentes mais lindos que eu recebi e que me geraram mais conflito, porque já não eram brinquedos, eram livros. Você começa a entender com 10, 11 anos, que a leitura com seus pais, o livro que você escolhe quando ler, em que momento ler, é uma escolha, se sentir mais responsável por fazer essas escolhas. E escrever foi junto. E esse álbum foi feito com tempo. Muita coisa eu não sei e às vezes eu pegava coisas que eu tinha escrito antes, mais velhas, e tinham frases que eram muito minhas e eu resgatava e ia montando as músicas. E tem muita coisa que, depois que eu pari minha filha, fez um boom na minha cabeça, uma explosão de vida e de desejos e de sonhos, e viajar com ela e escrever junto. Este álbum foi feito de todo esse processo. 

O disco autoral já estava idealizado quando você fez aqueles shows com o repertório clássico, em 2011? Ter um álbum, acho que, desde que eu comecei a cantar, era um sonho. E até porque sempre tem esses namoros de "vamos fazer um álbum", "vamos produzir", dos amigos, desde nova. Então era uma coisa que estava na minha cabeça, mas muito distante. E à medida que eu fui me enxergando de novo, me pari de novo como pessoa quando nasceu minha filha, porque você nasce de novo como mãe, como mulher, como tudo, esse desejo, me reencontrar mais forte, as letras fluíram mais.

E quando você começou a cantar? Sempre. Cantava desde muito pequena... Sabe essa coisa de festa familiar? Mas em casa era pouco, na verdade, era mais na casa dos amigos. Engraçado isso. Meu pai é artista plástico, ele pinta - eu também pinto. Mas o negócio com a música, eu lembro de na casa dos meus amigos ter o folclore argentino muito forte, do tango, e lembro de bandas loucas... E eu lembro de ABBA nessa época. E a gente escutava rock, Creedence, essas coisas. E eu lembro de na casa dos amigos e dos vizinhos - porque eu era muito sociável e eu vejo a Betta muito assim - de chegar e fazer um som com eles. Eu sempre cantei. E atuar desde sempre. 

Crédito: Pedro Dimitrow

 Teatro foi o seu primeiro contato com o palco? Eu fiz teatro em Buenos Aires, em vários lugares, com professores muito bons. E, desde cedo, comecei a atuar, porque eu acho que o melhor jeito pra você se desenvolver como artista é o palco. Logicamente, tudo que você puder estudar, soma. Mas se você não conseguir colocar isso na prática, se testar na frente do público e com outros artistas, fica tudo muito teórico. E quando você estuda teatro é tudo junto. Você vai fazendo peças, estuda e vai fazendo peças, isso se retroalimenta. Por isso que eu falo que você não deixa de estudar nunca, mas também não pode parar de se expor. 

O teatro foi a sua entrada no mundo artístico? Sim, foi o teatro. Essa coisa de amigos e família era muito lúdico. No teatro foi lúdico, mas foi crescendo e ocupando um espaço formal. 

E aí já começa a mirar a arte como um projeto de vida. Como foi esse desenvolvimento artístico, que foi rapidamente chegou às telas também... Cinema.  Isso, teve o Héroes y demonios (1999) e 76-89-03 (2000) - que é independente. 

Como eram as escolhas nessa época. As escolhas sempre foram muito do coração, muito orgânicas, muito instintivas. Sempre tinha convite para diferentes peças e projetos, e ia escolhendo as que eu mais sentia como um desafio, que é uma coisa que eu sempre curti. E foi chegando uma coisa atrás da outra. Primeiro, comecei estudando teatro na Manzana de las Luces e comecei a fazer peças. E eu lembro que alguém me falou "por que você não pega um representante". Aparecia um casting e falavam para eu ir. E muitas vezes aconteceu de eu acompanhar outros amigos artistas nos castings e as pessoas me convidavam na hora para fazer também, e eu pegava trabalhos. E alguém me apresentou um representante e eu sempre fui muito de rede, de grupo, de minha turma. Então, quando eu peguei o representante, passei o mesmo para toda a minha turma de teatro. 

Essa ideia de agrupar pessoas é algo da sua personalidade? Sim, totalmente. E aí íamos todos no casting, um para cada perfil. E uns conseguiam, outros, não. O teatro veio primeiro. Depois, vieram os comerciais, foi legal pela questão econômica, te dá uma grana que o teatro não te dá. Então isso veio rápido. Ia fazer um comercial e pessoas falavam "por que você não faz uns desfiles?". Era essa coisa, você vai indo de um jeito muito natural, sem forçar a barra.

Você tinha quantos anos nessa época? No teatro, eu comecei com 16 anos. Mas foi com 18 que eu comecei a dar mais bola pra isso. Porque eu também estudava, fiz dois anos de relações públicas. Eu fazia tudo junto. Era muito "será que eu quero ir por aqui, será que eu quero ir por ali?". Não é que, com 16 anos, eu dizia "quero ser atriz". Eu não tinha isso. Eu sempre senti que a arte era o que tinha mais pulsante em mim, era muito forte e que é uma coisa que eu mal conseguia deixar de pensar e fazer. Tudo tinha a ver com a arte, mas você estuda, vai olhando.

Você falou do filme 76-89-93 ser independente. Como foi a experiência no cinema? Tem alguma arte que te chame? Adoro tudo, teatro, cinema e televisão. Acho que são coisas muito complementares. São só meios diferentes. Esse filme me convidaram em um casting. Os dois diretores eram caras que faziam muitos comerciais e curta-metragens e eles eram muito legais. Eles hipotecaram a casa, os dois, para fazer o filme. Me chamaram, me contaram a história do filme e falaram "A gente tem um take, ou seja, não temos mais filme". Então era muito engraçado. A gente se encontrava em um lugar, na rua ou onde for, e fazia. E o filme foi muito bem, é um filme muito cabeça, muito louco. 

Hoje sua vida é a música, mas ainda fala com paixão dessa época. Pensa em retomar essa carreira de atriz? Claro, é indivisível. Faz parte tudo da mesma pessoa. Em algum momento eu vou fazer. Eu me vejo muito fazendo. Minhas escolhas são muito orgânicas e são todas muito relacionadas a desafios. Se alguém me fala que a carreira no teatro tem que começar nova e ter certa constância para você conseguir chegar em algum lugar... Na música você tem que começar nova, o melhor momento é você bem novinha cativar um público que te acompanha... Isso tudo para mim são teorias de supermercado. Eu aceito e acho super legal, mas minhas escolhas são artísticas. 

 

“Tem uma essência, que é uma, mas você se deixa influenciar, é permeável às coisas que acontecem nos lugares em que está, é permeável a tudo”
Sol Alac

Você toma decisões, pelo que diz, de maneira sempre muito natural. E, voltando ao passado, você foi embora bem jovem da Argentina, em um momento bom de sua carreira, começando, mas crescendo. Como foi esse processo? O coração batendo mais que nunca, não me deixava pensar. Era o coração tomando conta de tudo. Eu sempre fui meio aventureira. Nem pensei. Tem a ver com aventura. Eu lembro quando surgiu essa coisa de começar a sair pra fora do país, quem menos queria sair era ele [Sorin]. Eu achava muito estranho, mas por outro lado eu entendia muito bem — ele estava em um clube incrível, como o River Plate, na seleção argentina, tinha um programa de rádio, a gente estava fazendo outro. A vida dele estava toda organizadinha, tudo funcionava bem. E eu sempre fui meio assim. Eu falava "tem tanto pra ver, temos 20 e poucos anos, vamos ficar aqui? Vamos ver o que acontece, vamos conhecer". Eu achava ele um cara super talentoso e super dedicado, então, para mim, era um processo natural. Para crescer nós realmente precisávamos disso. 

Essas viagens que começaram e não pararam, por vários países, tiveram qual impacto na sua carreira musical hoje? Lugares com sonoridades, com cheiros, com cores, com personalidade... Total. Não é que eu tenha dito "vamos e vamos para qualquer lugar". Logicamente, quando aparece o Cruzeiro, o Brasil, eu tinha tido uma experiência de vida aqui quando mais nova, com uma turma de amigos, e o Brasil me encantou. E eu era muito fanática pela música, então quando ele me falou do Brasil, eu achei incrível. Para mim, tudo tinha a ver com crescimento, não só como indivíduo, espiritualmente, culturalmente, era o próximo passo nessa evolução como indivíduo e como casal. 

Como foi essa história com o Brasil mais nova? Eu vim para o Rio e fui para a Bahia. Eu poderia ter ido para o sul, que é muito mais argentino. Eu nunca fui. A primeira vez eu tinha 16 anos e depois voltamos juntos, lembro que era um passeio meio de namorados, tínhamos uns dias, e eu falei "vamos para o Brasil". Fomos para o Rio, era fácil, tínhamos muito pouco tempo, e aí os cantinhos do Rio, eu louca, sem noção. Para mim era tudo tão incrível, continua incrível, intenso, eu vivo assim. 

Você disse que já era ligada à música brasileira. O que você escutava? Desde novinha eu escutava, eu tinha muitos amigos, mais velhos e mais novos, e os pais dos meus amigos ouviam muita música brasileira. Vinícius, Toquinho, Gilberto Gil, João Gilberto, Caetano... Era isso.  

Quando vocês começam a viajar pelo mundo, tem algum lugar que você percebe que teve uma influência maior no que você está fazendo como artista hoje, além do Brasil? Acho que todos os lugares tiveram alguma influência. Talvez o que menos tenha tido foi a Alemanha, até porque na Alemanha eu escutava muita coisa, a gente sempre escutava muita coisa e música alemã... Scorpions é alemão, né? Tinha o eletrônico, eu curtia esse som como uma trilha sonora de momentos da minha vida, meio industrial. Eu gosto disso. É a única coisa que eu resgato muito fortemente na minha música e que tem muito a ver com essa coisa de cidade, industrial, que todas as cidades têm, aqui também tem, São Paulo, Argentina também tem. E é uma coisa que está na minha música. Isso aí eu resgato da Alemanha. Sem dúvidas, você absorve tudo. Você é permeável a este contexto. Não sou a mesma compondo aqui ou compondo em um trem na Espanha, ou vivendo na Alemanha... Tem uma essência, essa essência é uma, mas você se deixa influenciar, é permeável às coisas que acontecem nos lugares em que está, é permeável a tudo. 

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Você disse que cantava desde pequena, mas quando é que você começa a se dedicar à música profissionalmente? Eu comecei a estudar música juntamente com o teatro, como mais uma ferramenta. E eu não conseguia parar de cantar. Eu ia nos castings e começava a cantar, onde eu ia eu cantava. E comecei na Argentina a estudar canto, estudei aqui, estudei em Paris, estudei em Valência, sempre estudei canto. E o mais legal dessa coisa de viajar é você ter essa condição de estar com pessoas muito diferentes e com técnicas muito diferentes. Para mim, isso é muito legal. O teatro precisa de tempo, não é chegar e estar dentro. Como a gente tinha processos não muito longos, cantar era como um canal para me conectar muito com a arte e comigo mesma. Em vez de procurar aulas de teatro eu procurava canto. Era uma maneira de eu, no meio desse mundo girando ao meu redor, a vida dele e as coisas dele, era como uma raiz, uma coisa que me conectava muito comigo mesma, me centrava.

E quando começa a virar carreira? Cantar sozinha foi aqui, mas em Paris, por exemplo, eu sempre dava palinhas. E sempre me ofereceram coisas de produções musicais. Em Paris, eu tinha um amigo produtor e ele falava de produzir um álbum. Eu era novinha, bonitinha, tinha todas essas coisas... E nesse momento eu não aceitei. Tiveram duas ou três vezes que eu não aceitei essas propostas porque eu não me sentia pronta para compor e para contar alguma coisa e defender isso no palco. E aqui foi o lugar onde eu me senti pronta, acolhida, enraizada para soltar a voz, porque tem que ter uma raiz muito forte para você conseguir cantar, é muito louco isso. 

“Cantar era uma maneira de eu, no meio desse mundo girando, a vida dele e as coisas dele, era uma coisa que me conectava comigo mesma”
Sol Alac

Não é curioso que você tenha essa raiz justamente aqui e não voltando para a Argentina? Eu acho que, onde vamos, nós somos um para o outro um pouco essa raiz. Isso é o ponto um. Independentemente se a gente estava na Alemanha, em Paris, na Itália, se a gente estava em qualquer lugar, nós sentíamos isso e a gente procurava vínculos e coisas que nos levassem a esse ser, a esse indivíduo e ao relacionamento. Ele, eu e o relacionamento. Era isso. Aqui [no Brasil] teve uma mágica. Não sei se eu quero racionalizar muito. Acho que tem uma mágica. E poderíamos ter voltado pra Argentina, poderíamos ter ficado na Europa ou ido para qualquer parte do mundo, mas é como um rio que tem uma corrente incrível, que você pode sair a qualquer momento, ir e voltar, mas ele te leva para algum lugar. E parece que tudo vinha para cá. E aqui estamos. 

Mas ao mesmo tempo era um desafio, eu imagino, pois acredito que seria mais confortável tentar começar uma carreira musical no lugar em que pudesse falar a sua língua. Primeiro, eu não enxergo o mundo dividido. Mas é louco isso. Eu entendo. Há convencionalismos e há um esforço muito radical, cada vez mais, de que a história esteja dividida. Mas para mim, sinceramente, não funciona assim. Eu entendo que as barreiras fazem parte, mas podem fazer parte na sua própria língua. É uma questão de conceito, de como você enxerga o outro, acolhe ou cruza os braços na frente do outro. Para mim, isso não existia. Eu nunca pensei na dificuldade da língua, nunca enxerguei assim, ainda não enxergo. Simplesmente eu sou.

Do ponto de vista criativo, como funciona? Para compor, tem músicas que eu faço em espanhol, algumas que eu faço desde o começo em português, tem músicas em inglês. Não sei se escrevo tão bem em inglês, preciso pensar mais, mas começo com uma ideia central e depois vou procurando as palavras. Em espanhol é um fluxo de palavras e emoções saindo, em português é parecido. Eu faço as coisas e depois eu corro atrás.

Qual foi a primeira música que você escreveu para o disco? Interessante. "Baby girl", que é uma música que eu escrevi em Paris. Não foi a primeira música que eu escrevi sozinha, escrevi em parceria, aparece essa coisa de eu gostar dessa troca com as pessoas. A letra eu escrevi sozinha, mas a composição, a música, eu escrevi com um músico argentino-espanhol que mora em Paris há 20 anos. 

Sol e Sorin durante a gestação da filha Elisabetta, hoje com oito anos - Crédito: Marcio Rodrigues

Você é extremamente ligada à produção, quando decide fazer o disco, como é esse processo do álbum, produzido pelo Dudu Marote? Foi produzido conjuntamente, porque é muito pessoal. Eu não peguei o Dudu e falei "quero fazer um álbum, aqui estão todas as minhas músicas, monta, produz e eu canto". O álbum foi feito a quatro mãos, eu estive em todas as sessões em que o álbum foi feito. 

O álbum foi feito com músicos de várias nacionalidades, um pouco sua história de vida. Foi rico pra caramba. Eu me deixo interferir — em algumas coisas, outras, não. Tocar com músicos brasileiros traz outra cor, outra intensidade, outra vibe. Ter músicos argentinos traz para mim vínculo, é como um laço, um cordão umbilical muito forte, com coisas que eles conhecem e que para eles fazem sentido e para mim também, que é essa coisa um pouco mais rock.

Quanto tempo levou produzindo o álbum? Um ano, isso é coisa que não se faz. [Risos] Foi um processo muito rico, cada instrumento, cada coisa, cada arranjo, cada som, tudo foi feito a dois. 

Como surgiu a ideia de fazer com o Dudu? Foi por causa do Samuel Rosa, que nós conhecíamos desde Belo Horizonte e temos uma amizade. Quando eu vim para São Paulo, eu estava com muitas músicas, já no processo do álbum, liguei para ele e perguntei alguém que ele indicaria. Ele falou do Dudu e falou de mais alguém, eu queria muito essa coisa da eletrônica na minha música. Mas usada de um jeito pessoal, então não era uma eletrônica convencional, só de boate, ao mesmo tempo, sim. Ele falou com o Dudu, conversamos, o Dudu achou legal, um desafio mútuo. Não nos conhecíamos. Eu fiz uma seleção de 20 músicas. Das 20, juntos, escolhemos 13 e ficaram 10.

E aí já lançaram o single. Lançamos o single, "Píbon", com um videoclipe que fizemos em Miami com um cara muito legal, que é o Anselmo Ramos, um criativo de publicidade muito reconhecido. Ele me viu num show. Nos conhecemos um pouco antes, sem saber muito do que fazia cada um. Aí um dia convidei ele pra um show, ele foi e saiu falando que ia fazer um videoclipe meu. "Tudo bem, vamos conversar". E aí saiu. "Píbon" é uma música em português, o Dudu falou de a gente fazer uma música juntos, o álbum é todo meu com outros parceiros e ele sugeriu fazermos uma. Se tem uma liga aí, legal, vamos, e saiu essa, que conversa mais com vários públicos. Então achei muito legal ele trazer essa verdade. 

O disco ainda está para sair completo, mas você tem feito shows já. Como tem sido a experiência? Muito legal. Em geral, as pessoas falaram "nossa, você devia cantar mais músicas em português. Você cantando músicas que a gente conhece do seu jeito em português ficam tão lindas, tão incríveis". Isso para mim foi lindo, emocionante. Eu apresento nos meus shows a maioria em espanhol e algumas músicas em português. "Eu sei que vou te amar", "Canto de Ossanha", fiz uma música do Criolo em outro show, teve um samba, mas, assim, é louco isso. Não imaginei que iam ser tão bem recebidas as músicas cantadas em português com o meu sotaque, que é super forte, imagina cantando. Mas a galera achou muito legal e eu acho isso encantador. 

Créditos

Imagem principal: Pedro Dimitrow

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