Sex and the City tenta se adaptar ao século 21
Rebatizada de And Just Like That, a série perde a chance de fazer história novamente
Em 1998, Sex and the City falava na televisão sobre aquilo que ninguém estava falando: prazer sexual feminino. Na época, era revolucionário, moderno e sexy. Graças à série, a mulher solteira de trinta e tantos anos deixou de ser motivo de pena para se tornar uma figura aspiracional. No entanto, é visível uma virada conservadora desde sua última temporada, em 2004 e nos filmes subsequentes – que, para bem geral da população feminina, é melhor fingir que nunca existiram. “Sex and the City acabou traindo sua premissa: não é no casamento que as mulheres vão encontrar a felicidade”, chegou a dizer o criador da série, Darren Star.
And just like that, que estreou recentemente seus três primeiros episódios na HBO, tenta recuperar o brilho original ao acrescentar novos personagens, fora da infame demografia branca-hétero-cisgênero retratada no original. Mas, enquanto Sex and the City era vanguarda, And just like that é retaguarda. A série, assim como suas protagonistas, busca se atualizar com a conversa dos jovens, meio atrasada, meio sem jeito. É irônico que a frase que mais define o ethos da versão original tenha sido dita pela personagem mais conservadora, Charlotte: “Talvez nós pudéssemos ser as almas gêmeas uma das outras. E aí podemos relegar os homens apenas para a diversão”. A proposta é subversiva até nos dias hoje. Os direitos legais que a união matrimonial garante não se estendem para outros arranjos afetivos, como amizades platônicas. Nós aprendemos a encarar o casamento como um arranjo mais romântico que institucional. Sex and the City, ao menos em suas primeiras temporadas, desafia justamente esse senso comum.
A professora de filosofia Elizabeth Brake, autora do livro Minimizing Marriage, diz: “Relacionamentos afetivos não dependem do casamento – de fato, o valor especial atribuído ao casamento penalizou os relacionamentos afetivos que não se enquadram nas normas matrimoniais”. É considerado natural que as amizades passem para o segundo plano depois que a família nuclear é estabelecida.
Não sabemos quase nada sobre a família de origem das personagens. Isso foi desenhado de modo proposital para que ficasse ainda mais evidente a ligação emocional entre aquelas mulheres. É como se os criadores da série já antevissem que a amizade não é vista na nossa sociedade como importante suficiente. Sex and the City não deixa de ser uma série que fala sobre família, mas outro tipo de família.
De certa forma, é involuntariamente realista a falta de química entre Carrie, Charlotte e Miranda. A atenção dada às amizades não pode ser igual à antes quando há maridos e filhos, que passam a ser a prioridade afetiva. Não são mais a alma gêmea umas das outras.
Por um lado, And just like that assume que virou a página: o tom é sério, com menos piadas, e não há mais a promessa de sexo no título. Os temas da vez são luto, alcoolismo, defasagem cultural, dificuldade de lidar com os filhos adolescentes, volta à sala de aula aos cinquenta anos. Podem render discussões interessantes, mas não são temas inéditos, tabu.
Em Sex and the City, os desafios existências vivenciados pelas personagens eram consequências de um estilo de vida contra-hegemônico, e é dali que surgia sua originalidade. Agora, Carrie está novamente à procura de um par romântico, mas é difícil imaginá-la falando sobre sexo com a mesma liberdade de antes. Primeiro, porque não temos mais a personagem que melhor representa o feminismo sex-positive, Samantha Jones. Segundo, porque quando falamos de sexo com mulheres casadas, a coisa muda drasticamente. É tudo muito mais comedido – principalmente se as mulheres em questão forem tão pudicas quanto Charlotte e Miranda.
Há uma aversão da sociedade ao imaginar a vida sexual da mulher mais velha. Em entrevistas recentes, Madonna tem sido uma porta-voz pelo direito ao prazer na terceira-idade: “Por que só os homens podem ser aventureiros, sexuais, curiosos e divertidos até o resto de suas vidas?”. A sexualidade da mulher nos cinquenta anos só é normalizada se ela parecer muito mais jovem que é, ou então se couber na categoria MILF. Mas Carrie não se encaixa nem aqui nem ali. Inclusive, sua escolha por envelhecer naturalmente, sem excesso de botox, é fiel à característica man-repeller que a tornou um ícone vinte anos atrás. Por exemplo, Carrie nunca agiu ou se
vestiu para agradar o sexo masculino. Caso And just like that escolhesse focar na sua vida sexual, seria incrível. E, ouso dizer, até mais subversivo que a versão original. Infelizmente, nada indica que esse será o caminho escolhido.
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