Por que Caetano não gosta do Woody Allen
Dor de corno todo mundo tem, só que lá na Bahia o povo já vem com é o freio de mão solto
Quem sabe viver passa janeiro em Salvador. Não vou justificar a frase, o texto é autoexplicativo. Como estou me iniciando na nobre arte do saber viver, estive nos últimos janeiros na capital da baía de Todos-os-Santos, onde comi muito acarajé com a brisa do mar revolvendo meus cabelos, dancei enlouquecida pelos batuques-os-batuques-os-batuques, mergulhei nas águas verdes da praia da Barra, que poderia se chamar Pequena África, e fiz alguns amigos. Entre eles, Sandrinha.
Mulher alta, por volta dos 40, espevitada, de cabelos anelados e mãos fortes como as de um homem, Sandrinha era esposa de Eduardo há 15 anos. Sempre que íamos para a Bahia, encontrávamos com o casal para ir às praias da costa verde ou tomar caipirinhas no fim da tarde, no Solar do Unhão. No último verão, logo que cheguei, perguntei por Sandrinha. Para minha surpresa, disseram-me que havia se separado e estava "dé-pri-mi-dís-si-ma". Eduardo a havia trocado por uma moça muitos anos mais jovem do que ela, e outros tantos mais jovem do que ele - como os homens são previsíveis. Não tardei em ligar para a minha amiga, sedenta por saber notícias dela. No entanto, não tive a sorte de encontrá-la em casa.
Fome de viver
Numa noite de terça-feira, fui dançar meu afoxé de carioca do pé preso no show do Jerônimo, nas escadarias da igreja do Paço, no "Pelô", quando, em meio à multidão, vi uma mulher altíssima, com um penacho enorme no topo da cabeça e um salto astronômico nos pés, cercada de viados "a-ni-ma-dís-si-mos", dançando com uma fome de viver de anteontem. Para a minha supresa, era Sandrinha. Me aproximei de minha amiga e gritei:
- Sandrinha! Sandrinha!
- Antonia! E nos abraçamos como velhas conhecidas.
- Oi, querida! Te liguei tanto para saber como você estava.
- Então você já soube... Pois é, menina, Eduardo me deixou. Eu fiquei "déprimidíssima". No primeiro dia, não tinha forças para sair da cama, no segundo dia consegui tomar banho, no terceiro eu já tava comendo e aí pensei: "Hoje começa o ensaio do Oludum no Pelô. Eu vou é para lá!". Botei uma roupa, peguei um táxi e vim. O ensaio estava "lo-ta-dís-si-mo". Eu fiquei encostada assim em uma parede, só olhando... e os negões passando pra lá, passando pra cá... Aí, quando eu cansava, virava de costas! Já tô ótima!
Donde se conclui que: dor de corno todo mundo tem, mas na Bahia psicanalista não fica rico. Lá, o povo já vem com o freio de mão solto, instrumentalizado para ser feliz. Aí, depois, nego não entende por que Caetano não gosta de Woody Allen...
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Como estamos em junho, vocês, leitoras, têm tempo para organizar seu janeiro em Salvador ou fazer uma micareta...
Antonia Pellegrino, 30 anos, é roteirista e escritora. Seu e-mail: a.pellegrino@terra.com.br