Por que ainda vivemos loucas para casar?

Perguntamos a uma psicoterapeuta e a uma antropóloga: afinal, por que a gente é assim?

por Renata Leão Ana Maria Peres em

Crédito: Ilustração: Celaine Refosco

Tpm. Até que ponto o desejo de casar é natural?
Denise Gomes*. Os espaços públicos estão preparados para receber famílias. A própria família cobra: você está namorando? Sempre haverá um jogo entre a vontade do indivíduo e a expectativa dos outros. Não há como medir quanto essa influência externa determina o desejo da mulher.

Tpm. É possível ser feliz sozinha?
Denise. Sim, mas a gente precisa desconstruir nossos ideais. O grande desafio de hoje pra ser feliz é lidar com as diferenças. É poder se abrir para o diferente. Não o diferente que mora no outro, mas o diferente que mora dentro da gente – os diferentes desejos. É preciso acessar dentro da gente vozes que estão caladas. É ali que mora a esperança de ser feliz.

Tpm. Por que a mulher brasileira, mesmo a mais moderna, ainda faz questão de casar?
Miriam Goldberg*. Porque o Brasil não é tão moderno quanto a gente pensa. Em países como a Alemanha e a França, a opção de não querer casar é culturalmente aceita. No Brasil, por mais moderninha, a mulher se sente desvalorizada se não tiver um homem ao lado.

Tpm. Isso depende de educação e classe social?
Miriam. É cultural. Na cultura brasileira o valor da mulher é dado pelo fato de ela ser esposa e mãe. A mulher é mais valorizada quando tem um supernamorado ou um supermarido. Vivemos em uma cultura que diz, às vezes nas entrelinhas, que a mulher solteira é uma fracassada.

Tpm. Liberdade e segurança são conceitos que não se misturam?
Miriam. Sim. A mulher sente falta de cumplicidade e de companheirismo, mas quer mais liberdade e individualidade. Falta de sensibilidade e de segurança convivem com a falta de dinheiro e de confiança. Que homem pode suprir todas essas demandas femininas? Segundo o IBGE, o número de mulheres que pede o divórcio é bem maior que o de homens. As mulheres vivem insatisfeitas. 

Tpm. De onde vem a síndrome do príncipe encantado moderno?
Miriam. Homens foram socializados com futebol e jogos competitivos. As brasileiras foram socializadas, antes, com novelas e romances, e, agora, com Sex and The City. Foram criadas para acreditar em contos de fadas. Por isso querem homens que não usem pochete e saibam quem foi [Antonio] Gramsci.

Tpm. É possível romper com esse padrão?
Miriam. É difícil. Tudo conspira para que as mulheres cresçam achando que seu valor está no homem que as acompanha, e que esse homem tem que ser superior, uma espécie de troféu. As mulheres têm de parar de querer ter ao lado Chicos Buarques para serem exibidos.

Crédito: Ilustração: Celaine Refosco


Tpm. Tá faltando homem na praça?
Miriam. Essa história é tão clichê quanto aquele papo de que a mulher independente assusta. E quem cria esses clichês são as mulheres. As mulheres foram criadas para serem chatas e reclamonas. É cultural. A mulher precisa parar de se preocupar com o olhar do outro. Essa era a grande qualidade, por exemplo, de uma Leila Diniz. O problema é que, até hoje, a mulher brasileira não sabe ser Leila Diniz.

 

* DENISE GOMES, 39, é psicoterapeuta individual e familiar, doutora em psicologia social e autora do livro Mitos Familiares: memória e ocultação. MIRIAM GOLDBERG, 48, é doutora em antropologia social, é autora, entre outros, de De Perto Ninguém é Normal e Os Novos Desejos

 

Non-stop emotion

O estado de solteirice é propício para a gente fazer um estudo sobre a diversidade de emoções que os outros nos suscitam

por Antonia Pellegrino

Aos 25, estar solteira não é um entreato do amor, mas uma maravilha. Espécie de carnaval fora de época em que não existe o último beijo, o último gole, o último grito. É não ser responsável e ter que responder por isso, non-stop emotion, living la vida loca. Não sei se sob outras condições eu seria tão categórica ao dizer: sim, estou solteira e feliz. Quem se ajoelha no altar do amor, dele não se levanta com facilidade. O amor é um deus exigente e vaidoso, cada flechada do cupido vale o vício sublime de amar e a sentença do exclusivismo. E o melhor de ser solteira é não louvar um só deus.

Para o coração vagabundo do solteiro amor é moda, é passageiro, é consumista. Breve, sem promessas de eternidade. O sexo é sexo. Seja com desenvolvimento de trama, “e aí”, sexo com narrativa. Ou seja grátis e por hoje, fútil, feito sob encomenda para quem deseja se casar num outro cartório, trocar alianças com o trabalho. 

Se você der sorte, aquele momento em que todos a elogiam, momento este em que você encarna Vênus de frente, acontece enquanto você estiver solteira. Espécie de boom econômico, do dia pra noite você administra inúmeros gatinhos. Aproveite, isso é uma fase – ninguém tem saúde para manter o tom arêrê tão lá em cima.

Se você tiver disciplina, saberá reverter a energia ora dispensada num relacionamento em cultivo de si, em capitais próprios e inalienáveis, necessários à construção do que há de mais fascinante em qualquer pessoa: um universo.

Estar solteira é uma fase, um estado. Um estudo da diversidade de emoções que os outros te suscitam. A boa solteira faz uma vanguarda de si mesma. Experimenta-se. E, nesse processo de descobertas, paradoxalmente, torna-se mais afinada ao próprio desejo de amor. De alguma forma, estar solteira é um treino para a maratona do amor... Que virá. Amor é vício, ninguém aguenta longas jornadas em falta, dá crise de abstinência.

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