Poder pelo feminino

Morena Cardoso, criadora do DanzaMedicina, reconheceu através de sua conexão com o feminino uma potência para despertar outras mulheres

apresentado por Buscofem

"Toma cuidado, agora você pode engravidar." Essa foi a primeira coisa que Morena Cardoso ouviu de sua mãe quando menstruou a primeira vez, aos 13 anos. Hoje, aos 33, Morena tem uma outra visão de sua menstruação e de como ocupa e reverencia o seu corpo enquanto mulher. Se naquele primeiro momento não era possível se conectar com toda sua potência feminina, os caminhos futuros trariam a missão de trabalhar para despertar não somente a si, como a milhares de mulheres.

Mineira de Belo Horizonte, ela conta que sempre foi muito questionadora e não conseguia se encaixar nos padrões que eram legitimados por tanta gente ao seu redor. Depois de se formar em hotelaria na faculdade e trabalhar por um tempo na área, decidiu, aos 20 anos, que não mais teria uma casa fixa. Viajou por 10 anos consecutivos, vivendo em lugares como Romênia, França, Estados Unidos e Inglaterra. Durante esse tempo, nunca passou mais de três meses em um único lugar. “Queria encontrar novas formas de viver no mundo.”

A experiência de rodar continentes com sua casa nas costas e coragem na cara para seguir caminhando, permitiu que ela se conectasse com diversas mulheres mundo afora, principalmente através de seus estudos sobre povos originários e a cultura ancestral feminina de cada local. “Fui buscando aprender com elas e pude identificar que é como se existisse um fio que conecta todas nós. As dores e os questionamentos femininos são muito parecidos em todo o mundo, não só em relação à cultura, mas em relação a corpo, gênero, raça e classe”, acredita.

Morena Cardoso - Crédito: Saliné Saunders

Hoje psicoterapeuta corporal e escritora, Morena é idealizadora do DanzaMedicina, projeto dedicado ao resgate do feminino que nasceu em 2014 em uma cerimônia xamânica no Peru. Durante uma vivência de cura no Temazcal — também conhecido como tenda do suor ou sauna indígena, que representa o útero da terra — foi pedido para que os participantes se sentissem no direito de receber o que deveriam exercer nesta vida. “Consegui entender que eu precisava trabalhar com elementos arquetípicos através do movimento”, relembra. Com cerca de uma década de pesquisas sobre o sagrado da mulher, foi possível, naquele momento, entender como trabalhar o feminino através da dança, uma linguagem não dita.

Um resgate

“As coisas acontecem na minha vida de uma maneira meio louca, sabe?”, ri Morena enquanto conta que descobriu sua primeira gravidez minutos antes de participar de um retiro de meditação em que ficaria por dez dias sem falar. “Liguei para pegar o resultado do exame e, em seguida, tocou o sino que deu início ao evento.” Aos 25 anos, ela estava prestes a lidar com a experiência mais transformadora de sua vida, o momento que a permitiu viver seu contato mais profundo com o feminino. “Tive a oportunidade de incorporar aquela maternidade. Foi muito especial porque me conectei com meu filho desde os primeiros momentos em que ele estava no meu ventre.”

“[A primeira menstruação] é o momento certo para ensinar às meninas como seus corpos funcionam”
Morena Cardoso

Embora tenha acontecido sem planejamento, a gravidez foi bem acolhida. A terapeuta relata que tomou pílula por muitos anos para não engravidar, mas decidiu interromper a contracepção quando fez uma segunda viagem para a Ásia e se aprofundou nos estudos da Fitoterapia. “Senti necessidade de livrar meu corpo de qualquer hormônio. Mudei desde o shampoo, até os alimentos que ingeria. Me conectei mais comigo mesma”, conta. Na época, porém, ela não tinha informações sobre controle de fertilidade e acredita que seria diferente caso tivesse tido uma outra relação com seus ciclos.

DanzaMedicina no Spirit Weavers Gathering, retiro de mulheres em Oregon - Crédito: Leslie Satterfield

“Traumático não, natural também não. Foi um pouco desconfortável e, ao mesmo tempo, tenho um sentimento que me remete à vergonha”, lembra sobre sua menarca. A terapeuta conta que sua família tem um histórico de mulheres que engravidaram muito cedo, por isso a primeira informação que recebeu de sua mãe ao menstruar foi a de tomar cuidado e se preservar. “Era uma ideia de que ser uma mulher fértil é um problema, uma carga que eu iria ter a partir daquele momento. Hoje, para mim, o momento da primeira menstruação deve ser visto como um presente pela capacidade de gerar vida. É o momento certo para ensinar às meninas como seus corpos funcionam”, diz.

Morena acredita que a relação com a menarca é um verdadeiro rito de passagem, o momento que permite às mulheres se colocarem no mundo como indivíduo. “Eu tinha diversas questões, mas não me sentia no direito de questionar nada. Havia um bloqueio sobre o que era menstruar, tanto em família, quanto com amigas”, recorda. A mensagem era clara, Morena deveria aceitar aquela condição e se comportar. “Se eu pudesse me encontrar com aquela versão de mim, faria um ritual. Daria flores e boas-vindas para a fase adulta. Falaria sobre a sexualidade de maneira consciente e sobre como o corpo da mulher funciona”, declara.

“É essencial esse primeiro contato para não tornar a menstruação um tabu”
Morena Cardoso

E é exatamente sobre isso que ela fala em seu novo livro, A menina que virou lua. Dedicado às meninas que estão adentrando o momento da primeira menstruação, Morena não tem a pretensão de ser didática. É uma escrita lúdica, que ensina o que é a menstruação dentro das tradições ancestrais que vivenciou ao longo de sua vida. “São conhecimentos que nem todas as mulheres tiveram, como por exemplo entender a influência dos ciclos lunares em nossos corpos e em como a TPM nos ajuda a olhar para nós mesmas. Isso pode ressignificar toda a vida de uma mulher e a relação dela com seu corpo. É primordial esse primeiro contato para não tornar a menstruação um tabu.”

Morena Cardoso - Crédito: Ana Fiedler

O feminino no mundo

O projeto DanzaMedicina, gerido ao longo dos últimos cinco anos, é uma verdadeira missão de resgate de mulheres através da terapia corporal. É um trabalho que usa o corpo para o autoconhecimento através dos elementos da natureza. Pela internet, Morena também compartilha conteúdos autorais e oferece o curso Devir-Mulher, que fala dos ciclos, do sangue e das dores compartilhadas. Ela fez de sua busca, uma missão muito maior. “É importante a gente se reconhecer uma na outra.” Até hoje, foram mais de mil mulheres impactadas presencialmente em diversos lugares do mundo, já o público online ultrapassa a marca de 80 mil. O objetivo é transformar o modo que a energia feminina é vista no mundo.

“Nossas dores, físicas ou subjetivas, podem transformar a gente em uma bela fortaleza”
Morena Cardoso

“Acredito que nossas dores, físicas ou subjetivas, podem transformar a gente em uma bela fortaleza. Legitimá-las, compartilhá-las e usá-las ao nosso favor mostra como nosso corpo é uma baita ferramenta. O sangue da menstruação, por exemplo, vem para fazer uma limpeza potente”, acredita. Morena relata sentir bastante dor no período menstrual, mas procura ouvir seu corpo e se resguardar. “É um momento de finalizações. Mulheres são cíclicas, mas existe uma pressão patriarcal para nos encaixar em um tempo linear, o mesmo das máquinas, para estarmos sempre produzindo. Para criar essa conexão com os ciclos, basta existir o desejo de conhecer, amar e lidar com o próprio corpo. Do jeito que ele é.”

Créditos

Texto: Camila Eiroa

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