Pinto pequeno: vergonha ou excesso de falocentrismo?
Na teoria, a métrica não atrapalha o desempenho sexual mas, na prática, muito marmanjo trocaria qualquer bolada por alguns centímetros a mais na anatomia
Houve uma vez um verão em que um aplicativo para celulares, o Lulu (que saiu do mercado brasileiro no ano passado, em meio a muita polêmica), deixou homens apavorados: usando dados extraídos do Facebook, a ferramenta permitia que mulheres avaliassem os homens que as cercavam, nos mais variados aspectos – dos dotes culinários ao gosto musical. Um tema em particular causava inegável desconforto entre os avaliados: os detalhes da anatomia. Mais precisamente, o tamanho do pênis. #NãoFazNemCosca foi uma das hashtags que se espalharam pela rede para definir paus que seriam pequenos demais para o gosto das freguesas.
A descrição levou o cronista Xico Sá a escrever um texto bem humorado em que sugeria aos colegas que relaxassem e tentassem se divertir com a brincadeira. "Meu amigo, o primeiro insatisfeito nessa parada é você mesmo", lembrava ele, que completava com outra verdade indiscutível: "Ninguém é perfeito e a vida é assim". O fato é que uma infinidade de desabafos de insatisfeitos com o próprio pênis povoa a internet, ao lado de anúncios com promessas como "Enlarge your penis" ou "Gain 2 inches!". O espaço virtual é só um reflexo do que desde sempre é falado em bares, consultórios e salões de beleza pelo mundo: o tamanho do "documento".
A complicação começa em definir que metragem separa um membro pequeno de todo o resto. Nos fóruns virtuais, as respostas para pequeno acolhem pintos que vão de 5 a 14 centímetros – um cenário tão abrangente quanto impreciso. Há homens infelizes (sempre on-line, sob a proteção do anonimato) com pintos que têm entre 8 e 12 centímetros. E há ainda muitas queixas referentes à largura. A medicina separa pintos pequenos da micropenia, quando realmente há um problema, no número 7. "Se em comprimento, e ereto, o pênis for menor que 7 centímetros é considerado um micropênis, e requer investigação médica. Qualquer coisa maior que isso pode ser perfeitamente normal. Basta que o dono do órgão tenha uma relação saudável com ele", conta Antônio de Moraes Júnior, urologista e coordenador do Departamento de Andrologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
"Pequeno mesmo é o pinto do cara que não quer saber do prazer do parceiro"
Deixamos a pergunta sobre quantos centímetros caracterizam um pau pequeno em nossas redes sociais e as respostas não ficaram apenas nas medidas. "Nem sempre uma relação de amor tem um pinto. E quando se gosta verdadeiramente de alguém a troca de carinho e respeito é muito mais importante do que o tamanho do pau", foi uma das mensagens. "Pinto pequeno é sempre o do ex", brincava outra. "Pequeno mesmo é do cara que não quer saber do prazer do parceiro" apostava outra, lembrando que a questão não se restringe apenas a relações entre homens e mulheres. Em números exatos, os depoimentos dizem que menos de 10 centímetros configuram pinto pequeno.
No consultório do doutor Antônio, em Goiânia, as queixas quanto ao tamanho são frequentes e, quase sempre, ele as considera infundadas. "Recebo pacientes semanalmente reclamando disso. Muitos estão dispostos a intervenções cirúrgicas." O urologista se refere à cirurgia de aumento peniano, que pode aumentar em até 5 centímetros o comprimento do órgão, mas que é exclusivamente recomendada para casos de micropenia (aqueles com menos de 7 centímetros), e olhe lá. Mesmo nesses casos, o procedimento deve ser criteriosamente analisado, pois oferece alto risco de sequelas. "O paciente pode acabar com o pênis mutilado e, muitas vezes, passa a ter problemas de ereção e alteração no canal urinário."
A julgar por um vídeo do YouTube chamado 1st Anual SmallPenis Contest, (1º Concurso Anual de Pênis Pequenos), de 2008, donos de micropênis parecem, ao menos ali, levar a vida com mais leveza do que donos de pintos que estão fora dessa linha de corte. Entre os candidatos, destemidos portadores de paus inacreditavelmente pequenos são alvo de piadas dos jurados. "Isso não é um pênis, é uma vagina", alguém diz para um dos concorrentes. Todos gargalham, inclusive o dono da genitália em questão.
Don’t wanna a short dick man
A câmera fecha em um casal em um jogo de basquete na Califórnia, Estados Unidos. Lá, é tradição durante os intervalos flagrar beijos, declarações de amor e – assim como o feito do comediante Patrick Moote – propostas de casamento. No telão todos observam Patrick se ajoelhar e tirar a aliança do bolso. Num ato digno de gargalhada nervosa e vergonha alheia, a então namorada sai correndo. Essa foi apenas a primeira humilhação sofrida por Patrick. Dias depois, a segunda vem com a eternização de seu fora na internet, quando 10 milhões de pessoas clicaram para assistir à cena. Mas o pior ainda estava por vir. Inconformado com a negativa, ele vai atrás da ex pra ter algumas justificativas. Dentre elas vem a bomba: "O seu pinto é pequeno demais pra mim".
Começava ali o documentário Unhung Hero, que apresenta a saga de Patrick atrás de respostas e soluções para um pau rejeitado. O norte-americano roda o mundo e testa tratamentos, exercícios e bebidas mágicas que possam lhe dar centímetros extras. De forma aberta e muitas vezes sem aviso prévio entrevista ex-namoradas e familiares. Fala também com ativistas, especialistas e atores de filme pornô. Com bom humor, entre o exorcismo de um pé na bunda público e o autodeboche, Patrick descobre que nada pode mudar a metragem de seu pênis, mas que dá pra ser feliz com seu pau diminuto, porém esperto. Durante o documentário ele arruma, inclusive, uma namorada nova.
"A mulherada dizia ‘tamanho não é documento’. Era politicamente correto abraçar a causa mesmo que ela não fosse tão ‘abraçável’. Mas nos grupos de WhatsApp os comentários eram outros"
De fato, não existem tratamentos recomendados pela medicina tradicional para os insatisfeitos com sua medida. A solução seria desencanar e gozar. Ou recorrer a um sex shop e às pequenas ajudas do mercado erótico, que vão das duvidosas bombas penianas a capas e até cosméticos. Produtos assim prometem um resultado "delicado e momentâneo", explica Paula Aguiar, presidente da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual (Abeme). Com a bomba a vácuo, o pênis ganharia mínimos centímetros; já a capa funciona como uma "nova roupa que dá corpo ao membro"; quanto aos cosméticos, Paula explica que causam uma sensação de tumescência.
Nesses mesmos sex shops a maioria dos vibradores realistas vai de 13 a 20 centímetros. Há consolos menores, com cerca de 10 centímetros de comprimento, "mas são mais procurados para uso anal", diz Paula. De acordo com as pesquisas da Abeme, os mais procurados entre brasileiras e brasileiros correspondem à média nacional, 15,7 centímetros, segundo estudo publicado em maio de 2014 na Inglaterra.
Não existem pesquisas oficiais sobre a relação entre o tamanho do pau e o prazer feminino. Mas rumores de insatisfação não faltam. O humorista Antonio Tabet é um dos atores do vídeo É pau é pedra, do canal Porta dos Fundos, em que dois amigos conversam em um banheiro sobre o tamanho do órgão. "2 centímetros de pau ou a cura do câncer?", "2 centímetros de pau ou ganhar na Mega-Sena?" A resposta é sempre "2 centímetros de pau". Sobre o assunto do vídeo, Tabet diz que no Brasil reclamar de tamanho de pinto é mais ou menos como reclamar da corrupção: "Quem o faz, muitas vezes, tenta um esquema para burlar um imposto ou furar uma fila. Com o pau é parecido. Houve um tempo em que a mulherada dizia ‘tamanho não é documento’. Era politicamente correto abraçar a causa mesmo que ela não fosse tão ‘abraçável’. Mas nos grupos de WhatsApp os comentários eram outros". Coincidência ou comprovação, o vídeo Does the size matter, do canal Cut Vídeo, mostra mulheres americanas respondendo se o tamanho importa e a maioria diz não. Uma delas crava: "O tamanho importa pra mim se importar pra você".
A puta aposentada e escritora Lola Benvenutti admite que "sim, mulheres comentam" e que, particularmente, para ela existe um "limite para a pequenez". Até pode ser pequeno, mas não nanico. "Já atendi caras em que era impossível colocar camisinha. Tipo dedo mindinho. E foi frustrante. Talvez porque o estímulo visual faça diferença. Você vê um cara de pau minúsculo e parece que desfaz a imagem de homem." E, segundo a psicanalista Maria Lúcia Homem, em nossa sociedade falocentrista o pinto pequeno mexe mesmo na imagem de seu dono e acabamos sugestionados pelo imaginário poderoso que isso cria. No fundo, apenas mais um padrão, que, como qualquer outro, enquadra uns e exclui e fere os diferentes.
"Pensar que a carga erótica está no tamanho do pau é limitado. A sexualidade é muito mais complexa e deve ser gozada por mil signos"
Para a psicanalista os centímetros não devem ser mais poderosos que uma ideia. "O desejo está na cabeça". E uma penetração profunda não é regra para estimular ninguém. "Nas mulheres, por exemplo, o primeiro um terço da vagina corresponde à região de maior sensibilidade. Você não tem que chegar no colo do útero pra acionar prazer, e, se chega, machuca." Maria Lúcia garante que a solução para os pequenos e seus respectivos envolvidos é a desconstrução da lógica métrica e simplista que deposita o desejo em meras medidas. "Pensar que a carga erótica está no tamanho do pau é limitado. A sexualidade é muito mais complexa e deve ser gozada por mil signos. O tamanho do pau deixa de ser um problema se transgredimos a normatividade que sustenta o sexo."
PASSANDO A RÉGUA
Quanto, afinal, deve medir um pênis para ser considerado pequeno?
Isso parece algo impossível de responder objetivamente. Em 2012, numa entrevista concedida a Jô Soares na TV Globo, o médico mineiro Murilo Ranulfo Tavares Jr. diverte a plateia ao dividir a humanidade em três categorias: o padrão asiático, com 12,5 cm em média; o africano, com 16,5 cm e o europeu/americano, com 14,5 cm (medidos sempre durante a ereção, com uma régua - não fita métrica - e encostando-a no púbis). Legista e autor de Incisão sem corte, romance erótico inspirado em seus plantões nos hospitais de Belo Horizonte, ele afirma que os anos como professor de anatomia e médico legista o fizeram um especialista em corpo humano, sobretudo em pênis. Em entrevista à Trip, Ranulfo chama a atenção para estudos recentes, como o que a revista BJU International, especializada em urologia, publicou em 2014, revelando o tamanho médio do pau em diferentes nações. A República do Congo lidera a lista, com média de 18 cm. O Equador vem em segundo lugar, com média de 17,5 cm. Bélgica e França são os próximos, com 16,2 e 16 cm, respectivamente. Na mesma pesquisa, a média do brasileiro é de 15,7 cm. Nas últimas posições estão China (10,9 cm), Índia, (10,1 cm), e Coreia (9,3 cm).