Morrer de amor e continuar vivendo

É possível superar a dor e a doença que alguns amores causam. Lorena Kaz trata a sua parindo quadrinhos

por Natacha Cortêz em

“Uma vez fui com um ex a um bar antes de um show. Combinamos de comer alguma coisa e dividir um suco. Enquanto eu comia, ele tomou o suco todo. Eu, que vivia dura, mandei: 'A gente ia dividir!'. Foi quando começaram os insultos: 'Mesquinha, pobre de espírito, egoísta. Não está vendo que estou com sede?'. Eu disse que ele estava me ofendendo, que havíamos combinado algo. E ele gritou pro bar inteiro: 'Eu devia mandar você enfiar o copo de suco no cu!'. Senti muita vergonha, levantei da cadeira, disse que não podia tolerar aquele tratamento e que ia embora. Mas não fui. Ele apertou meu braço e disse: 'Você não vai a lugar nenhum, vamos acabar de comer, vamos ao show e você vai sorrir.' Obedeci. Temos uma foto desse dia e sempre me impressiono em como eu estava bonita. Não pareço triste, pelo contrário, estou sorrindo e me sentindo sortuda por ter uma foto com ele, por ter tido mais uma chance. Eu, que continuava ao lado dele porque estava petrificada de medo.”

Esse é o primeiro post da fanpage Projeto Morrer de amor. Trata-se de um relato autobiográfico de um passado não tão distante da quadrinista Lorena Kaz, 33 anos, que também é a autora da página, um espaço onde dependência amorosa é o assunto que reúne quase 90 mil interessados; a grande maioria, mulheres. “É comum eu receber desabafos, pedidos de ajuda ou gente dizendo que tem uma amiga que sofre com um relacionamento abusivo”, conta ela, que em um dia agitado responde até 20 mensagens.

Ilustradora de livros infantis, Lorena faz quadrinhos há pelo menos 10 anos, mas há 4 é que eles ficaram mais “trágicos e dramáticos”, como diz, e passaram a trazer mulheres sofrendo por relações amorosas. Foi a forma que encontrou de tratar seus demônios. “Meus sim! Apesar de viver namoros onde era desrespeitada, sempre que buscava novos parceiros, caía na mesma dinâmica de dependência emocional e maus tratos. Percebi que tinha um ímã por esse tipo de relação e que o roteiro se repetia. Eu colocava minha vida no outro, me frustrava, era humilhada e chegava no fundo do poço.”

Além de registrar suas histórias nos quadrinhos, Lorena foi atrás de serviços e grupos de apoio. A ideia era expurgar seus medos e depois, entendê-los profundamente. Passou a frequentar o MADA (Mulheres que amam demais anônimas), fez trabalho voluntário no CVV (Centro de valorização da vida) e participou de um grupo de estudos sobre comunicação não violenta. Nesse contexto é que a fanpage nasceu. “Eu queria contar das coisas que passei, aprendi e escutei. Queria mostrar, inclusive, as nuances dos abusos. Porque não é tão simples quanto: o abusador e a vítima que não consegue se livrar dele. A maioria das vítimas são dependentes da condição de dependência porque estão em desconexão com a própria essência.”

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O próximo passo foi criar oficinas presenciais na cidade de São Paulo para ajudar mais mulheres que assim como ela sofriam com dependência emocional. Em um trabalho com Angelica Rente, psicóloga especialista em comunicação não violenta, Lorena usa os quadrinhos para que instiguem empatia e conversas. “As pessoas se sentem à vontade em falar de seus dramas quando vêm outras se abrirem. Acredito que este seja um bom começo pra tratar esse tipo de dependência: ouvir e ser ouvida, saber que você não está sozinha e que a libertação está no fortalecimento do amor-próprio.”

Créditos

Imagem principal: Lorena Kaz

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