Pra que servem as leis de aborto?
Se elas não salvam mulheres nem impedem que o façam?
Em meio a discussões morais e jurídicas que são travadas em torno do aborto no Brasil, há um dado da realidade a ser considerado: países em desenvolvimento ainda apresentam taxas crescentes no número de abortos, enquanto nos países desenvolvidos, o declínio delas é expressivo desde 1990.
O que isso significa exatamente? Bem, parece que as leis que criminalizam o aborto não têm impedido que as mulheres o façam. Em muitos dos países em desenvolvimento, onde as taxas ainda sobem, o aborto é proibido, a exemplo do Brasil, onde apenas em casos de estupro e feto anencéfalo existe o amparo legal ao procedimento.
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Os dados que confirmam as informações que você acabou de ler são do estudo Abortion incidence between 1990 and 2014: global, regional, and subregional levels and trends, publicado neste ano pelo Instituto Guttmacher e validado pela Organização Mundial da Saúde. Para não ficar somente na conclusão mais importante deles, olhamos para as planilhas de forma atenta: embora tenha havido um recuo na taxa global, pois se estima que a quantidade de abortos realizados a cada grupo de mil mulheres tenha caído de 40 para 35 quando comparados dois intervalos diferentes (1990-1994 e 2000-2014), regiões como a América do Sul e América Central registraram crescimento das taxas.
Na região que inclui o Brasil, eram realizados, lá na década de 90, 43 abortos para cada mil mulheres. Já no período mais recente analisado, passaram a ser 47. Um aumento de 9,3%.
Para se ter uma ideia do quanto a tendência é oposta às regiões mais desenvolvidas, na Europa esse número caiu de 50 para 32 no mesmo período, um recuo de 36%. Na América do Norte, também desceu a ladeira: saindo de 25 para 17, o que representa uma redução de 32%.
É preciso dizer: os números são sempre muito importantes no debate sobre a descriminalização do aborto, já que, quando os discursos se radicalizam, é comum ouvir de quem se posiciona contra que liberar o aborto seria concordar com a “matança de inocentes”. Um ministro do STF já fez uso desse argumento, em 2012. Na mesma Corte onde há alguns dias se viu o ministro Luís Roberto Barroso encaminhar uma decisão histórica a favor da descriminalização do aborto no Brasil, com voto que destacava a importância de se considerar a autonomia das mulheres, o ex-ministro Cezar Peluso votou, quatro anos atrás, contra a descriminalização do aborto de feto anencéfalo afirmando que: “No caso de extermínio do anencéfalo encena-se a atuação avassaladora do ser poderoso superior que, detentor de toda força, infringe a pena de morte a um incapaz de prescindir à agressão e de esboçar-lhe qualquer defesa".
A OMS, que não tem qualquer histórico de posicionamento pró ou contra, nem tampouco declara ideologia política, alerta: estima-se que morram 47 mil mulheres todos os anos por complicações relacionadas a abortos clandestinos no mundo. Esse, por si só, já seria um número que mostra como manter a criminalização do aborto tem se revelado, já há décadas, um problema de saúde pública.
No estudo do Instituto Guttmacher se lê outro dado alarmante: cerca de 7 milhões de mulheres tiveram complicações na realização de abortos classificados como “inseguros” apenas no ano de 2012, e 40% delas necessitaram de cuidados que não tiveram. Vamos pensar. Apenas no Brasil, meio milhão de mulheres abortaram em 2015 – é o que aponta a Pesquisa Nacional de Aborto, publicada recentemente pela antropóloga e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Debora Diniz. Ou seja, a proibição, neste país ou em qualquer lugar do mundo, não está evitando abortos nem salvando mulheres da morte. As leis precisam mudar!
Créditos
Imagem principal: Rovena Rosa / Agência Brasil