Não tinha teto, não tinha nada
Enquanto ministros deitam e rolam sobre os cartões corporativos do governo, milhares de pessoas só têm uma alternativa: a rua
O que aconteceu na reunião foi a exposição de casos pontuais, que ajudam a compor o descabeçado quebra-cabeça da habitação. Uma mulher com olhos assustados e rosto enrugado puxava pela mão um menino marrom e cabeludo. Contou que morava “de favor” na casa de “não sei quem” que já havia exigido que saíssem. Sugeri que fossem para um albergue municipal. Enquanto isso, o menino marrom fazia carinho nos meus cabelos.Percebi que tinha síndrome de Down e a doçura e a inocência dessas pessoas. Pediu pra me beijar e, junto com a mãe, explicou que na última casa de assistência apanhou muito. Como alguém pode machucar uma criatura tão doce? Parece a Al-Qaeda, que usa a ingenuidade das mulheres com Down para fazê-las de bombas terroristas.
Uma outra senhora, que teve paralisia infantil e hoje sofre de síndrome pós-pólio, lamentou queestivesse há 30 anos esperando pelo apartamento em algum conjunto habitacional popular. Chegou a ser chamada, porém só para informá-la que não poderia obter o imóvel, pois provavelmente não viveria mais 25 anos para terminar de pagar as prestações. Outra, que teve sua casa destruída numa obra pública, ia para a rua com dois filhos deficientes.
O que mais me revoltou nos muitos relatos dramáticos é que, enquanto a alternativa de morada dessas pessoas é a rua, os servidores da presidência da República gastam com os cartões corporativos do governo, sem controle, sem regras e sem punições. Mais de R$ 58 milhões foram gastos no último ano em saques de dinheiro.
O de cima sobe, o de baixo desce
Com esse dinheiro conseguiríamos abrigar 14 mil famílias como essas. Enquanto isso, uns ministros embolsam verba de mudança, chegando a R$ 18 mil.Com esse valor compra-se um imóvel. Uma outra família foi parar na rua com o filho que tinha hidrocefalia e, numa das primeiras noites de sono sob a ponte, acordam e o menino havia sumido. Continua desaparecido, e, para suportar a dor, o pai começou a se embriagar. Do outro lado, num palácio distante, o presidente oferece, em jantares, garrafas de vinho Romanée-Conti, que podem custar de R$ 10 mil a R$ 30 mil.Verba pública, mais habitações! E aqui na Chácara Cocaia, onde o Real é mais real, o menino marrom morre de medo de apanhar de novo por não ter onde morar!