Dias de luta
Seguimos buscando subverter e destruir porque é a partir daí que se cria o novo
“As conexões entre mulheres são as mais temíveis, as mais problemáticas e as forças mais potencialmente transformadoras do planeta.” Há quase 50 anos a escritora Adrienne Rich (1929-2012) explicava por que o encontro de mulheres politicamente motivadas pode ser uma ameaça às instituições e aos atuais mecanismos de opressão. Rich não viveu para testemunhar a mais recente onda feminista da história, mas deixou pegadas para que pudéssemos entender algumas coisas.
Se estivesse com a gente naquele fim de semana ensolarado de junho de 2018, quando nos encontramos para a sétima edição da Casa Tpm, ela talvez se encantasse com a energia, com o nível dos debates e com a emoção que estiveram presentes. Certamente ficaria sensibilizada com algumas das histórias contadas; de feminismos negros, de mulheres trans, histórias vindas da periferia, de mulheres executivas, de atrizes, de assistentes sociais, histórias de seres humanos dispostos a compartilhar uma sociedade mais rica. Quem sabe, fascinada com o que visse e ouvisse, Rich até dançasse ao cair da noite, um ritual que já é tradição da Casa.
Há sete anos, quando fizemos a primeira imersão de dois dias para refletir sobre o específico feminino, o mundo era outro. Não havia extremismo fundamentalista e o Brasil parecia estar a caminho de dias melhores e menos desiguais. Mas fomos varridos por um tsunami conservador e tivemos que nos rea-grupar. Da mesma forma que em 2001 a Tpm nascia para subverter a tediosa ordem das publicações femininas, tão preo-cu-padas em ensinar uma mulher a satisfazer seu homem na cama, e jogava o foco naquilo que nos interessava de fato – o nosso bem-estar, a nossa saúde sexual, o nosso gozo –, seguimos buscando subverter e destruir porque é a partir daí que se cria o novo.
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Não é mais novidade que uma publicação voltada a mulheres tenha como foco o bem-estar delas, e isso deve ser motivo para celebrações. Mas parece ser novidade propor que homens e mulheres olhem juntos para o futuro e que entendam que qualquer viagem rumo ao amanhã começa com o incremento da sociedade atual, com a libertação deles e delas das garras do machismo, com a desconstrução da masculinidade tóxica que vitimiza homens e mulheres. Aprofundar o debate tem sido nosso objetivo, e a Casa Tpm 2018 deu conta desse recado. Para que nenhuma reflexão fosse perdida, montamos um tour de force midiático: transmissão ao vivo pela internet, melhores momentos em nossas plataformas, debates na íntegra em nossos sites, conteúdos variados no Trip TV e no Trip FM. E nesta edição especial, ideias, pessoas e debates extrapolam a Casa e tomam conta das páginas a seguir. Se alcançarmos êxito, você guardará esta edição com o mesmo afeto que dedica a alguns livros.
Para fechar com quem inspirou o começo deste texto, deixo aqui um pouco mais da sabedoria de Rich a respeito do mundo com o qual sonhamos: um mundo no qual abortos não sejam mais necessários, livre da miséria e de estupros, onde garotas cresçam com conhecimento e respeito por seus corpos e mentes, onde a socialização de romances heterossexuais e casamentos não sejam mais a única lição cultural, onde mães solo possam criar seus filhos e filhas com mais amparo e onde a criatividade feminina possa, ou não, escolher se expressar através da maternidade.