Me engana que eu gosto?
Por que as mulheres acreditam nas falsas promessas vendidas pela indústria e pela mídia?
Dez quilos a menos em cinco dias, o casamento perfeito em dez lições, o corte de cabelo certo para ganhar a promoção no trabalho, as 30 maneiras de enlouquecê-lo na cama: por que as mulheres (mesmo as inteligentes) adoram acreditar nas falsas promessas vendidas pela indústria e pela mídia?
Você abre uma revista feminina no consultório do dermatologista. Na capa, uma chamada avisa: uma nova dieta vai fazer você perder 15 quilos. A moça que fez conseguiu, além de tudo, um namorado depois que ficou “magra”. Você se cansa e fecha a revista. E lá está, na contracapa, a foto de outra moça com longos e brilhantes cabelos, daqueles que você nunca vai ter. Depressão. Você entra na consulta. O médico manda passar três cremes no rosto para ficar “mais jovem”. Com o tempo, quem sabe você não faz uma plástica ou aplica um pouco de botox? Isso tudo, misturado aos truques ensinados nas revistas, talvez traga o homem dos seus sonhos e, com ele, a felicidade eterna...
Espera aí. Para. Isso é tudo mentira! O regime miraculoso não vai funcionar. Ser magra não vai trazer um amor pra você. Homem dos sonhos não existe, muito menos felicidade eterna. Como você, tão esperta e informada, acreditou em tudo isso?
Uma boa notícia (ou um consolo, pelo menos): não é só você. Todo mundo cai nesses truques vez ou outra. É só abrir uma revista, ver uma propaganda na TV ou entrar na internet para perceber que existe uma “indústria de mentiras” direcionada às mulheres, com todo tipo de milagres à venda – das simpatias para arrumar marido às dietas fulminantes; dos cremes que vão salvar os cabelos aos livros de autoajuda que vão ensiná-la a ser feliz. Só a indústria de cosméticos movimentou US$ 37,4 bilhões no Brasil em 2011 segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos – e a estimativa é que sejam US$ 50,5 bilhões em 2015. Não, não achamos que todo produto é mentiroso. Adoramos vários. Mas com tanta maquiagem, creme e correções (vai uma plástica aí?), uma hora você se engana tanto que nem lembra mais como era. Só para registrar, o Brasil é o segundo campeão mundial de cirurgias plásticas. Só perde para os Estados Unidos. Por que será que somos tão obcecadas com imagem?
Promessa e depressão
Quem nunca acreditou em uma magicazinha que atire o primeiro pote de loção antienvelhecimento. A apresentadora de TV Jana Rosa, 28 anos, assume que cai (e sempre). “Fiz toda sorte de regimes que você pode imaginar. Todos os miraculosos. Acredito em creme. Em tudo. Sei que vai dar errado, mas um lado meu acredita e depois fico deprimida.” Ela arrisca um palpite sobre o que, afinal, a faz se enganar. “Talvez eu compre revista feminina cheia de promessas para me sentir incluída no mundo das mulheres. Mas sempre acabo mal.”
O que ela e muita gente parece esquecer é que a menina da revista não existe. A própria Jana já testou: “Uma vez fui capa de uma revista. Foi tanto retoque que não me reconheci. Minha cabeça ficou pontuda”.
José Fujocka, pioneiro no mercado de tratamento de imagem, confirma o exagero no Photoshop: “Quando surgiu por aqui, nos anos 90, usávamos com outros objetivos, como para equalizar cores”. Ele diz que foi no começo dos anos 2000 que começaram as correções estéticas. “Em 2005 houve um boom da ferramenta no Brasil para correções em editorias de moda e publicidade feminina. Então os pedidos começaram: ‘Emagrece aqui, estica ali, limpa aquela mancha’.” Fujocka assegura que as fotos mais retocadas são mesmo as relacionadas à beleza feminina. “Nove entre dez fotos de mulheres que chegam são retocadas. Com os homens não: evitam-se retoques, a aparência precisa ser mais rústica, a barba por fazer por exemplo.” É tanta manipulação que ele acaba recusando trabalhos: “Revistas de dieta não faço há anos. É radical demais. Na vida real é impossível chegar àqueles resultados”, entrega.
"Uma vez fui capa de uma revista. Foi tanto retoque que não me reconheci"
Na moda, os truques que transformam meninas (quase sempre adolescentes na faixa dos 15 anos de idade) em “deusas” que tentamos emular vão muito além do Photoshop. A modelo Michelli Provensi, 28, com mais de dez anos de carreira, conta alguns. “Mentimos desde a hora que acordamos. Aquele corpo que sai na revista não é nosso, está cheio de Photoshop. Fazemos poses que deixam o corpo totalmente diferente. Aquele cabelo muitas vezes é aplique.” Ela diz que chegou a fazer um curso de como se dar bem em castings, em Nova York. “Era um curso de como mentir, você aprendia tudo, até a fazer seu cabelo cair em cascatas como os das propagandas.” Os cabelos, por sinal, já foram problema pra ela. “Tentei todos os milagres do mundo. Meu cabelo é muito ralo. Uma época usava aplique. Mas parecia que eu tinha um bicho morto na cabeça.”
A mentira não fica só nas fotos: chega também à passarela. “Uma vez vi a Gianne Albertoni [modelo veterana que virou apresentadora de TV] fazendo agachamentos antes de desfilar de biquíni e pensei: ‘Se ela faz, funciona’. Passei a fazer agachamento [série de exercícios de levantar e abaixar] sempre que desfilo moda praia, achando que a minha bunda fica mais dura. É ridículo, virou TOC, já me vi agachando antes de ir para a praia.”
Acreditamos nesse monte de coisas, sim. Mas não é porque a gente é burra, certo? “As mulheres acreditam mais em milagres que os homens porque existem mais milagres oferecidos para elas”, diz a terapeuta Tai Castilho. “Isso não acontece porque somos bobinhas, mas porque existe toda uma indústria que diz que temos que ser sempre jovens e lindas.” Segundo Tai, isso também não acontece só porque “queremos agradar um homem”. “Acho que tanto homens como mulheres são tão narcisistas que estão preocupados é com o espelho.”
Eu acredito em milagres
A pressão, no entanto, é maior para as moças. A administradora de empresas Ana Paula de Miranda, autora de Moda e consumo: relação pessoa-objeto (Estação das Letras e Cores, 2008), explica: “A busca pela perfeição alimenta o mercado. A sociedade exige que a brasileira seja sempre linda. E somos o que consumimos. Quando compramos um produto de beleza anunciado pela Kate Moss, é como se virássemos um pouco ela”. (Só para lembrar de novo: nem a Kate Moss é tão perfeita quanto a Kate Moss das revistas, tá?)
Na opinião da psicanalista Joana de Vilhena Novaes, 36, coordenadora do Núcleo de Estudos das Doenças da Beleza da PUC do Rio, a busca pela perfeição está, sim, associada ao nosso gosto pelos milagres. “A mulher tem que ser boa no trabalho, boa mãe e ainda linda o tempo todo. Tantos papéis e tarefas em níveis absurdos de perfeição trazem uma angústia e uma ansiedade enormes. Compramos produtos e ferramentas que ajudam a sustentar ideais muitas vezes impossíveis de alcançar. Só que, como perfeição não existe, uma hora ficamos frustradas.”
E como explicar que mesmo mulheres mais críticas, com mais acesso a diferentes informações e pensamentos, também caem na saga pelos modelos irreais? “Porque parte dessas expectativas assimilamos automaticamente e diariamente, simplesmente através de todo estímulo visual que recebemos”, esclarece a neurocientista Suzana Herculano-Houzel. Ela acrescenta: “Claro que se você tem consciência, e uma opinião formada, tem mais condições de ser crítica a esses estímulos. Mas, sim, estudos apontam que a simples exposição a essas informações é capaz de criar expectativas. E, pior, é capaz de fazer com que você mude a percepção de você mesma. Por exemplo: ficar olhando imagens de mulheres magérrimas faz você olhar pro seu corpo e achar que é gorda. Não importa se antes tinha uma opinião maravilhosa dele. O cérebro acaba ajustando o que ele considera o corpo normal. Então qualquer pessoa que estiver exposta a esses investimentos está sujeita às expectativas que criam pra ela”.
"Ficar olhando imagens de mulheres magérrimas faz você olhar pro seu corpo e achar que é gorda. O cérebro acaba ajustando o que ele considera o corpo normal"
Desde que as redes sociais entraram em cena, tudo parece pior ainda. Tudo é perfeito em lugares como o Instagram, o aplicativo que deixa “tudo bonito” com seus filtros, e normalmente é usado para exibir situações de extrema satisfação. “O Instagram me causa depressão”, diz Jana Rosa. “Não consigo não entrar. Sempre acho que a vida alheia é perfeita e a minha, um lixo, por mais que eu saiba que nenhuma vida é sempre ótima.” Mas o que mais a chateia são revistas que dizem que você só pode transar no quinto encontro, se quiser um namorado. “O pior é que tenho amigas que acreditam. Eu acreditava quando era mais nova, mas com o tempo a gente começa a se ligar.” Tai Castilho concorda: estamos começando a cair na real nessa questão. “As mulheres são cada vez mais livres e acreditam menos que precisam seguir regras para ser felizes em um relacionamento. Esse tipo de coisa começa a ficar para trás.” Ufa.
Comparação de vidas
Ficar deprimida porque todo mundo parece mais feliz e perfeito (o que é mentira) tem explicação científica. “Pensamos o tempo todo nas expectativas que temos da gente mesma, em comparação ao outro. Então, se acreditamos que pessoas têm uma vida mais incrível, agitada e útil que a nossa, passamos a funcionar com base nessas expectativas”, explica Suzana. Para não cair nas promessas, a neurocientista sugere um ato simples, de efeito imediato e, muitas vezes, libertador: “Para desmistificar essas mentiras, o melhor é o choque de realidade. É sair às ruas e ver quem são as mulheres de verdade, quem são as pessoas reais. É ir à praia e perceber que muitas têm celulite, e que não têm o corpo perfeito”.
Algumas das atuais modelos de “perfeição” são as blogueiras de moda, aquelas meninas que se mostram lindas e felizes o tempo todo na internet. A empresária de marketing Cecília Ribeiro, 32, é vítima desse mercado. “Caio no que dizem. Mesmo sabendo que muitas vezes são pagas para usar os produtos e roupas que estão nos blogs, acabo pensando: ‘Se dá certo com elas, pode funcionar comigo’. Aí, compro.” Se vier com promessas milagrosas, então, aí que compra mesmo. “Sabe esses anúncios que aparecem no Facebook dizendo ‘Claudia Leitte perdeu 12 quilos. Entre aqui e veja o que ela fez’? Eu clico e compro! Depois vejo que fui tola, que o produto não funciona.”
E se você, no caso, for uma especialista em maquiagem? Mais difícil ainda escapar das tentações, certo? “Se a embalagem do produto é bonita, não adianta, vou lá e compro”, diz Marina Smith, 30, publicitária, blogueira e criadora, com a mãe, da marca de cosméticos 2Beauty. A experiência que os anos de blog trouxeram e os toques da mãe, no entanto, fizeram com que ela acordasse. “Minha mãe é farmacêutica bioquímica e abriu meus olhos para produtos milagrosos, tipo creme que some com celulite ou queima gordura. Sempre desconfio de cosméticos que prometam mundos e fundos. Mas, óbvio, já comprei muitos. Quem não gosta de acreditar que existe uma saída rápida para uma chatice tipo celulite?”
Toda mulher gosta, Marina. Mas cair em mentira consciente de que está sendo enganada já pode ser um bom começo. “Não existe vida sem acreditar em mentira”, alivia Tai Castilho. “A realidade já é dura demais. Alguma fantasia todo mundo tem que ter.”