Guia Eterno de Manejo da Ressaca Sem Fim
No Carnaval, surgem aquelas receitas absurdas de amigos para combater/evitar a ressaca...
Sei que essa época é mais uma daquelas do ano em que a felicidade é compulsória. É obrigatório estar feliz, empolgado e postando foto de sambódromo ou bloquinho de rua no Instagram (não tem graça ser feliz se não der para mostrar para os outros) e curtir como se não houvesse amanhã. Afinal, não me leve a mal, hoje é carnaval. Nesse contexto, o álcool acaba tendo papel importante. Seus efeitos de euforia acabam sendo o recurso utilizado para que as pessoas se empolguem, mantenham-se empolgadas ou combatam o tédio gerado pela obrigação de curtir. Só que o amanhã sempre chega. E, particularmente no caso do Carnaval, geralmente acompanhado de uma terrível ressaca. Moral ou de bebedeira.
Da moral, eu não tenho formação para falar. Sendo assim, vou me limitar a discutir a que estudei, que é aquela decorrente da ingestão abusiva de álcool. Porque eu sei que, particularmente nesse feriado, surgem os mitos e receitas absurdas de amigos/conhecidos para combater ou evitar a ressaca. Assim, o texto de hoje vai ser um pouco diferente. Vai ser uma espécie de Guia Eterno de Manejo da Ressaca Sem Fim. Comecemos:
Dica INFALÍVEL para evitar ressaca no carnaval: não beba em excesso. Isso mesmo: não tem mágica. Abusou? Infelizmente, seu organismo vai sentir. Especialmente o fígado, estômago, intestino e cabeça.
Dessa forma, as únicas coisa que eu posso recomendar para "prevenir" (coloco o verbo entre aspas porque isso só vai funcionar se você não abusar) a ressaca são:
1 | Ir para a festa bastante hidratada e, entre um drink e outro, ingerir água ou um suco. Porque o álcool desidrata (pense em quantas vezes você vai ao banheiro quando bebe...) e é exatamente essa desidratação que causa a terrível dor de cabeça do dia seguinte.
2 | Consumir comidas gordurosas antes de sair ou no mesmo momento em que estiver bebendo. Pois elas diminuem a velocidade de absorção do álcool pelo organismo e, consequentemente, seus efeitos maléficos. Mas daí fica a seu critério: elas podem ajudar na ressaca mas não na cintura e no culote. Ainda mais se você considerar que já estará ingerindo o álcool (que, sozinho, já é extremamente calórico) e o açúcar que adoça as caipirinhas que você vai beber.
Não teve jeito: abusou e está de ressaca?
Antes de qualquer coisa, não existe "remédio para ressaca", apenas para combater os sintomas dela enquanto o fígado se encarrega de limpar a bagunça que você fez e metabolizar tudo o que você ingeriu.
3 | Se for tomar alguma coisa para a clássica dor de cabeça, evite aspirina e analgésicos à base de paracetamol. A aspirina, porque ela é irritante para a mucosa do estômago, que já foi agredido pelo álcool. O raciocínio para o paracetamol é parecido. Ele é um medicamento que, apesar de excelente para tratar dor, agride o fígado. E o seu já vai estar agredido em decorrência do abuso de álcool na noite anterior. Só o sobrecarregaria.
4 | Tome grande quantidade de líquidos. De preferência, os que contenham frutose. Tanto porque, como falei anteriormente, a dor de cabeça da ressaca é predominantemente causada por desidratação, quanto pelo fato da frutose facilitar a degradação do álcool.
Agora, duas dúvidas clássicas:
5 | Beber melhora os sintomas da ressaca? Você pode até achar que os sintomas melhoraram, se beber um pouco quando estiver de ressaca. Entretanto, isso é apenas decorrente do efeito de euforia que o álcool causa no sistema nervoso central. E, quando ele passar, você vai se sentir pior ainda.
6 | É melhor beber a mesma coisa a noite inteira do que misturar? Não faz a menor diferença se você tomou só caipirinha ou se misturou cerveja, vodka e tequila. O que causa a ressaca é a quantidade de álcool que você tomou. Não os tipos de bebida. O que acontece é que, misturando, a chance de você ficar bêbado e ultrapassar seu limite de ingestão é muito maior.
E, uma última coisa: cuidado combinação de vodka com energético. Essa é uma combinação que potencializa muito a ocorrência de arritmias no coração. Tenho recebido inúmeros casos desse tipo na UTI, naquelas horas pós-festa: nos feriados, sábados e domingos de manhã. E isso é extremamente perigoso, pois aumenta a chance de formação de coágulos e embolia pulmonar.
Fora isso, curta o feriado! Com ou sem samba, com ou sem desfile, com ou sem álcool: a escolha é sua e ninguém tem que ditar seu roteiro.
Mariana Perroni é médica clínica e intensivista. Atua em consultório e UTIs de São Paulo-SP. Página do blog no Facebook twitter: @mperroni