Negro é lindo
No ar na novela das nove, Fabricio Boliveira volta ao cinema em dose dupla neste mês e ainda se prepara para viver Simonal na telona
Vai ser difícil você não notar Fabricio Boliveira. Com quatro filmes para serem lançados nos próximos meses, o ator de 36 anos é ainda presença na novela das 21h, Segundo Sol, em que interpreta Roberval, um personagem sedutor que “quer muito do mundo”. Fabrício divide o mesmo anseio e já passou temporadas na China, na Holanda, nos Estados Unidos e em Marrocos para estudar teatro, dança e até a arte japonesa do butô.
O currículo do baiano é extenso. Atuou em diversas novelas e teve papeis de destaque nas séries globais Cidade dos Homens (2005), Subúrbia (2012), Nada será como antes (2016) e Treze dias longe do sol (2017). No cinema, deu um rosto a João de Santo Cristo, em Faroeste Caboclo (2013), filme baseado na canção homônima de Renato Russo. Atuou ainda em 400 contra 1: Uma história do crime organizado (2010), Nise: O coração da loucura (2015), Vazante (2017), entre outros.
Habituado a papeis ligados à marginalidade, crime e pobreza, ele se lançou em uma experiência nova ao interpretar Wilson Simonal, cinebiografia com previsão de estreia para 2019. “Foi uma coisa que nunca tinha feito no Brasil. Não se trata somente da questão racial, mas dos problemas e dos dramas de alguém com a situação financeira bem resolvida”, conta o ator.
Neste mês de junho, estará nos cinemas com Tungstênio, filme de Heitor Dhalia baseado na HQ homônima de Marcello Quintanilha, que estreia no dia 21, e Além do Homem, dirigido por Willy Biondani, que chega às salas no dia 28. Em 2019, volta à telona com Miragens, de Eryk Rocha. Trocamos uma ideia com o ator sobre seus próximos papéis, as viagens pelo mundo e representatividade negra.
Trip. Você vai lançar quatro filmes nos próximos meses. Cinema é o que mais gosta de fazer?
Fabricio Boliveira. Eu gosto do diálogo que meu trabalho proporciona; as linguagens são muitas. O cinema tem me levado para muitos lugares, viajo para levar os filmes a festivais, isso é o que mais me deixa feliz.
Em Tungstênio você interpreta um policial que age fora da lei. Como foi? Tungstênio tem a ver com denúncia. Pensei: o que pode se passar dentro da cabeça de um policial brasileiro? Ele só sabe se comunicar com violência. Isso me lembra aquele filme argentino, Relatos Selvagens [de Damián Szifron], em que os dois caras ficam se batendo, é o retrato de uma sociedade caótica. Lembro também de Irreversível [longa de Gaspar Noé].
Esse personagem tem a ver com uma masculinidade tóxica? Não sei se tem a ver com o masculino, as mulheres também podem ser violentas. É um desequilíbrio energético, é a banalidade da violência. A todo instante, a gente pode abrir esse dispositivo da violência por conta do medo, pela falta de autoconhecimento.
Como foi interpretar o Simonal no cinema? Foi difícil entrar nas entranhas dessa história. Esse negócio de intervenção militar, cara... Tá tudo voltando! O Simonal foi uma coisa que eu nunca tinha feito no Brasil. Não se trata somente da questão racial, mas dos problemas e do drama de alguém com a situação financeira bem resolvida. Como um ator negro, meus papeis têm muito a ver com problemas de classe e racismo, mas esse filme foca nas questões dele como artista, do amor que ele tinha por aquilo. Foi muito bonito poder chegar nesse lugar, ter essa representatividade.
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O que significa para sua carreira estar no elenco principal de uma novela das 21h? Meu desafio é como estabelecer relações com muito mais pessoas, é um retorno que o teatro não tem. Gosto de ver os tweets sobre a novela. Quando rolou a virada do Roberval [o personagem enriqueceu na trama], as pessoas falavam: “Não confio nele”. Alguma coisa que eu fiz deu essa ideia, o que era minha intenção. Parece que a gente tá construindo [esse personagem] junto.
Nas redes sociais, muita gente reclamou da falta de atores negros no elenco de Segundo Sol. Como você se posiciona sobre isso? Penso que é um movimento fortíssimo, de muitos anos, que agora chegou na televisão, até no Oscar. Tá explicito, todo mundo já sabe, não tem como falar que não existe racismo no Brasil, como se diria há dez anos. É uma grande oportunidade pra novela fazer essa transformação e que bom que tem a minha presença e de outros atores [negros]. Os Estados Unidos e a Europa estão gritando sobre isso, e a gente vai ficar de país jovem, boboca? Olha o tanto de atores negros que tem no Brasil! É a força de um país pedindo, é só deixar a arte fazer sua parte.
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Roberval é um cara boa pinta. O que acha de ser taxado como galã? A sorte de ser ator é roubar algumas coisas do personagem pra gente. Acho que o Roberval é o grande galã e tá passando isso pra minha vida, mas é muito além disso, é um vilão, revoltado, vingativo, triste. As pessoas dizem que ele é bonito porque tem poder de sedução, sabe o que quer. A gente é muito diferente, mas ele tem uma inteligência com a questão social que esbarra em coisas que eu acredito.
Como foi sua infância em Salvador? Você sempre quis ser ator?
Eu morava em Brotas, um bairro popular, com quatro irmãos. Minha mãe era funcionaria pública e meu pai trabalhava numa empresa petroquímica. Tive algumas experiências [como ator] na escola, frequentei um grupo de teatro também. Era muito intuitivo, nada profissional, até decidir prestar o vestibular para artes cênicas.
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Como você escolhe seus trabalhos? Eu dou uma boa lida no roteiro, sempre, tentando encontrar o que brilha aos meus olhos. Busco encontrar um misto de poesia e política, entender o quanto posso me colocar como artista no personagem.
Você já viajou bastante. Qual experiência fora que mais te marcou? Fui pra China levar um filme com colegas e a gente teve um problema com o governo chinês, não sabíamos como voltar, estávamos numa cidade onde não aceitavam cartões de crédito da América, dólar, ninguém falava inglês, não tínhamos mais visto e podíamos ser presos... Tivemos que descobrir como mexer num celular em chinês e entrar em contato com as pessoas até chegar no consulado. Fiquei surpreso de ver como a gente consegue resolver as coisas para além do preconceito.
Créditos
Imagem principal: Caroline Lima
Fotos: Caroline Lima