Pronta para perturbar

Leia um trecho da entrevista com Estela que chega às bancas em julho, na edição #155, especial amor. A diretora se posiciona contra a redução da maioridade penal

por Natacha Cortêz em

Diretora de três documentários provocadores sobre a infância, dentre eles Muito além do peso, de 2012 e Criança, a alma do negócio, de 2008, Estela Renner está nas Páginas Vermelhas da próxima edição de Tpm, que chega às bancas no dia 13. Contrária a redução da maioridade penal, a cineasta dispara: "Mexer apenas no sistema prisional não transforma nada. Precisamos, sim, carregar no colo os bebês e investir no momento em que nascem".

Estamos contigo, Estela! Aqui, o trecho da entrevista em que a cineasta defende seu ponto de vista. 

Seu próximo filme, Be – os três primeiros anos na vida de uma pessoa, está sendo finalizado em um momento no qual discutimos a redução da maioridade penal. Esquentando essa discussão vemos diversas histórias de menores infratores que nasceram e cresceram em famílias fragmentadas, sem amor. Você concorda que o problema dos crimes muitas vezes está nesse contexto familiar? Vou recorrer a James Heckman, um dos especialistas que entrevistei para o filme. Ele ganhou o Prêmio Nobel de economia e tem muitos artigos publicados nos Estados Unidos. James falou de um estudo que fez sobre como capacitar jovens e crianças. Eles queriam identificar em qual idade se aprendia mais. Quando chegaram na primeira infância, viram que era o momento em que de fato mais se aprendia. E perceberam que as sociedades e as economias que mais cuidavam dessa fase conseguiam prevenir crime, violência, comportamentos compulsivos e uso de drogas. Para o James, é muito mais fácil e possível, em termos econômicos, oferecer uma primeira infância saudável e amorosa do que tentar consertar no adulto comportamentos nocivos. É muito mais importante investir na família e nos cuidadores dessa criança, do que depois "fix a broken man", como ele diz. Por que como você vai voltar lá atrás em experiências traumáticas formadoras daquela identidade? Elas estão solidificadas, vêm de um tempo em que aquela pessoa era bebê. E mais, essa pessoa nem tem mais acesso a essas memórias. Que adulto esperamos que uma criança abandonada constantemente, que vive em um estresse tóxico diário, vai virar? Segundo James Heckman, em termos econômicos, não existe nenhuma ação que dá tanto lucro pro Estado do que investir nesse ser humano assim que ele nasce.

O investimento no capital humano logo na primeira infância. Sim. Isso é simplesmente investir na humanidade. E como fazer isso? Antes de tudo, investir nas pessoas que cuidam desse bebê. Porque ele não cresce sozinho, mas é feito das relações humanas. Uma criança nasce com todo o potencial, mas se ela não tem um pai, uma mãe, um cuidador, que dá pra ela um ambiente livre e seguro, alimentado e afetuoso, essa criança não tem como descobrir seu melhor lado. 

Um adulto que não teve essa primeira infância afetuosa é obrigatoriamente um adulto irrecuperável? Acredito que não. Pelo menos não é algo unânime. Uma coisa que é interessante dizer: claro que existem formas de recuperação. A pessoa pode ter vivido uma primeira infância muito dura e, com o tempo, e se a vida for generosa, ela tem alguma chance de se reconstruir. O que não é ok, e leva à loucura e à morte, é não ter de fato relação alguma, não ter sido aceito ou compreendido verdadeiramente em nenhum momento da infância.

Você é a favor ou contra a redução da maioridade penal? Contra. Sou a favor de a gente carregar no colo os bebês. Deixá-los próximos das mães. Sou a favor de uma injeção de afeto e atenção na primeira infância. Imagine que só de você dedicar tempo conversando com seu filho, quando ele chegar à escola formal, o vocabulário dele será muito superior. Precisamos investir no momento em que essa criança nasce. E também, claro, estamos falando de gravidez. Mexer apenas no sistema prisional não transforma nada. 

 

Leia mais na edição impressa que chega as bancas no dia 13 de julho

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